Monday, December 20, 2021

UM TEXTO ALTERNADO SOBRE "RANDY SCOUSE GIT" DOS MONKEES

Êi, êi, aqui está um pequeno mas chique (tem até notas de pé de página) artigo sobre uma canção de grande sucesso dos Monkees.

Muito se fala sobre Michael Nesmith e Peter Tork serem os verdadeiros músicos dos Monkees. Mas é preciso lembrar que o nanico fofinho Davy Jones tinha seu charme ao cantar belas baladas, era mais que apenas um Topo Gigio humano e inglês, e Micky Dolenz, embora fosse ator de profissão e não se importasse em continuar trabalhando no seriado The Monkees apenas como um ator que fazia o papel de músico, também tem talento musical, sendo inclusive, e de longe, o melhor cantor dos quatro, até mesmo uma das grandes vozes do rock. E ao começar a trazer suas composições para os Monkees, Micky Dolenz começou com tudo. Sua primeira composição gravada pelos Monkees, "Randy Scouse Git"  , lançada no álbum Headquarters, fez muito sucesso e é considerada por muita gente como uma das melhores do grupo – talvez até seja a melhor composição de Michael Nesmith que ele não compôs.

A DAMA E O VAGABUNDO



Certamente, Dolenz seguiu um costume de Nesmith ao escolher para “Randy Scouse Git” um título que não tinha nada a ver com a letra. Dolenz compôs esta canção quando esteve em Londres e participou de uma festa com os Beatles. Inclusive, nesta canção Dolenz cita os Beatles, “the four kings of EMI”. E ele usou como título um dos bordões de um seriado da televisão inglesa de muito sucesso, Till Death Us Do Part, cujo personagem principal, um reaça chefe de família, vive às turras com seu genro (1), um socialista folgado nascido em Liverpool, e o reaça o chama justamente assim, “randy Scouse git”, expressão em inglês britânico traduzível como “zé mané tarado liverpudliano”. Dolenz se encantou com a frase a ponto de resolver usá-la como título desta canção. Mas a filial inglesa da gravadora lhe disse “não podemos lançar essa canção na Inglaterra com esse título, você vai ter que usar um título alternativo”, e Dolenz respondeu “pronto, fica sendo ‘título alternativo’”, ou seja, “Alternate Title” (2). Seria melhor, em inglês britânico, “Alternative Title” (não foi por erro que muita gente traduziu “alternate title” como “titulo alternado”), mas a intenção era fazer nonsense, então tudo bem.

 





Algumas edições latino-americanas de “Randy” em compacto trazem nos selos uma proverbial “fiesta” de erros (“Colgelms”, “Dolens”), mas pelo menos algumas gravadoras se deram ao trabalho de fazer o que pouca gente faz – ouvir os discos que lançam. Não podendo ou não querendo entender, ou achando mais prudente não divulgar, o que significaria a frase “Randy Scouse Git”, elas adotaram títulos que, pelo menos, têm a ver com a letra da canção. No Chile, o disco atende por “Una Gran Dama” (do primeiro verso, “a wonderful lady”), e a Argentina se inspirou num verso do refrão, “Porque No Eres Como Yo” (“why don’t you be like me?”).

SUCESSO EM QUASE TODO O MUNDO

 


A Colgems, gravadora dos Monkees nos EUA, negou a si mesma o sucesso de “Randy”, lançada em compacto com sucesso pelo mundo afora, mas dezenove anos depois sua herdeira Arista (3) preencheu essa lacuna lançando a canção em compacto (embora no lado-B, com “Daydream Believer” no acoplo) para promover uma nova coletânea, Then & Now –  The Best Of The Monkees. Curiosidade: esta coletânea saiu em LP (com apenas 14 faixas, incluindo “Daydream Believer mas não “Randy”) e também em CD – um dos primeiros lançamentos neste formato – com nada menos de 25 faixas (tinha que incluir “Randy”, e inclui).

“Randy Scouse Git” tem sido realmente a canção mais regravada do álbum Headquarters, já desde 1967 até hoje e pelo mundo afora. Algumas releituras curiosas incluem um arranjo em reggae da banda Bad Manners  , outro em estilo “easy listening” (com qualidade intermediária entre Mitch Miller e Ray Conniff) com a Peter Covent Band, uma versão finlandesa, “Voitko Lopettaa” (“você pode parar”), com Arto Sotavalta, e a da dupla vocal argentina Barbara Y Dick, “Titulo Alternado”, com o auxílio mais que luxuoso de Horacio Malvicino, nada menos que um dos primeiros e dos melhores guitarristas argentinos de jazz, e que inclusive tocou com Astor Piazzolla; esta gravação não saiu em discos da dupla e sim numa coletânea de artistas da região do Mar Del Plata, Modart No. 1, lançada na Argentina e, pelo menos, também no Uruguai. 


NA TERRA DOS GENERAIS SEM QUARTEL



A exemplo de suas citadas primas latinas, foi como “Uma Grande Dama”, em português, que nossa RCA traduziu o título “Randy Scouse Git” na contracapa da edição brasileira do álbum Headquarters, e essa é apenas a menor das curiosidades desta edição brasílica – além da capa mais psicodélica que a original. (4)






Notem que a ficha técnica nacional (que eu trouxe juntamente com a original para comparação), além de confundir os xarás Mike (Nesmith) e Micky (Dolenz), simplesmente ignora que Mike, Micky ou quem quer que seja toca “pedal steel guitar”, instrumento até então praticamente desconhecido no Brasil; o que se ouve em discos de Poly e outros é guitarra havaiana (“Hawaiian guitar”), embora de sonoridade bastante similar, assim como o cavaquinho consegue se passar por seu irmão ukulele. (5)

 


E a imprensa brasileira, mais especificamente o Diário Da Tarde de Curitiba (na edição de 1/12/1967), noticiou que o lançamento local de Headquarters ocorreu “quase que simultaneamente” aos EUA; bem, seria o caso de o jornal definir o que é “quase (com ou sem "que") simultâneo”, pois o disco saiu lá em maio e aqui em outubro (6)...

MATRIZ INSPIRADORA

Além de "Randy Scouse Git", outras regravações de canções do disco Headquarters de que tenho notícia são “Early Morning Blues And Greens” transformada em “TristeAmanecer” pela banda mexicana Los Gnomos, “For Pete’s Sake” em salsa instrumental com o Wayne Avers Group (7) e duas versões brasileiras: “You Told Me”, que abre o disco dos Monkees, fecha o primeiro álbum da banda Os Selvagens (“Você Foi PraLonge” , 1968), e “Shades Of Gray” foi bem regravada em 1967 pelos Golden Boys como “AVida Tem Sido Má Para Nós”, em versão de Rossini Pinto. Cumpre lembrar que estas duas letras em português são fieis ao espirito das originais – bem diferente de quase todas as versões brasileiras de “I’m A Believer”, umas dizendo “eu acredito” e outras “não acredito”...

Notas:

(1) O seriado inglês Till Death Us Do Part inspirou outros pelo mundo, como o estadunidense All In The Family (1971/1979, exibido no Brasil como Tudo Em Familia no fim dos anos 1980) e o brasileiro A Grande Família (bem que a implicância com genro folgado soou, sem trocadilho, familiar, embora Lineu Silva nada tenha de reaça).

(2) Paradoxalmente, os tempos atuais seriam em principio mais liberais e tolerantes, mas com a noção de “politicamente correto” usada incorretamente, cada vez mais gente se ofende com cada vez menos...

(3) Parece poema de Drummond: a Colgems (selo fonográfico da Columbia Pictures em parceria com a RCA e lançador dos Monkees), fundada em 1966,  comprou em 1971 a gravadora Bell, que em 1974 foi renomeada Arista, que em 1979 foi comprada pela Ariola, que em 1985 foi comprada pela RCA, que em 1986 foi comprada pela General Electric e mudou o nome para BMG, daí em 2004 foi comprada pela Sony – que também comprou a Columbia Pictures...

(4) Sim, a edição brasileira removeu as duas vinhetas humorísticas do álbum, “Band 6” e “Zilch”, e acrescentou as duas faixas do então recente compacto de sucesso, “Words” e “Pleasant Valley Sunday”. Ninguém, nem mesmo os Monkees ou a Columbia Pictures inteira, quanto mais a nossa RCA, poderiam imaginar que estas duas faixas seriam incluídas no álbum seguinte, Pisces, Aquarius, Capricorn & Jones Ltd., e elas foram mantidas na edição brasileira – mas quase tiveram a companhia do lado-A do compacto seguinte, o grande sucesso “Daydream Believer”, como se nota neste detalhe da contracapa da primeira tiragem brasileira; a tarja examinada contra a luz revela “Daydream Believer” e sua autoria, [John] Stewart.

 




E, como final feliz desta novela, esta faixa entrou no álbum seguinte, The Birds, The Bees & The Monkees, e assim foi mantida no Brasil. Mas esta novela não teve “quem matou”, ou melhor, “quem tocou”, pois a ficha técnica do álbum Pisces foi simplesmente ignorada nesta edição brasílica, só saindo aqui na seguinte, em CD da Rhino/Warner, quase 30 anos depois, em junho de 1995.

(5) Até onde sei, a primeira pessoa a tocar no Brasil uma “pedal steel guitar” legítima foi Rick Ferreira, inclusive em discos de Raul Seixas, embora no álbum Gita o instrumento esteja creditado erroneamente como “still guitar”.

(6) Algumas fontes que consultei dão a data de lançamento do álbum Headquarters como maio de 1967 e outras, junho. Escolhi maio porque o disco está nas colunas “New Album Releases” e “New Action Albums” da Billboard de 27 de maio. “New action albums” significa LPs ainda não presentes na parada da revista mas já com vendas significativas nos maiores locais de mercado. E, sim, o erro de usar “‘s” para indicar plural não é recente...

 


Por sinal, minhas outras fontes para este artigo incluem as páginas 45cat, Discogs, Second Hand Songs e Estroncio90, enciclopédias como a do NME e a de Lillian Roxon e todos os periódicos disponíveis na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional, com boa rima e tudo.

(7) Para ver como é a vida: enquanto as regravações em países latinos se esforçam para imitar a sonoridade do rock britânico e estadunidense, o Wayne Avers Group, liderado pelo guitarrista de Nashville Wayne Avers, mostrou a “latinidade” monkeeana... Lembremos também que Avers é bem familiarizado com a música dos Monkees, tendo inclusive tocado em shows solo de Davy Jones e Micky Dolenz.

E este artigo é dedicado a René Ferri, Rosinha Monkees Viegas, Fátima Feliciano, Regina Célia Callile, à memória de Reylo Marques (“jogo duro...”) e à banda Hein?.