Revista do Rádio, 1961.
Agnaldo
Timóteo imitava tão bem Cauby Peixoto que a Caravelle impôs tal condição para
seu primeiro disco. Timóteo acabou se revoltando: “Eu não queria mais ser uma
cópia do Cauby. Eu queria ser eu mesmo.” E acabou rescindindo o contrato,
dizendo que preferia não gravar do que gravar mal (o disco de carnaval deve ter
sido a gota d’água). Este primeiro disco de Timóteo foi lembrado tão de passagem
quanto possível no texto (não assinado; seria de Milton Miranda, o produtor?)
de contracapa do primeiro LP de Timóteo, Surge
um Astro, lançado em outubro de 1965: “Faz algum tempo (4, 5 anos?) tive a
oportunidade de receber uma gravação em 78 rotações – ainda não se falava em
compactos – de um novo cantor. A marca era desconhecida: acredito que nem mais
exista.” Mais adiante o texto diz com segurança: “[,,,] a fábrica fechou.” Belo
exemplo de “só que não”: a gravadora Caravelle (6) estava muito ativa e demonstrou isso com o sucesso de Paulo
Sérgio, Elizabeth, Fredson, Marcos Moran – e uma coletânea que inclui uma das
faixas do primeiro disco de Timóteo, justamente o samba “Sábado No Morro”. A coletânea
chama-se As 13 Da Sorte (com a capa
aproveitando o mote da grande novidade que era a loteria esportiva), foi
lançada em 1971 e na contracapa ficamos sabendo que o arranjo de “Sábado No
Morro” foi o maestro Pereira dos Santos, detalhe faltante no selo do disco 78
rotações original.
O
terceiro disco de Agnaldo Timóteo foi um compacto duplo no selo Philips em 1963
– ignorado no texto do primeiro LP e assim lembrado por Agnaldo mais tarde: “O
disco era bonzinho mas a capa saiu horrível.” Uma das faixas é regravação de “Tortura
De Amor”, sucesso do já então famoso Waldik Soriano (1933/2008); oito anos
depois Timóteo regravou outro hit waldikiano, “Paixão De Um Homem”, em espanhol;
numa entrevista para O Pasquim (7) disse que esta sua gravação ficou,
“tecnicamente falando, muito superior à do Waldik”, e nem pensou em parar aí: “[...]
eu e o Waldik Soriano como cantor, pelo amor de Deus! É a diferença entre o
olho do Sol e o olho do c(*)!”
Por
sinal, a coletânea As 13 Da Sorte da
Caravelle teve um precedente: o LP Seleções
Favoritas Do Público, lançado pela Philips em 1966 e que incluiu “Tortura
De Amor”, do compacto duplo de Agnaldo Timóteo, aproveitando o sucesso que ele
começara a fazer no ano anterior em outra gravadora, a Odeon.
Notas na Revista do Rádio em 1962 e 1964.
“A
CASA DOS MEUS SONHOS”: SUA MELHOR GRAVADORA, A EMI-ODEON
Ah,
a Odeon, filial brasileira da gravadora multinacional inglesa EMI e que na
metade dos anos 1970 passou a atender por EMI-Odeon. Durante quase todo o
século 20 a Odeon foi, de modo geral, a gravadora multinacional que melhor
tratava a melhor música brasileira — boa divulgação, boas gravações e capas, ecletismo
de elenco, liberdade de criação, discos em catálogo por mais tempo (8) – um de tantos exemplos sendo o já e
sempre lembrado Surge um Astro,
primeiro LP de Agnaldo Timóteo.
Um
estudo interessante sobre a contratação de Timóteo pela Odeon está no livro Canção De Massa – As Condições Da Produção,
de Othon Jambeiro (editora Pioneira, 1975). Diz Jambeiro que em 1965 a Odeon
procurava artistas para participar dos mesmos nichos de mercado de Roberto
Carlos, rei do rock na gravadora CBS, e Nelson Gonçalves, baluarte do
samba-canção na RCA, ao mesmo tempo que buscava um cantor especializado em
versões de canções estrangeiras. A Odeon teve suas preces atendidas com,
respectivamente, Eduardo Araújo, Altemar Dutra e Agnaldo Timóteo; no caso deste,
a Odeon cuidou que seu primeiro LP, Surge
Um Astro, fosse inteiramente de versões. (Obviamente, em 1967 Timóteo já
não era mais apenas cantor de versões, com sucessos compostos localmente como
“Meu Grito” e “Quem Será”. E o texto de Jambeiro é bom, cometendo apenas o
errinho de dizer que Timóteo gravou “A Casa Do Sol Nascente” ainda na gravadora
Philips.)
Em maio de 1968, enquanto a França pegava fogo e o Brasil gestava os álbuns Tropicália e Os Mutantes, a revista Melodias assim falava de Agnaldo Timóteo.
Falámos
em ecletismo de elenco. Pois bem, se nos anos 1970 a Odeon podia lançar Clube
da Esquina, Egberto Gismonti, Claudya, Edu Lobo, Sá, Rodrix & Guarabyra, João
Donato, Som Imaginário, Nelson Cavaquinho, Luiz Claudio e outras estrelas de
classe, era porque o faturamento estava garantido pelas vendagens dos discos de
basicamente uma trinca: o sambeia-eia-eia de Clara Nunes, o ska-sofrência dos
Fevers e o romantismo sensual, sentimental e desgarrado de Agnaldo Timóteo.
Timóteo
gravou na EMI de 1965 a 1985, e em 2012 seus álbuns dos anos 1970 na casa foram
reeditados em duas belas caixas de CDs (incluindo faixas bônus de compactos) pelo
selo Discobertas, de Marcelo Fróes, cujos lançamentos são exceções no país dos
CDs de no máximo 14 faixas, letras tiradas de “orêia” e capas censuradas por
tudo ou por nada.
A
EMI lançou também muitos belos discos promocionais incluindo Agnaldo Timóteo;
aqui estão os selos e capas de alguns.
Curiosidade:
“Quem Será?”, um dos maiores sucessos de Agnaldo Timóteo, lançada em compacto e
também no álbum O Sucesso É O Astro,
teve em seu lado-B uma gravação que não está no LP mas se tornou grande
sucesso, “Verdes Campos Da Minha Terra”, enquanto este compacto promocional
trouxe no acoplo outra faixa desse LP, “Não”.
E
são da EMI as gravações do compacto duplo que integrou o fascículo da revista Sétimo Céu dedicado a ele e lançado em
1969 (9) – por sinal, neste fascículo
Timóteo fala de sua vida e carreira com tanta abertura e sinceridade quanto era
possível na segunda metade dos anos 1960 no Brasil, inclusive não esquecendo de
agradecer a seu violonista, compositor e diretor musical Wagner Montanheiro
(embora apenas pelo primeiro nome), que trabalhou com ele século 21 adentro.
Neste
fascículo Timóteo comenta também sobre lançamentos de gravações suas no exterior,
inclusive uma bela edição inglesa do LP Obrigado,
Querida (lançado em março de 1967) com outra capa e outro título, The Golden Voice Of Brazil (apenas
alguns meses após o lançamento brasileiro), além de um texto em inglês sobre
Timóteo na contracapa (10), e Timóteo
comete um pequeno engano ao dizer que foi “o primeiro artista brasileiro a ser
editado em Londres”; outros grandes nomes da música brasileira a terem discos
“made in England” antes de Timóteo incluem Carmen Miranda e João Gilberto.
(Outra curiosidade: o texto da contracapa deste LP inglês menciona o sucesso de
“A Casa Do Sol Nascente”, não incluída no disco...)
The Golden Voice Of Brazil foi lançado na série de LPs Worldwide,
equivalente da EMI inglesa das séries estadunidenses Capitol Of The World da
Capitol – filial da EMI nos EUA – e Four Corners da Kapp/Decca; curiosamente,
este disco inglês de Timóteo foi mencionado na revista Billboard com um ano de atraso.
E Timóteo teve também um LP lançado
nos EUA nessa mesma época, mais exatamente 1968, intitulado (prepare o fôlego) Songs By Brazil’s Internationally Famous
Agnaldo Timóteo – título longo para um álbum curto, pois se trata do álbum O Sucesso É O Astro com uma faixa
removida, “Foi Deus”, seguindo o maldito costume da Capitol de reduzir álbuns
para 11 faixas (o que desgraçou, por exemplo, quase todos os LPs dos Beatles
lançados nos EUA de 1964 a 1966).
“CAMINHANTE
DAS NOITES PERDIDAS”: GRAVAÇÕES PÓS-ODEON
É
consenso que a fase áurea de Agnaldo Timóteo terminou quando ele saiu da EMI.
Mas ele nunca se entregou nem perdeu a garra, passando por muitas outras
gravadoras, como a Sony, a Som Livre, Continental, as independentes Nova
Estação, Coqueiro Verde e Atração, a promissora mas efêmera 3M (cujo elenco e
acervo acabaram indo para a Continental) e, ao brigar com as grandes
gravadoras, selos menores como Unimar Music e Radar. Empreendedor no verdadeiro
sentido da palavra, nos anos 2010 não se acanhou a vender seus novos discos ele
mesmo na Praça da República, em Sampa – tal como fizera com seu compacto na
Philips lá em 1963, pois, ao que consta, a gravadora não divulgou como
podia/devia e o disco vendeu menos de 200 cópias. Outro detalhe a ser lembrado
é que, mesmo gravando para selos minúsculos ou mesmo “matéria paga” (jargão
jornalístico para discos superindependentes, financiados pelo/a próprio/a
artista), Agnaldo Timóteo nunca descuidou da produção, sempre trabalhando com
maestros e instrumentos de verdade sem apelar para a tecladeira típica de
grandes restrições orçamentárias (ao contrário dos últimos discos de, por
exemplo, Wilson Simonal), além de posar para as capas com trajes caprichados;
brega talvez, mas tosco jamais.
E
para promover o álbum Presente,
lançado no final de 1989, a Continental lançou um LP especial para as rádios
com uma entrevista de Timóteo; as perguntas vinham na contracapa do disco, para
serem feitas por pessoas locutoras ou apresentadoras como se Timóteo estivesse
na emissora. Pois você também pode entrevistar Agnaldo Timóteo, bastando seguir
as perguntas abaixo e ouvir as respostas aqui.
(Outra
curiosidade: alguns álbuns de Agnaldo Timóteo usam nos títulos as palavras
“astro”, “obrigado”, “com carinho” e “presente”, sendo esta última o caso neste
seu álbum na Continental e de Presente De
Deus, lançado pela 3M em 1986.)
“DESCOBRINDO
O PARAÍSO”: OS PRIMEIROS SUCESSOS
Ultimamente
Agnaldo dizia que seu primeiro sucesso foi “Meu Grito” – o que, a rigor, não
era verdade. Seu primeiro sucesso composto no Brasil, não versão de canção
estrangeira, e lançado por ele, ou seja, primeiro sucesso dele neste sentido, pode ser. E, sem dúvida, é sua “Conceição” ou
“A Volta Do Boêmio”, seu carro-chefe, sua canção-assinatura, seu maior sucesso.
Mas antes de “Meu Grito” Agnaldo Timóteo emplacou outros hits pelo menos quase
tão grandes. Um deles foi “Mamãe”, versão de “La Mamma” de Charles Aznavour (essa
mesma, ”os olhos meigos diiiiiii mamãe”, e uma das muitas odes maternas
gravadas por Timóteo), lançado em abril de 1966, quatorze meses antes de “Meu Grito”.
Estre estes dois compactos tivemos o primeiro LP de Timóteo, Surge Um Astro, que se revelou um
daqueles raros álbuns (como o primeiro do Secos & Molhados e o único dos
Mamonas Assassinas) que fazem grande sucesso a ponto de nem ser preciso extrair
faixas em compactos para incentivar maiores vendas ou aproveitar menores. (O
álbum permaneceu em catálogo até meados dos anos 1980, quando a gravadora
submeteu a um pogrom seus próprios produtos e passou a privilegiar
coletâneas.). O maior sucesso de Surge
Um Astro foi a já mencionada “A Casa Do Sol Nascente”.
Sim,
é a famosa versão de “The House Of The Rising Sun”, adaptação de canção
folclórica estadunidense, uma das gravações icônicas de todo o rock e o maior
sucesso da banda inglesa The Animals. Timóteo sempre contava que conheceu a
canção interpretada por uma banda de rock no programa Rio Hit-Parade, apresentado por Jair de Taumaturgo (1920/1970). “A
música era linda. Eu vibrava e dizia a mim mesmo: preciso cantá-la”, disse
Timóteo em sua Edição Sonora da Sétimo Céu. “Fiquei irritado porque os
caras cantavam como se fossem cadáveres. Minha Nossa Senhora! A música dá pra
fazer uma tremenda cena”, detalhou ele a O
Pasquim três anos depois. Timóteo foi pedir a Jair para cantar essa canção
no programa; Jair aceitou, Timóteo ensaiou o quanto pôde (em inglês – “canto em
qualquer idioma, desde que me deixem cantar”, disse ele a Taumaturgo), foi ao
programa (11) e tanto agradou que,
além de aparecer na TV com cada vez mais frequência, despertou interesse de
gravadoras e, por indicação de Taumaturgo, assinou contrato com a Odeon.Um
detalhe curioso. “The House Of The Rising Sun” fez tanto sucesso que a Odeon,
além de lançar no Brasil a gravação dos Animals, providenciou uma versão em
português, encomendando-a ao infalível versioneiro Fred Jorge para um novo
contratado da casa, o cantor paulista Teddy Milton (1943/2005); o disco saiu em
abril de 1965 e fez sucesso. Ao contratar Agnaldo Timóteo, a Odeon resolveu
apostar no certo e, como já dissemos, preparou para Timóteo um LP inteiramente
de versões, incluindo “A Casa Do Sol Nascente”. Nesta página dedicada a TeddyMilton (12)
consta que este “ficou magoado porque ‘A Casa Do Sol Nascente’ foi oferecida
pela Odeon para que Agnaldo Timóteo gravasse – embora sua versão seja muito
melhor”. Há, ao menos para mim, uma dúvida: “sua” seria a de Timóteo ou Teddy?
Ambas, a meu ouvir, são boas, a de Teddy Milton soando mais “garageira”, com
acompanhamento de apenas uma banda de rock, enquanto a de Agnaldo Timóteo traz
banda de rock com coral e orquestra, já no estilo grandiloquente que o tornaria
famoso. Notemos que Teddy e Timóteo eram bons cantores mas nenhum encarou o
mesmo tom de lá menor do pequeno grande Eric Burdon; Teddy cantou em mi menor e
Timóteo chegou bem mais perto da raia, sol menor.
“PEGO
NO MEU RÁDIO [OU TV] UMA NOVELA”: AGNALDO TIMÓTEO EM TRILHAS SONORAS
Dá
para fazer um álbum curto com as gravações de Agnaldo Timóteo que entraram em
trilhas de telenovelas, especialmente a partir dos anos 1980, quando começaram
a sumir as fronteiras elitistas entre “brega” e “chique”. (Não, a novela Brega & Chique não tem gravações
dele, embora o título bem o sugerisse.)
A
primeira novela a incluir na trilha interpretações timoteanas foi A Grande Viagem, exibida pela TV
Excelsior de 1 de novembro de 1965 a 26 de
fevereiro de 1966;
Agnaldo Timóteo cantou duas baladas-rock de Theotonio Pavão e Zaê Junior, “Calunga”
e “Canção Do Desencontro”, lançadas num compacto em novembro de 1965. Agnaldo
voltou a ser ouvido em telenovelas em outra década e outra emissora. Na novela Duas Vidas (no ar de 13 de dezembro de 1976 a 13 de junho de 1977) ele traz
sua versão de “Olhos Nos Olhos” de Chico Buarque (esta canção esteve na trilha da telenovela Tchan! A Grande Sacada com Maria Bethânia
de 29 de novembro de 1976 a 4 de junho de 1977)
Em
Guerra Dos Sexos (6 de junho de 1983 e 7 de janeiro de 1984) Agnaldo Timóteo
cantou “Dançar
Com Você”; Água
Viva, no ar de
4 de fevereiro a 8 de agosto de 1980, trouxe “Grito de
Alerta”, que Gonzaguinha compôs inspirado em uma história amorosa vivida por
Agnaldo Timóteo. E
tivemos dois duetos de Timóteo com a amiga Ângela Maria interpretando a mesma
dupla de compositores, Evaldo Gouveia e Jair Amorim. Uma foi o bolerão “Brigas”,
gravado originalmente por Altemar Dutra em 1966 e regravada para a novela Marrom Glacê de 6 de agosto de
1979 e 29 de fevereiro de 1980; a outra foi “Tango Pra
Tereza”, sucesso com Ângela em 1975 e regravada para a novela Vira-Lata, que mostrou o focinho na tela
de 1 de abril a 28 de setembro de 1996.
“BICHO
LIVRE, SEM RUMO, SEM LAÇOS”: AGNALDO TIMOTEO GRAVA ROBERTO CARLOS
Agnaldo
Timóteo ganhou de Roberto Carlos nada menos que quatro canções exclusivas: “Meu
Grito (lançada em junho de 1967), “Deixe-Me Outro Dia, Menos Hoje” (janeiro de
1969), “Os Brutos Também Amam “ (novembro de 1972) e “Frustrações” (março de 1974),
as três últimas em parceria com o grande Erasmo Carlos; anos depois ele gravou
um álbum tributo a Roberto, Em Nome Do
Amor, lançado pela Columbia em abril de 1998.
E
ninguém comentou que “Quando”, lançada por Roberto em novembro de 1967, repete um
trecho da melodia de “Meu Grito”; experimente cantar “ai, que vontade de
gritar/seu nome bem alto no infinito” junto com “se alguém vier me perguntar/nem
mesmo sei o que vou falar”... (13)
“NÓS
PRECISAMOS SORRIR”: AGNALDO TIMÓTEO INSPIRA IMITAÇÕES, PARÓDIAS E BOM HUMOR
Humor
que se preza não perdoa nada nem ninguém, ainda mais num país irreverente como
o Brasil, que não respeita nem a si mesmo, e Agnaldo Timóteo não tinha como
escapar. Muita gente deve ter se lembrado do humorista e músico paulistano Serginho
Leite (1955/2011) e seus dois números onde gozava Timóteo: sua espetacular
imitação dele e de Cauby Peixoto ao mesmo tempo, que pode ser conferida aqui (lembremos
que o próprio Agnaldo Timóteo começou a carreira imitando Cauby), e sua
transformação de “Conquistador”, sucesso onde Timóteo apenas fala, em um dueto
onde ele, Serginho, é o “conquistado” (“mas só tem disco teu aqui, Timóteo?”).
A
carreira política de Agnaldo Timóteo, sua fase mais equivocada, provocou humor
já começando pelo próprio Timóteo. Ao ser eleito deputado federal, em 1983, seu
discurso de posse na Câmara incluiu uma simulação de telefonema à sua genitora,
começando pela frase “Alô, mamãe”; isso gerou polêmica e, além de muita
gozação, inspirou o samba-enredo de 1984 da escola Imperatriz Leopoldinense, em
tom de protesto bem-humorado (“Alô, mamãe/Assim não aguento/Almoçar pirão de
areia/E jantar sopa de vento”), completo com Agnaldo
em pessoa participando do desfile como destaque num carro abre-alas em forma de
telefone. (14)
Não foi à toa que o quadrinhista
Ziraldo (nasc. 1932), co-fundador d’O
Pasquim e emérito conterrâneo de Agnaldo Timóteo, havia se referido a ele
afetuosamente já num artigo de 1970 sobre Caratinga, terra natal de ambos, como
“o inventor da mãe”, de tantas canções e menções musicais de Agnaldo à figura
materna. Ziraldo foi até profeta, em vista do que Agnaldo aprontou em sua posse
como deputado quase dez anos depois. (E já que citei o Joelho de Porco,
imaginei Agnaldo Timóteo cantando uma versão abolerada de “A Lâmpada De
Edison”, aquela que fala de “Sigmund Freud e sua mãe, mãe, mãe...”). E imaginem
se o jornal O Pasquim, irreverente
como ele só, não iria fazer a festa, embora geralmente fosse simpático a
Timóteo (exceto quando este se aliou politicamente a – peço desculpas ao
leitorado pelo inevitável baixo calão – Paulo Maluf). Este artigo poderia ter
sido feito só com as menções d’O Pasquim
a Agnaldo Timóteo (15); fiquemos por
ora com outra amostra, onde outro ilustre pasquineiro, Roberto Moura, comentou
sobre Agnaldo Timóteo ter regravado “Olhos No Olhos” de Chico Buarque com o
verso “tantos homens me amaram” para “tantas mulheres”: “Bobagem, bem. Tu já
não tinha gravado um disco chamado Os
Brutos Também Amam?”
E Jorge Ben Jor foi bem-humorado
ao falar de Timóteo para o mesmo O
Pasquim em 1969: “Agnaldo Timóteo é o rei do disco. [...] eu não compro.
Mas a minha mãe gosta.” Inclusive, Bem Jor chegou a jogar com Timóteo numa
preliminar da final do campeonato brasileiro de 1980, no Maracanã em 1 de junho
de 1980, incluindo artistas e grandes jogadores de outras eras como Félix e Garrincha.
“QUAL UM ESPELHO A REFLETIR”:
IMITAÇÕES A SÉRIO
Um
artista tão popular quanto Timóteo havia de inspirar não somente imitações humorísticas
mas também a sério, “covers” até desde antes de surgir esta palavra.
Um
dos mais ilustres foi o baiano Agnafon (“al secolo” Antônio Cardoso da Silva), que
chegou a gravar com o já citado violonista Wagner Montanheiro, diretor musical
e produtor de muitos discos de Timóteo desde os anos 1960, e a fazer shows com
o próprio Timóteo. Infelizmente, Agnafon faleceu assassinado aos 62 anos, em
2011, fato ainda mais lamentável pois os assassinos roubaram o que puderam e
sumiram.
E
até o momento nada descobri, além este disco, sobre outro imitador, José
Timóteo – mas parece não ser o mesmo José Timóteo Filho (1950/2010), irmão de
Agnaldo, cantor e compositor que usava o nome artístico de Majô, inclusive com
obras gravadas pelo mano.
“A
ESCOLA DA VIDA É QUE ENSINA”: PARA CONCLUIR
Para
terminar, lembro que Agnaldo Timóteo está presente em outros assuntos de meu
grande interesse, como o rock brasileiro (sim, ele foi roqueiro de muitas
baladas-rock, fossem em compasso 4/4 como “Meu Grito” ou 12/8 como “Quem Será?”
e “A Casa Do Sol Nascente”), o circo e a música brasileira (“Quando o circo
chegava em Caratinga, eu participava de todos os concursos que eles promoviam,
cantava e fazia sucesso”, relembrou Timóteo no fim dos anos 1960. “Era fácil,
fácil. Todos os pacotes de marmeladas e macarrão de prêmio acabavam na minha
casa.”) e a repercussão de James Bond no Brasil (ele gravou pelo menos duas
versões de baladonas dos filmes de 007: “From Russia With Love” e “Thunderball”).
Agradecimentos
às páginas da internet Fundaj, 45cat, Discogs, Brazilian Show
Business (de Carlus Maximus), Dicionário
Cravo Albin e Sanduíche Musical,
além da Rádio Gazeta, a Edson Mendes e Thiago Marques Luiz e ao grupo Brazil By Music do Facebook.
(1)
Curiosamente,
Vicente Celestino faleceu em agosto de 1968, pouco tempo após o lançamento
deste álbum Tesouro Musical, por
volta de junho. E Celestino não conheceu o ostracismo, tendo inclusive seu
sucesso “Coração Materno” – canção sobre mães num estilo trágico e até punk que
Agnaldo Timóteo jamais gravaria – resgatado pelo tropicalismo ainda em 1968. E
Celestino se divertia quando o jornalista e humorista Stanislaw Ponte Preta se
referia a ele como “Berro”.
(B (2) Borelli
Filho (sobre quem ainda quase nada sei) foi redator em publicações como Mundo Ilustrado e chefe de redação da Revista do Rádio (além de redigir a
coluna “Mexericos Da Candinha”), e também autor de um famoso jingle para a rede
de supermercados Casas da Banha nos anos 1950. Ainda sobre Vicente Celestino,
uma curiosidade é ele ter falecido no mesmo ano em que Borelli comparou Timóteo
a ele.
( (3) Paulo César Pinheiro (nasc. 1949) além de grande letrista da
MPB, foi produtor na gravadora de Timóteo, a EMI-Odeon, como contou ao blogue A Nova Democracia: “Fui contratado pela
Odeon e fiz um disco em 72. Comecei a entender o funcionamento das gravadoras,
e via como elas mandavam as músicas para a censura. Num determinado momento, a
censura nem aceitava mais a letra escrita, queriam a gravação, porque na
gravação poderia conter uma segunda intenção. Então eu disse: "Olha, eu
vou fazer uma malandragem. Vou mandar essa música no meio de um bolo que a
Odeon sempre manda." Era um período em que havia muito material para mandar.
Tinha um disco do Agnaldo Timóteo, com aquelas canções derramadas, e outras
coisas românticas. Pedi a um funcionário da casa que enfiasse ‘Pesadelo’ no
meio desses discos. Assim, a música veio liberada. E o MPB-4 a gravou.” Consta que Agnaldo nunca soube desta história – certamente,
se veio a saber, bem deve ter gostado.
(4) Por
sinal, ambos os Agnaldos, junto a Angela Maria, cantaram pela primeira vez em
trio ao vivo no show Vozes em 25 de
julho de 2013 no Teatro Municipal Trianon, na cidade fluminense de Campos; e ainda
nos anos 1960 Timóteo regravou “A Praia”, um dos carros-chefes de Rayol. E
Agnaldo Timóteo era grande torcedor do Botafogo; teria sido homenagem ao time
disfarçada de canção de romantismo agressivo a canção “Bota Fogo”, composta
para ele por Moacyr Franco? Lembremos também que Moacyr teve três de suas
canções gravadas por Timóteo – seu clássico da guarânia “Ainda Ontem Chorei De
Saudade” e duas inéditas, “Saudade De Joelhos” e “Cadê Você, Meu Amor?” – no CD
Agnaldo Timóteo Em Sertanejo (Unimar
Music, 2006).
(5) Wilson
Baptista (1913/1968) é aquele mesmo em que você pensou: grande compositor
fluminense, autor ou co-autor de clássicos da MPB dos anos 1930 a 1960 como
“Acertei No Milhar”, “Mundo De Zinco”, “Oh! Seu Oscar”, “Louco (Ela É O Seu
Mundo)”, “O Bonde São Januário”, “Chico Brito”, “A Mulher Que Eu Gosto”,
“Pedreiro Waldemar”, “Você Já Foi A São Paulo?”, “Cowboy Do Amor”, “Meu Mundo É
Hoje”; foi ele quem deu uma de Lobão para cima de Noel Rosa e armou aquela
polêmica que resultou em “Palpite Infeliz”. No fim da vida Wilson praticamente
só fez sucesso com “Meu Mundo É Hoje”, apesar de tentar fazer boa-vizinhança
com novos gêneros musicais de sucesso com canções como “Garoto Bossa Nova”
(1961) e “Sou Fã Da Jovem Guarda” – por sinal, a jovem guarda como assunto da
MPB é mais um dos aspectos que estudo, inclusive sobre rock brasileiro.
(6) Sobre
a gravadora Caravelle, é menos misteriosa que Borelli Filho e o que sei até o
momento cabe numa nota não muito grande. Ela foi fundada por Renato Gaetani
(nasc. 1930?), que parece ser o mesmo M. P. Gaetani que nos anos 1950 e 1960
assina canções como “Mestra Júlia”, parceria com Rômulo Paes, “Final”, com o
maestro Peruzzi, e “Cinzas”, com Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito. No fim dos anos 1950 ele fundou a gravadora
Consórcio Eletro-Musical, usando a marca de fantasia Caravelle. O selo
Caravelle existiu até 1972, quando foi comprado pela Beverly/Copacabana.
Gaetani era tio de Alvaro Menezes, que, além de integrar a banda Os Selvagens,
era olheiro da Caravelle, tendo inclusive sido ele o incentivador de um jovem
cantor chamado Paulo Sergio, que chegou a se tornar sócio da gravadora e um dos
primeiros artistas brasileiros a produzirem seus próprios discos. A gravadora
lançou ainda discos de artistas como Elizabeth, Marcos Moran, Blow-Up e Fredson
e Jadir de Castro (“Gênio da Batucada”), e ficou na História por ter sido a
primeira casa de Agnaldo Timóteo e Paulo Sérgio.
(7) Agnaldo
Timóteo foi entrevistado pelo jornal O
Pasquim na edição 177, 21-27/11/1972 – e a capa da edição lembra livro de
cordel). A entrevista foi republicada (sem o trecho final, onde o jornal
pergunta e Timóteo responde sobre Wilson Simonal ser ou não delator e o
defende; lembremos que Timóteo foi uma das pessoas que mais ajudaram Simonal
quando este se afundou, inclusive usando sua influência de deputado para lhe conseguir
em 1993 um show-tributo em Natal que chegou a ser considerado o maior evento
musical na cidade até então, e providenciando um carro com motorista para levar
e trazer Simonal, já debilitado pelo álccol, ao evento de lançamento de seu
primeiro CD, a coletânea A Bossa E O
Balanço De Wilson Simonal, em 1994) no livro O Som Do Pasquim, coletânea de entrevistas ilustres, lançado pela
Codecri (editora do Pasquim) em 1976
e reeditado pela Desiderata/Agir em 2009; nesta reedição Timóteo autorizou
republicarem sua entrevista (coisa que Roberto Carlos e Maria Bethânia não
fizeram) mas fez questão de incluir uma retratação, dizendo que seus atraques a
artistas como Chico, Caetano e Milton Nascimento resultaram de “uma análise
ignorante e preconceituosa de décadas atrás”.
(8) Pena
que por volta de 1985 a EMI-Odeon contraiu um vírus comercialóide que a levou a
dilapidar impiedosamente todo seu catálogo em coletâneas, vírus ainda hoje não de
vez erradicado, mesmo com João Gilberto e outros artistas protestando na
Justiça contra tais mutilações.
(9) Sétimo Céu era uma revista de
variedades e fotonovelas, na linha de Capricho
ou Contigo, publicada pela editora
Bloch de 1958 a 2000, quando a editora faliu (ou melhor, conseguiu falir; a
Bloch foi um império de comunicação
entretenimento multimeios que durou bem menos do que seria de se
esperar); no fim dos anos 1960 a revista teve a série Edição Sonora de fascículos sobre grandes astros da música popular
com bons textos, belas fotos e um compacto duplo em cada edição; tivemos
fascículos dedicados a Roberto Carlos, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani,
Agnaldo Timóteo e Paulo Sérgio. E outras revistas da Bloch, como Manchete, Pais & Filhos e Fatos
& Fotos, também tiveram suas belas séries Edição Sonora.
(10) O
LP The Golden Voice From Brazil,
lançado na Inglaterra pela Parlophone em 1967, saiu apenas em mono e com número
de catálogo PMC 7053 (por sinal, é quase certo que tu tenhas por aí pelo menos uma
edição/variação – mono, estéreo, brasileira ou de outro país, ou até em cassete
ou CD – do disco PMC 7027).
(11) Na
Sétimo Céu Timóteo relembrou que estreou
na televisão cantando “House Of The Rising Sun” no programa Rio Hit-Parade “numa terça-feira,
lembro-me bem”; já no Pasquim ele
recordou ter estreado em outro programa de Taumaturgo na TV-Rio, Hoje É Dia De Rock, aos sábados.
(12) Curiosidade:
esta (boa) página jundiaiense se refere aos Animals como “londrinos”, mas eram
de Newcastle.
(13) “Meu
Grito” tem melodia do mesmo tipo de “Green, Green Grass Of Home”, composição de
Claude “Curly” Putman lançada em 1965 por Johnny Darrell mas muito, muito mais
conhecida a partir da gravação do cantor Tom Jones no ano seguinte, lançada
aqui (“Green, Green Gras Of Home” – notem o errinho de digitação no selo) pela mesma Odeon onde Agnaldo Timóteo gravou
a versão, “Verdes Campos De Minha Terra”, que se tornou outro de seus grandes
sucessos, embora lançada como lado-B de outro seu sucesso, “Quem Será?”
(14) Este bordão de Timóteo deu nome a
uma coletânea em LP que é realmente “uma mãe”, com 16 faixas, e em 1995 lançou
(pela Sony Music) um CD cujo título diz tudo, Obrigado, Mãe. E quase podemos dizer que Timóteo “roubou” o bordão “alô,
mamãe!” de Bugu, o famoso amigo exibido do cachorrinho Bidu da Turma da Mônica,
surgido em 1972.
( (15) A atenção do Pasquim a Timóteo passou automaticamente do amor e do respeito pelo
menos à sua pessoa ao achincalhe e ao ódio quando o cantor declarou seu apoio a
Paulo Maluf... Seguem abaixo duas amostras.