"ASSIM SE PASSARAM DEZ ANOS..."
Sim, hoje faz exatamente uma década que inaugurei este espaço com toda a pujança e idealismo de um jovem de 47 anos. Mesmo que eu nem sempre tenha comparecido com a assiduidade que eu gostaria, espero ter ajudado a difundir música e cultura - como pretendo continuar fazendo, com toda a pujança e idealismo de um jovem de 57 anos.
E numa coincidência daquelas que se programadas não dariam certo, ainda ontem uma pessoa amiga e companheira de "mutantologia", Marcus Queiroz, escreveu em seu blog um belo texto a meu respeito:
Ode A Big Mug.
Como Ayrton Mugnaini Jr. consegue por sua cabeça no travesseiro e dormir, sabendo que ele é apenas Ayrton Mugnaini Jr.?
Mal sei, mal sei. Insisto nesta questão até o fim deste relato mal detalhado e sem informações concretas, pois, como pode ser um homem tão versátil, íntegro, sucinto e carregado de um humor ácido e inteligente - cujas pessoas o talvez julguem por meio de ser incoerente, entrão ou qualquer outro adjetivo de mal logradouro. A maioria dos gênios são incompreendidos e/ou subestimados, coisa que acontece também com este homenageado.
Estas pessoas - pobres pessoas, mal conhecem o Professor (Sim, ele também é professor).
Ayrton é uma pessoa única, como qualquer outra pessoa que gosta de música no mundo, que acorda cedo e dorme tarde como qualquer outra pessoa no mundo e que é feliz, como qualquer outra pessoa no mundo. Eu desde cedo conheço ele, sem ter ligado nome a pessoa. Tenho uma biografia do Raul Seixas, herdada do meu pai, que contém seu nome, e quando ouvi pela primeira vez Língua de Trapo aos meus 14 anos, não imaginava sequer que o nome de Ayrton estava envolvido ali, as revistas com matérias épicas e detalhadas de bandas incríveis, resenhas, e links para shows piratas, e gemas "perdidas" de músicas e músicos, teriam seu toque em letras e blogs, e afins. Pensando bem, até você, amigo(a) leitor(a) já deve ter cruzado o caminho do meu amigo Ayrton, mas não deve ter tido noção de que ele era realmente ele.
Além de tudo isso, um bom compositor, letrista, musicista, pesquisador, autor de bons livros, radialista e ainda tem ótimos discos na jogada. Afinal, Como Ayrton consegue por a cabeça no travesseiro sabendo que ele é ele? Como ele se sente sabendo que é tão importante e vital para um pedaço histórico da música, e quiçá de toda uma geração? Seus dados, suas fontes, sua histórias, e todo o resto só podem ser cada vez mais relevantes para quem pesquisa, ou apenas quer conhecer mais e mais sobre o universo.
Dado a última vez que vi Ayrton, pude perceber outra de suas qualidades: Ele simplesmente andou da Móoca até Belém, para poder me encontrar no Tatuapé(!). Um presente que recebi também foi ter seu autógrafo no meu LP recém-adquirido desta figuraça. E assim sendo Ayrton Mugnaini Jr. me mostrou toda a sua humildade, paciência, amizade e carisma (apesar de encharcado pela chuva de ontem).
Talvez este texto acima seja apenas para dar valor para quem é necessário, antes que seja tarde, ou para que não passe em branco. Afinal, pessoas boas existem, e Ayrton faz parte desse seleto time, com todo louvor.
Sim, ficou bonito. Coisas assim fazem os anos valerem a pena. E o texto pode ser lido também no blog do próprio Marcus Queiroz, digno, por sinal, de ser lido inteiro.
METENDO O NARIZ PRA TENTAR FAZER SHOW NO CENTRO GUTURAL
Se quem tem boca vai a Roma, quem tem nariz pode ir até mais longe.
Assim me faz pensar o grande sucesso de cantores e cantoras cujo timbre vocal é
eminentemente anasalado. E este breve “estudo” sobre o assunto que estás começando a ler (e espero que termines) nasceu de
conversas minhas sobre o assunto com três amigas cantoras: Vera Mendes, Tereza
Miguel e Nadja Bandeira.
A idéia de escrever este texto veio de uma imprecação de Nadja sobre sua
pouca simpatia por determinado cantor quase-carnívoro que “pra piorar é fanho”.
Lembrei então a ela que isso não era tanto problema, “Jorge Veiga era mais
fanho ainda, e Chico Buarque é hors-concours”; ela concordou e lembrou um
terceiro de que também sou admirador, Miltinho. A esta conversa juntei informações
que me apareceram em outras pesquisas, como o saudoso jornalista e produtor
Walter Silva descrevendo na Folha de S. Paulo a então novata Maria Alcina como
“uma Maria Bethânia resfriada” e a famosa queixa de um paulista ao ouvir “Chega
De Saudade” com João Gilberto: “Por quê gravam cantores resfriados?”
Realmente, essa pergunta puxa outra: por quê tanta gente canta “pelo
nariz”? Talvez seja porque dá menos trabalho que emitir a voz corretamente pela
boca, ou porque certos idiomas, como o português, o inglês e o francês, têm
muitos sons nasais. Comparem, por exemplo, com o idioma italiano, onde falta o
fonema “ão”, forçando Gianni Morandi a cantar “brasiliano ‘Joáo’ Gilberto” em
seu sucesso “Che Ne Me Faccio Del Latino”. (Mas a relativa ausência de fonemas
nasais no idioma italiano não impediu o sucesso do “cantautore” moderno Eros
Ramazzotti, com timbre anasalado de fazer honra aos citados Jorge Veiga e
Miltinho.)
Certamente, emissão nasal é sinônimo de informalidade, amadorismo, o que
pode ser até um charme – a chamada “Invasão Britânica” dos anos 1960 foi um
triunfo não só hormonal como adenoidal; cantores que cantavam “pela boca”, como
Mick Jagger e Paul McCartney, foram (ou pelo menos podem soar como se tivessem
sido) minoria perto de John Lennon, Peter Noone, Keith Richards, Peter
Townshend, os Bee Gees e Ray Davies. Por sinal, em 1982 o líder dos Kinks deu
uma explicação técnica interessante sobre o assunto para a revista Modern
Recording & Music: “Usamos muitos microfones Neumann. Tenho um monte de
microfones valvulados que comprei da BBC, mas eles vivem explodindo. Eu os uso
para os vocais. Minha voz é muito difícil de ser gravada porque tenho uma
qualidade nasal. Daí que eu uso um microfone valvulado e um Sennheiser para
captar ambas as qualidades, e mixo ambas num canal.”
Falamos de Brasil, da Itália, de britânicos,
e não esqueceremos dos EUA. Muitos e muitas de vocês devem ter se lembrado de –
quem mais? – Bob Dylan. Mas o país já tinha reputação de voz anasalada desde
bem antes, como atesta aquela piada sobre George Washington. Numa excursão de turismo nos EUA, diante de
um retrato de Washington, o guia turístico diz "Dos lábios desse homem
jamais saiu uma mentira!" e alguém comenta: "Devia falar pelo nariz, como todo estadunidense." Além de Dylan, podemos lembrar também os grandes
cantores country Hank Williams e Willie Nelson, Mike Love dos Beach Boys, “cantautori” como Carole King e
James Taylor e, mais para o rock pesado, Axl Rose e Jimi Hendrix – que, como
sabemos, começou a cantar motivado pelo sucesso de Bob Dylan, “se ele pode
fazer tanto sucesso cantando tão fora do tom, eu também posso”.
Hendrix foi bem definindo por minha mãe como “imitador do personagem
Cuém-Cuém de Chico Anysio”. O que nos traz de volta ao Brasil e faz lembrar Juca Chaves (inclusive grande muso de si mesmo com seu "Nasal Sensual"), o emérito Jair Rodrigues e Belchior, que, como Hendrix, tem timbre nasal mais grave e que, para a citada
Vera Mendes, que além de cantora é fonoaudióloga, tem timbre mais gutural – ou
seja, forçando a garganta – que propriamente anasalado; tal observação pode
valer também para a citada Bethânia e Nana Caymmi. Mas ninguém contesta a
sonoridade nasal de duas pessoas profissionais da comunicação que ora
lembrarei, a apresentadora de televisão Marília Gabriela, que também gravou
como cantora, e o jornalista e radialista Leopoldo Rey, meu colega na FM 97 quando
a emissora era de rock e que era o primeiro a se divertir quando nosso grande
amigo Sidnei Lopes, um dos melhore imitadores que já conheci, desandava a
imitar o que o próprio Leopoldo resumia como “eu e minha voz de gripe”. “É
brincadeira?!” Por falar em brincadeira,quem quiser imaginar como Wilson
Simonal – um dos melhores cantores brasileiros de todos os tempos soaria se
pegasse um forte resfriado ou resolvesse imitar Jorge Veiga pode conferir este vídeo de Simoninha.
E para este texto lembrei-me também de uma canção que compus de
brincadeira em parceria com Tereza Miguel, ela a iniciou e eu a desenvolvi junto
com ela; Tereza diz que sua principal inspiração foi uma cantora que não
esqueceríamos de mencionar, Sandy Lima – sim, a filha de Xororó. A gravação está
aqui e a letra segue abaixo. E termino este estudo desejando a todas e todas um
feliz nasal!
CANTOR(A) SEM BOCA
Tereza Miguel
Ayrton Mugnaini Jr.
Eu
sou um cantor sem boca
Eu canto pelo nariz
Eu não preciso de boca
Eu canto pelo nariz
Esta singela canção
Sim, fui eu mesmo que fiz
É minha contestação
Mais fanhoso é quem me diz
Eu
sou um cantor sem boca
Eu canto pelo nariz
Eu não preciso de boca
Eu canto pelo nariz
Este meu canto é chinfrim
Mas é minha força motriz
Sei que quem gosta de mim
Também escuta pelo nariz
Eu sou um cantor sem boca
Eu canto pelo nariz
Eu não preciso de boca
Eu canto pelo nariz
Desculpe meu canto fraco
Não nasci assim porque eu quis
Não gosta, não enche o saco
Vai ouvir disco da Elis!
UM ASSUNTO BASTANTE DATADO
Tenho recebido, ouvido e espiado muitos e muitos discos
brasileiros independentes, e de tudo: samba, choro, música erudita,
caipira/sertanejo, forró, pop, brega, roquinho, rocão e aquela MPB que pode ser
um pouco de tudo isso... enfim, de tudo. Mas percebi em quase todos um detalhe
que me chamou a atenção e me pareceu digno de reparo – mas que provavelmente
ninguém além de mim repara, comenta e muito menos reprova.
Isso mesmo, quase nenhum deles traz a data de lançamento, com
ou sem aquele famoso “ⓟ” (sim, de “publicado” ou “phonogram”/”phonorecord”) e/ou
© (de “copyright”) antes dela.
Imagino que muitas das pessoas
artistas destes discos serão dignas de discografias no futuro (algumas até
já o são). Imaginem vocês agora a trabalheira que terão pessoas pesquisadoras
chatas como eu para descobrirem uma informação que deveria estar no próprio
disco... Um bom exemplo é o belo disco Os Mestres Mulatos da orquestra Sinfonieta dos
Devotos de Nossa Senhora dos Prazeres, dedicada a resgatar os primórdios da
música brasileira; o encarte do CD é detalhadíssimo, mas não informa datas de
gravação ou lançamento; vasculhei o Google e descobri até que a Sinfonieta tem
uma página, muito bem feita mas que esquece de registrar tal informação sobre esse e seus outros
discos; tenho a sorte de conhecer pessoas parentes de integrantes da Sinfonieta,
que me encaminharam ao próprio regente do disco, Marcelo Antunes Martins, que
gentilmente me informou: o CD foi gravado e lançado em 2007. Espero estar dando
alguma ajuda em pesquisas futuras sobre este belo trabalho da Sinfonieta,
inclusive a quem tiver o prazer de descobri-lo daqui a décadas ou mesmo séculos...
Estou ciente de
que em muitos casos a data de lançamento é omitida para que o disco pareça “sempre
novo”... Eu soube de gravadoras que omitem tal informação por ceder a queixas
de lojistas que dizem que “disco velho encalha”. Sei também de artistas que,
embora independentes, sonham em um dia deixar de ser, e relançam o mesmo disco
por vários selos, pois “não é interessante” divulgar que se trata de
relançamento – típica falsa esperteza, pois sempre tem alguma pessoa chata para
descobrir que “ah, esse disco é velho e estão querendo fazer passar por novo”. Sei
que muita gente só se interessa pelo que estiver em primeiro lugar nas paradas,
mas sempre digo que “velho não é antigo” e “nunca é tarde para discos independentes”. Tudo é novidade para quem acaba de descobrir (como, por exemplo, Noel
Rosa, novo para mim em 1970; Robert Johnson, novo para Eric Clapton nos idos de
1964; ou Beethoven, novo para quem começa a respirar), e o que importa é a
qualidade. Óbvio? Justamente por ser óbvio, pouca gente percebe... E muita
gente que “esconde” tal informação nos discos que manda prensar não
deve gostar muito de ser obrigada a creditar neles seu nome completo e o número
de seu CPF para quem quiser ver...
E creditar datas
de lançamento de discos tornou-se costume tão raro que a maioria das fontes de tipos
de letras nem inclui o símbolo “ⓟ”,
que precisei copiar e colar da internet... Por sinal, a frase “disco é cultura”
também sumiu dos CDs independentes, mas esta omissão ainda tem a desculpa de a frase ter sido criada
na época da ditadura militar e de servir para isentar as gravadoras de imposto
de renda por produtos culturais, e disco independente já nasce fora da grande
indústria e portanto é pressuposto como cultural...
Não sei se a omissão de datas de lançamento em
CDs brasileiros é uma “lei não-escrita” como o limite de 14 faixas, cavalo de
batalha de artistas como Ney Matogrosso e o saudoso Johnny Alf e em que
insistirei até que ele deixe totalmente de existir... Enfim, é essa minha suave
bronca-sugestão: ao lado de créditos como “Fulana usa guitarra marca tal”, “cafezinho
servido por Sicrano” e “agradeço a meu cachorro por latir tão bem”, aumentem
ainda mais o charme de suas obras informando o ano de lançamento, ou pelo menos
créditos como “gravado no outono ou primavera do ano tal” (discos europeus
adoram isso). A tão mencionada e lamentada Memória da Música Popular agradece
por isso também!