MAS PARA ACABAR TEU DESENCANTO: 50 ANOS DE “A BANDA”
Em
2016 completam-se 50 anos de lançamento e sucesso de “A Banda”,
clássico da música popular brasileira e a canção que projetou de
vez ao estrelato o compositor Chico Buarque (que já havia começado a aparecer
com sucessos como “Pedro Pedreiro” e a música de Morte E Vida Severina), o “Noel Rosa moderno”, “bonitão dos olhos
verdes” (não falaremos aqui sobre ele ser “esquerda caviar” ou uma de minhas
muitas respostas a quem considera Tom Jobim o melhor compositor brasileiro de
todos os tempos). Pois bem, vamos lembrar um pouco da repercussão e de
curiosidades de “A Banda”.
A
BANDA PASSA PELO MUNDO
Mais
que um clássico instantâneo da música brasileira desde a segunda eliminatória
do II Festival da MPB naquele 28 de setembro, “A Banda” se tornou uma das
canções brasileiras a fazerem mais sucesso mundo afora, com muitas regravações
em diversos países, arranjos e idiomas. Sim, até os anos 1970 a indústria
fonográfica ainda era até que bastante artística. Quando uma canção agradava, recebia
imediatamente muitas regravações em diversos idiomas e arranjos e em vários
países. Afinal, nada mais lógico que uma gravação de sucesso ser lançada por
uma gravadora e as outras também quererem ter parte nos rendimentos; situação
bem diferente de hoje, quando um hit é imediatamente replicado em plataformas
digitais para o mundo inteiro ouvir, o que desestimula outras interpretações... Confiram este recorte da revista Billboard de 4 de fevereiro de 1967: cinco gravações simultâneas de "A Banda" nas paradas da Argentina - realmente, ninguém tinha medo de ganhar dinheiro nem de ser feliz.
As
regravações de “A Banda” de maior sucesso incluem a instrumental de 1967 pelo
trompetista Herb Alpert, a versão em inglês (“Parade”, “desfile”, composta por
Bob Russell – também famoso como autor da letra em inglês de “Aquarela Do
Brasil” e de canções como “He Ain’t Heavy, He’s My Brother”; não confundir com o
Bobby Russell das breguinhas “Honey (I Miss You)” e “Little Green Apples”) gravada
também em 1967 por Astrud Gilberto, a versão em italiano (“La Banda”, de Antonio
Amurri) cantada no mesmo ano por Mina, e a regravação da cantora portuguesa
Simone (que mais tarde, talvez para evitar confusão com nossa “baiana do
sótaque éxagérado”, passou a ser citada como Simone de Oliveira). Lembraremos
aqui gravações mais raras. A “versione” de Mina foi gravada também por Anna
Carucci, e a de Astrud idem Sue Raney (que descobri em minha pesquisa sobre a
canção “Till There Was You” para este blogue).
Na
França tivemos a cantora Dalida (“La Banda”, versão de Daniel Faure), versão
esta representada aqui por Los Machucambos, grupo formado na França por pessoal
da Espanha e América Latina, em gravação de 1969. Da Espanha podemos lembrar o
registro de Digno Garcia y Sus Carios lançado em 1968 sem crédito de
versionista. A Holanda nos deu pelo menos duas versões em títulos criativos: o cantor
Han Grevelt com “Fanfare” (versão de Lennaert Nijgh) em 1968 e a cantora Ewa
Roos entoando “Karnevalen” (versão de Stig Anderson; numa primeira vista até achei
que poderia ser versão de "Sonho De Um Carnaval” – e, sim, Stig Anderson é o
famoso e saudoso empresário do ABBA). A Finlândia não ficou de fora graças à
cantora Kristina Hautala, que em 1967 gravou “En Katso Naamion Taa” (versão de
Pertii Reponen; antes que alguém pergunte que “katso” é esse, responderei: significa
algo como “não quero ver para além da máscara“).
Dois
países campeões de bandas de música não poderiam faltar: Inglaterra e Alemanha.
Da velha Albion temos o percussionista e band-leader Chico Arnez, que foi um Roberto
Inglez dos anos 1960 e 1970: maestro latino radicado na Inglaterra usando
ritmos latinos e, no caso dele, também soul. Ele costuma ser mais lembrado por
uma versão funk de “Whole Lotta Love” (sim, aquela do Willie Dixon); e em 1969 ele
transformou “A Banda” na trocadilhesca ”Hippy Parade” (sem crédito de
versionismo e com o nome de Chico dividido como se fossem dois autores).
E da Alemanha lembrarmos Curd Borkmann, em versão de Fred Conta
mas com título em português mesmo, gravação de 1967, e, dois anos depois, o
“grupo fantasma” de estúdio The Red Castle Orchestra, no LP Dancing International do pequeno selo
alemão Play; a gravação é instrumental com um solo de trompete na linha do
arranjo de Herb Alpert, e o disco tem dois erros: “A Banda” consta como estar em
ritmo de “fox” – na verdade ritmo meio cubano, meio caribenho semelhante ao
utilizado mais tarde na introdução de “Co-Co” da banda inglesa The Sweet, e a
autoria está creditada a “Barque”. Uma curiosidade adicional sobre este LP é
que, embora não seja de rock, iê-iê-iê ou”beat”, o disco pode dar a impressão de
ser tudo isso pela capa, uma versão mais produzida daqueles LPs de iê-iê-iê das
nossas gravadoras NCV ou Palladium. Até a tosqueira alemã é mais bem feita que o capricho de boa parte do resto do mundo...
A
BANDA POR ESTAS BANDAS
“A
Banda” foi lançada por Nara Leão, mas a primeira escolha de Chico haviam sido Os
Cariocas, que recusaram – mas se redimiram rapidinho ao incluir a canção como
faixa de abertura de seu LP Passaporte,
de 1966. E fãs de quartetos vocais podem desfrutar também de gravações como as
do Quarteto 004 (ainda em 1966 – e o arranjo parece bem mais recente!) e do Quarteto em Cy (no ano seguinte, e nada menos que duas vezes em dois álbuns diferentes: o LP sem título de 1967 e The Girls From Bahia, lançado nos EUA no ano seguinte - esta última em arranjo diferente e com direito a um trecho em inglês).
Outras
pessoas consagradas brasileiras que regravaram “A Banda” incluem os Demônios da
Garoa e o palhaço-cantor Carequinha. A gravação dos Demônios saiu em 1966 num
compacto e num LP de carnaval da RCA, e mereceria entrar de bônus na reedição
em CD do único álbum do grupo nessa gravadora (Eu Vou Pro Samba). E o sempre atento e ativo Carequinha também fez
sua gravação em 1966, lançada em compacto, um LP de carnaval (Carnaval Barra Limpa, Volume 1); a
faixa foi lançada também em Moçambique, e aí está a capa do compacto. Tá certo
ou não tá?
E
temos duas orquestras misteriosas.Uma é a Orquestra Imperial, do selo do mesmo
nome, no volume 7 da série Isto É Parada
De Sucessos, lançado em 1966. Falámos em “covers” fantasmas; pois bem, alguém
conhece a orquestra Titulares Do Sucesso (não confundir com o grupo vocal
Titulares do Ritmo)? Gravaram “A Banda” em 1967 para a caixa de LPs Viva A Música da Abril Cultural, com arranjo
do maestro Portinho. São dois discos recomendáveis para quem gosta de
orquestrações elaboradas e bem feitas, e também são “easy listening” no melhor
sentido. Detalhe: em ambos estes LPs um lado começa com “A Banda” e o outro com
“Disparada” (o outro megasucesso do festival de 1966 e que logo voltará à conversa).
“A
Banda” demonstra também a perene e extrema popularidade da música de bandas
militares, de muita importância para a música popular (basta lembrar as
“jazz-bands” e o disco Sgt. Pepper’s
dos Beatles), inclusive a brasileira, por suas vantagens de arranjos
elaborados, volume sonoro e mobilidade (sim, tudo tem seu lado bom, até o
Exército); basta lembrarmos as bandas das gravações lançadas por Thomas Edison e
sua licenciada brasileira, a Casa Edison. É claro que não poderíamos deixar de
incluir “A Banda” interpretada por uma banda – sim, banda no sentido
tradicional, não o sinônimo meio equivocado para “combo” ou “conjunto de rock”
(“banda” é conjunto com mais de um(a) integrante tocando o mesmo instrumento) –
, e aqui temos a Banda de Música da Polícia Militar do Estado do Paraná. Sim,
“A Banda” foi gravada também por pelo menos uma banda, e das boas. Por sinal,
esta gravação ficou de fora do LP (sem título) que esta agremiação paranaense
gravou para a RCA em 1968, e foi descoberta quando a gravadora Revivendo lançou
uma bela coletânea em CD (intitulada A Banda)
em 1996.
“A
BANDA” E O NOVO CHICO
“A
Banda” é a primeira faixa do primeiro LP de Chico Buarque. E tudo o que ele
gravou na antiga RGE – quatro LPs e alguns compactos – caberia num belo álbum
de dois CDs. Estes compactos incluem, veja só, uma versão de “A Banda”
diferente da que abre o primeiro LP, e mais a caráter, com acompanhamento de
bandinha, lançada no compacto-duplo abaixo. Chico tem ainda outra gravação
diferente de “A Banda” editada em disco: ao vivo em pleno Festival de 1966, no
LP Viva O Festival Da Música Popular
Brasileira da gravadora Rozenblit.
Houve
controvérsias quanto à autoria de "A Banda": de que seria de um holandês chamado Hollanda
(rendeu até matéria na revista Intervalo cujo final é um trocadilho com o
sobrenome do artista. “a música é de Chico Buarque do Brasil”) e, mais recentemente, que Chico a
teria adquirido de um compositor legitimamente interiorano... E imaginem Chico
Buarque, também um bom exemplo de timidez, apresentando um programa de
televisão. Pois aconteceu duas vezes (sim, a segunda foi Chico & Caetano
nos anos 1980). “A Banda” fez tanto sucesso que em 1967 a TV Record produziu o
programa Pra Ver A Banda Passar,
apresentado por ele e Nara Leão (primeira pessoa,como já lembramos, a gravar “A
Banda”), mas este programa durou pouco – ficou claro que os muitos talentos da
dupla não incluíam apresentar programa de televisão.
A
BANDA EM DISPARADA
“A
Banda”, como sabemos, acabou, por insistência de Chico, dividindo o primeiro
lugar no festival de 1966 com “Disparada” de Geraldo Vandré e Theo de Barros. E
ambas mereceram dividir tal prêmio, tamanho o sucesso que fizeram. Bota tamanho
nisso: ambas foram até gravadas juntas num mesmo disco por diversos artistas,
como o cantor Wilson Simonal, a cantora folclórica Ely Camargo e o trio vocal
Los Tres Latinos (estes dois últimos discos no mesmo suplemento da mesma gravadora).
Foi
quase como se as duas canções fossem uma só – e, num certo sentido, até eram
mesmo! Segundo me lembrou Telé Cardim (sim, a megatorcedora dos festivais dos
anos 1960), o público mais atento descobriu que o começo da letra de “A Banda” se
encaixava na melodia de “Disparada” e vice-versa...
SALTANDO
DE BANDA
Por
falar em encaixar a letra de “A Banda” em outras melodias, em 1967 o
“cantautore” de iê-íê-iê Roberto Rei compôs uma canção de protesto citando “A
Banda” e outra marcha-rancho-pop de sucesso, "A Praça" de Carlos Imperial, num iê-iê-iê cujo título diz tudo, “A Bomba Está
Para Explodir Na Praça Enquanto A Banda Passa”. Esta canção foi regravada em
espanhol por Billy Bond em 1968, bem antes de ele se mudar da Argentina para o
Brasil, “La Bomba Está Por Explotar En La Plaza En Cuanto La Banda Pase”.
Sim, “A Praça”,
ao lado de “Alegria, Alegria” de Caetano, estabeleceu o ritmo da marcha-rancho como
um bom “crossover” entre as aparentemente antagônicas jovem guarda e MPB; outros
exemplos são “O Ciúme” de Deny e Dino e a nonsense “A Matinê” do grupo Os Caçulas,
e uma que vem totalmente ao caso é “Depois Que A Banda Passou”, de Luiz Reis,
gravada em 1967 pela saudosa Meire Pavão.
Em
1970 o próprio Chico citou “A Banda” (e outras de suas canções) em sua ferina
“Agora, Falando Sério”: “Dou um chute no lirismo/Um ‘pega’ no cachorro/E um
tiro no sabiá/Dou um fora no violino/Faço a mala e corro/Pra não ver banda
passar...” E, para terminar por ora, lembrarei duas paródias sofridas por “A
Banda”. Uma foi feita por este que vos tecla durante a tentativa de cursar
Engenharia na cidade de Lins, feita em parceria com o colega Alberto Jasinkevicius
e publicada no jornalzinho da faculdade (paródias e matérias foram a melhor
coisa que fiz na Engenharia) ; o tema foi a Inter-Eng (competição esportiva
entre faculdades de Engenharia) de 1977. O símbolo da Escola de Engenharia de
Lins era Peninha, o primo do Pato Donald; o refrão dizia “Estava à toa na
escola/O Peninha chamou/pra ver a EEL ganhar/na Inter-Eng com louvor”, e incluí
versos como “então o DOPS que vivia escondido surgiu”... Para bagunçar mais o coreto, lembrarei outra paródia de “A
Banda”, que ouvi em 1970 ou 1971 numa de minhas férias em São Vicente, e que também
desafiou a censura. O título era “A Bunda”, e os dois únicos versos de que me
lembro são “a moça feia debruçou na janela/pensando que a bunda olhada era a
dela...”
(Ah, sim: as gravações mais raras mencionadas podem ser ouvidas aqui.)