Monday, September 23, 2019

DISNEY E A MÚSICA BRASILEIRA - "O PÉ DE ANJO"

Minha pesquisa sobre a relação Disney-música brasileira vai se tornando cada vez mais profunda e interessante, não só pelas descobertas sobre o tema em si (e em todas as outras notas, inclusive as mais amadas por Tio Patinhas), mas também por detalhes que tornam o todo ainda mais profundo e interessante. Confirmei que as melhores historias da Disney são tão boas como entretenimento quanto as melhores do grande Asterix e quase tão boas como cultura e informação; no caso da Disney, ocasionais errinhos não atrapalham a diversão e até convidam a pesquisa para os corrigirmos. Um exemplo que descobri é este quadrinho da versão brasileira de uma história do Tio Patinhas criada por Carl Barks (City Of Golden Roofs, lançada em 1957 e publicada no Brasil como A Cidade Dos Telhados De Ouro na revista O Pato Donald em outubro de 1958, tendo sua primeira reprise no Almanaque Tio Patinhas de agosto de 1968):

 

Sim, houve uma Feira Mundial no ano de 1904, um dos grandes eventos reunindo grandes descobertas de todo o mundo - inclusive aquela terra distante e misteriosa chamada Brasil - como resultado do avanço da ciência, principalmente a descoberta e uso da eletricidade, e da tecnologia, com mil exemplos como o automóvel, a locomotiva, o cinema, a gravação de som e a produção em massa, eventos estes repletos de atrativos para cientistas e pessoas leigas em busca de diversão e deslumbramento. Tais eventos, chamados "exposições universais", surgiram na metade do século 19 e foram bem resumidas em livros como Exposições Universais - Espetáculos Da Modernidade Do Século 19 de Sandra Jatahy Pesavento (editora Hucitec, 1997 - e meu exemplar deste livro foi um belo presente de Martha Zimbarg, minha rainha artista disneyana). Sobre este evento de 1904 mencionado por Tio Patinhas, temos este artigo da Wikipédia em português e este outro em inglês.

E um errinho curioso (embora alcançando o intento cômico de mostrar Tio Patinhas como capitalista antiquado, apesar do vigor e jogo de cintura para se atualizar) é o pato mais rico do mundo dizer que vendeu discos do "Pé De Anjo" em 1904, pois essa composição de Sinhô, um dos primeiros grandes compositores da música popular brasileira moderna, foi lançada bem depois, em 1919 (há cem anos!) no primeiro disco do grande cantor Francisco Alves. Sei que não fui a única pessoa a ler pela primeira vez sobre este clássico da MPB neste gibi de Tio Patinhas - nem tampouco a única pessoa a ouvi-lo pela primeira vez (e com a informação da data correta!) graças à mesma editora Abril, no fascículo sobre Sinhô da coleção História da Música Popular Brasileira, lançado em 1971, com nova edição revisada em 1977.

Tuesday, September 17, 2019

DISNEY E A MUSICA BRASILEIRA - BRANCA DE NEVE E AS MIL VERSÕES

Este breve, modesto e nada maçante estudo sobre a presença no Brasil da versão Disney da história de Branca de Neve é uma pequena amostra de um trabalho em andamento sobre uma de minhas novas obsessões: a relação entre a Disney e a música brasileira, tema que já rendeu dois belos programas na Rádio Matraca em 2018.
"Jamais será criada outra obra igual a esta!" Hipérboles à parte, este desenho não perdeu nem um dia de seu fascínio desde a estreia até hoje. Walt Disney sabia muito bem que produto comercial não é sinônimo de coisa apelativa ou mal feita; pelo contrário, quanto mais bem feito, mais público terá. A Disney nem ligou para quem resumiu o trabalho de três anos e a despesa de um milhão e meio de dólares (um bom dinheiro ainda hoje, no fim dos anos 2010, imaginem nos anos 1930) em BDNEO7A (como doravante abreviaremos, excepto em citações textuais) como “loucura”; só a primeira temporada mundial do filme rendeu oito milhões de dólares, e hoje ele é uma das maiores bilheterias de todos os tempos nos EUA. E o perfeccionismo e a visão larga de Walt Disney criaram ainda mais um precedente, conforme ele mesmo anunciou logo após a estreia (e sucesso inicial) de BDNEO7A nos EUA e Inglaterra: “Branca De Neve E Os Sete Anões será apresentado, em cada país, no idioma nacional. E, possivelmente, esses mesmos países se encarregarão de encontrar vozes que se adaptem aos caracteres por nós criados, isto naturalmente sob a orientação de um meu agente. Estou certo de que assim o sucesso de Branca De Neve será muito maior, sendo um filme para pessoas adultas e crianças, estas últimas compreenderão facilmente a história, pelo seu diálogo.” Sem patriotada, este “possivelmente” era moleza em se tratando de Brasil: ainda em 1938 o compositor e produtor João de Barro, o Braguinha, dirigiu a dublagem brasileira de BDNEO7A incluindo vozes de grandes astros da MPB como Dalva de Oliveira (Branca de Neve cantando), Maria Clara Jácome (Branca de Neve falando), Carlos Galhardo (Príncipe), Túlio Lemos (caçador), Cordélia Ferreira (Rainha), Estephania Louro (Bruxa), o grande cantor e pesquisador musical Almirante (em dois papéis, Espelho Mágico e o anão Mestre), Delorges Caminha (Feliz), Aristóteles Penna (Zangado), Edmundo Maia (Atchim) e o humorista Baptista Jr. (vozes de dois anões, Soneca e Dengoso). O excelente resultado foi tão elogiado por Walt Disney em pessoa que ele não demorou a visitar com frequência o Brasil e produzir filmes e desenhos (Saludos, Amigos!/Alô, Amigos!, 1940; Aquarela do Brasil, 1942; Por Terras Da América, 1943; The Three Caballeros/Você Já Foi À Bahia?, 1944, e outros) com temática brasileira – e com direito a criação de um personagem bem brasileiro, o emérito sambista e malandrinho Zé Carioca.



BDNEO7A foi o primeiro filme a ter disco de sua trilha sonora, um álbum de três discos 78 RPM, lançado pela RCA estadunidense. Pois bem, ainda em 1937/8 saíram no Brasil discos com gravações da trilha sonora original cantada em inglês, embora os personagens constem nos selos com seus nomes em português; mas não demorou muito para a versão brasileira chegar ao disco. João de Barro, autor e coordenador da adaptação brasileira, era diretor da gravadora Continental, e em 1945 coube a ela a honra e prazer de lançar uma versão resumida desta adaptação, num álbum duplo de dois discos 78 RPM de doze polegadas – primeiro disco brasileiro, infanto-juvenil ou não, com capa especial, não capa genérica de gravadora ou loja nem simplesmente em branco. 

Braguinha conseguiu reunir quase todo o mesmo elenco da dublagem do filme: além de Dalva de Oliveira, Carlos Galhardo e Almirante, ouve-se Arnaldo Amaral (caçador), Sarah Nobre (Rainha), Antônio Nobre, Brandão Filho, Duarte de Morais e Abelardo Santos (anões) e narração de Olga Nobre. Um participante deste disco brasílico de Branca De Neve não foi creditado mas iria em breve se tornar ilustre – e provavelmente grande pioneiro. Trata-se do cantor Pery Ribeiro (1937/2012), filho de Dalva de Oliveira, e que fez a voz do anão Dengoso. O estúdio não tinha ar condicionado e o calor foi demais para o pequeno Pery, que acabou imitando o indígena que lhe deu o nome: “Fui ficando agoniado com o calor; aos poucos fui pedindo para tirar a roupa. Tira uma peça, tira outra... acabei cantando completamente nu, sob os olhares invejosos dos adultos presentes no estúdio.” Isso mesmo, a cantora baiana Simone não foi a primeira pessoa no Brasil a gravar discos como veio ao mundo no estúdio. (E, ao contrário do que pensa muita gente boa, Pery não cantou na primeira dublagem do filme, pois ainda não tinha idade para tanto.)

Seguiram-se outros discos de 78 RPM produzidos por João de Barro com trilhas brasileiras da Disney, numa coleção chamada Discos Infantis Continental, que foi a origem da famosa coleção Disquinho, lançada em 1960 e famosa por seus vinis coloridos. E quase todas as gravações dos anos 1940 ficaram tão boas que são as mesmas que se ouve em alguns volumes da coleção Disquinho, inclusive relançadas em CD nos anos 1990 (na coleção Era Uma Vez... da gravadora Warner, que havia adquirido a Continental) e 2000 (a série Disquinho promovida a CDs com as capas originais dos compactos).

“Someday My Prince Will Come”, composta por Larry Morey e Frank Churchill, tornou-se um clássico da canção pop e virou até standard de jazz, interpretado por feras como Miles Davis e Bill Evans. Uma curiosidade é que na primeira versão em disco da dublagem brasileira, de 1945, esta canção aparece apenas como música incidental instrumental e num trecho cantado à capela por Dalva de Oliveira, que fazia o papel de Branca de Neve. Teria sido por alguma questão de direito autoral? E em 1954 a versão Disney de BDNEO7A ganhou nova interpretação brasileira, em outra gravadora, a RCA Victor, e com outro elenco, trazendo Branca de Neve interpretada por nada menos de duas pessoas: a cantora Heleninha Costa (1924/2005) e a atriz Daise Lucidi (1929/2020). Nesta nova gravação a canção “Someday My Prince Will Come” aparece na íntegra. (Esta versão foi lançada num álbum duplo de discos 78 RPM de doze polegadas, promovida a LP em 1957, junto à adaptação disneyana de Peter Pan.)



Edição original do LP de 1957 e uma reedição de c. 1970.


Sim, a primeira capa deste LP de nossa RCA reproduz a capa da primeira edição estadunidense em compactos, de 1949.



Este disco brasileiro de BDNEO7A da RCA (junto a outra adaptação da Disney, Peter Pan) mereceu belos anúncios como este na tão saudosa quanto indispensável Revista do Long-Playing.

Idem a estreia da pioneira gravação da Continental em compacto, no caso um álbum duplo de compactos (sim, à la Magical Mystery Tour, ou vice-versa) em 45 RPM, na edição de novembro-dezembro de 1959.


Em meados de 1960 foi a vez de esta gravação da Continental virar LP.




Por falar em Dalva, Daise e Heleninha, em termos de versões brasileiras deste clássico disneyano em discos já temos quase mais Brancas De Neves que anões, com pelo menos quatro adaptações lançadas em diversos formatos (78 RPM, LP, compacto, fita cassete e CD): a da gravadora Continental (1945, reeditada inclusive em compacto da série Disquinho em 1959 e LP da série Discão em 1965, e que pode ser ouvida aqui), RCA (1957; podes ouvi-la aqui), a dos compactos com fascículos da editora Abril (1970, aqui) e uma comemorativa dos 50 anos do filme (1987, esta está aqui). Os repertórios de canções diferem para cada versão, a única constante em todas sendo “Eu Vou” (sim, “pra casa agora eu vou” ou, conforme a gravação, “eu vou, eu vou” - canção tão marcante que até inspirou parte da melodia de um jingle igualmente marcante, "Dezembro Vem O Natal" das Pernambucanas; compare "que em todos os lares a paz seja total" com "eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou"... Se bem que ambas se parecem com a canção natalina muito mais antiga "We Wish You A Merry Christmas"...).

Em 1970 foi feita nova adaptação para a coleção de discos-e-fasciculos Estorinhas De Walt Disney da Editora Abril, incluindo participação não creditada do grupo vocal MPB-4.





Em 1944 o desenho BDNEO7A foi mundialmente relançado ("com novos coloridos, não é uma reprise, mas uma reedição", conforme anunciado na época em publicações como Cine-Revista), mas a trilha sonora permaneceu a mesma; 21 anos depois, Disney pediu nova dublagem, e no Brasil ela incluiu jovens talentos como o Cybele, do grupo vocal Quarteto em Cy, com novas versões para as letras pelo velho amigo Aloysio de Oliveira. Esta dublagem de 1965 é a que se ouve nos relançamentos em cinemas, VHS e DVDs; a dublagem original de 1938, infelizmente, perdeu-se, com as copias originais gastas pelo uso e as matrizes desaparecidas, pelo menos até o momento destas linhas.

Há outra ilustre versão brasileira do conto de Branca de Neve, gravada nos anos 1950 no selo Carroussell (a princípio num álbum duplo de compactos em 78 RPM) com texto de Geny Marcondes, narração de Henrique Lobo e música do grande Claudio Santoro, porém relançada mais recentemente com capas inspiradas na versão Disney do conto.






Sem falar nas versões toscas que procuram imitar a Disney de forma ainda mais tosca, tais como as duas abaixo. Pois é, quem quer ganhar a vida sem vender maçãs envenenadas com ou sem agrotóxicos se vira como pode...



Clássico instantâneo do cinema, a versão Disney do conto de Branca de Neve tornou-se a mais popular de todas e marcou presença também instantânea no imaginário popular. Já lembramos de John Lennon, nascido três anos depois da estreia do filme, usando a frase “do you want to know a secret?/promise not to tell?” em uma das primeiras canções dos Beatles, para citarmos apenas um exemplo internacional. No Brasil não foi diferente, só para ficarmos na música e na malícia, com ou sem maldade, tipicamente brasileiras. Dalva de Oliveira, primeira voz brasileira de Branca de Neve e que logo se tornaria integrante do grupo vocal Trio de Ouro ao lado de seu marido, o cantor e compositor Herivelto Martins (pai do citado Pery Ribeiro e cuja dupla vocal Preto e Branco logo se formaria o Trio de Ouro ao incluir Dalva), não demorou a aproveitar o brasileiríssimo Carnaval com uma marchinha objetivamente intitulada “Branca de Neve”, de Herivelto em parceria com Benedicto Lacerda e lançada em 1939:

(falado)
- Quem é você?
- Eu sou a Branca de Neve, e você (ri), você é o Dengoso!
- Ah, deixa!
(cantado)
Oh, minha Branca de Neve
Eu hei de ser o teu anão, anão, anão
E se tu fores da mesma opinião
Te darei um castelo
Dentro do meu coração
E mais tarde, princesinha,
Pra evitar complicações
Eu pedirei a uma cegonha
Que me venha trazendo os sete anões


Consta (ainda não localizei gravação nem mais informações) que no mesmo ano de 1939 Benedicto Lacerda compôs ainda outra canção sobre o tema, a mais maliciosa “Os Sete Anões”, parceria com o jornalista Angelo Delatre, co-autor de clássicos da musica brasileira como “Na Aldeia” e “Tudo Em P”:

O que você diz não se escreve
Porque traz complicações
Você não é Branca de Neve
E quer mais de sete anões!

Décadas passam e Branca de Neve continua inspirando gravações nem sempre inocentes. Um exemplo é “Branca De Neve”, lançada em 2013 pela dupla brasiliense de rap Tribo da Periferia. Confiram trechos da letra:

Era uma vez Branca de Neve linda como sempre
Na frente do papai finge que é inocente
(...)
Espelho, espelho meu, entre erros e acertos
Entenda essa situação pra sentir os efeitos
Aqui, conto de fadas, não existe a maçã
Hoje tem pó dos loucos pra virar até de manhã
A princesa escolheu esquecer do seu passado
Trocou sua coroa por Taurus reforçado
(...)
Enquanto os anãozinhos estão vindo com maldade
Que o bagulho trinca de rolê pela cidade
(...)
Faz a cabeça pra fugir da realidade
Coração vingativo e cheio de maldade
Sete desejos que ela se fascina
Sete lombras curtidas somado com cocaína
Sete no pente para garantir a proteção

Se vacilar é só mais sete dentro do caixão

Menos pesada e igualmente maliciosa é “Parará Tibum”, de 2015, onde a cantora Tati Zaqui (nasc. 1994) mistura um tema da versão Disney de Branca de Neve com uma antiga marchinha carnavalesca (“Parará-Tchim-Bum”, composição de Edaor e Castrinho, lançada pelo palhaço Chicharrão e grande sucesso no Carnaval de 1962) que virou comercial de achocolatado. Zaqui sentiu necessidade de parodiar uma canção a mais conhecida possível para chamar atenção e fazer sucesso; a premiada foi a marcha dos Sete Anões, e Zaqui não teve duvida em alterar “pra casa agora eu vou” para “sentar agora eu vou”. No fim a canção foi proibida, e não por censura à intenção "risqué", mas por Zaqui ter utilizado o tema da Disney sem ter pedido autorização à editora...

(Vale consultar também o belo blogue brasileiro A Memoria da Dublagem, cujo titulo direto e objetivo não precisa ser dublado, e o estrangeiro Filmic Light, total e dedicadamente especializado em tudo que se refira a Branca de Neve, da Disney ou não.)

Friday, September 06, 2019

ETERNAS ONDAS TROPICAIS E MUSICAIS: LEMBRANDO SONIA ABREU (1951/2019)

Mais uma dívida que contraí e não pude pagar. Tenho em duplicata um disco onde participa Sônia Abreu, e há poucos anos eu havia prometido a ela que lhe presentearia com um dos exemplares - mas isso tornou-se impossível em 26 de agosto, quando Sônia sucumbiu a uma fadiga respiratória, consequência final de uma esclerose lateral amiotrófica, a poucos meses dos 69 anos que completaria em 23 de dezembro. Ficam as boas lembranças e a obra de uma pessoa pioneira, eclética, bem-humorada e batalhadora. Não contente em ter sido pioneira feminina num ramo "só para homens", primeira mulher no Brasil a trabalhar - e muito bem - como DJ, Sônia Abreu sempre divulgou a música de que gostava, independente de modas (afinal, DJ que se preza dita modas e não as segue), e também atuou em várias outras formas de comunicação: escreveu em publicações como a revista Pop, foi locutora e programadora de rádio, produziu LPs coletâneas de sucessos e novidades do momento, teve emissora ambulante em perua Kombi e até em barcos e, de quebra, gravou alguns discos como cantora (especialmente um belo CD com sua Banda do Quarto Mundo - por sinal, conheci-a pessoalmente em 1981, num ensaio da banda Verminose, futuro Magazine, e ela me disse que gostaria de formar uma dupla no estilo de Leno & Lilian com Kid Vinil). E nunca sofreu de modismos nem saudosismos: discotecava usando tanto vinil quanto pen-drive, e a doença não a impediu de fazer suas últimas discotecagens em cadeira de rodas.


A trajetória de Sônia Abreu foi bem resumida na biografia Ondas Tropicais, escrita por Claudia Assef e Alexandre de Melo e lançada pela editora Matrix em 2017. Devorei o livro prazerosamente e encontrei apenas dois errinhos de datas: Sônia Abreu entrou para a rádio Excelsior AM em 1974 e não em 1969, e provavelmente foi a primeira pessoa no Brasil a irradiar "Bohemian Rhapsody" do Queen em 1975 e não 1973. O livro reproduz algumas matérias de e sobre Sônia, e uma das poucas faltantes foi esta, publicada no Jornal da Tarde em 1 de dezembro de 1989 (clica na imagem para ler a matéria, inclusive o nome de seu autor).


Lembrei-me de algumas curiosidades discográficas sobre Sônia Abreu. Uma das muitas coletâneas que ela produziu é Som Mágico Padrão 670 (sim, 670 era a sintonia da Excelsior AM na época) para a gravadora Som Livre em 1974. Uma das faixas, o simpático bubblegum "Tout, Tout, Tout" cantado pela cantora Tiffanie (e composto por seu maridão Leo Carrier), tanto agradou a Sônia que ela escreveu (em parceria com a cantora Maria Amélia Costa Manso) uma versão em português, "Vamos Passear", lançada pela cantora Sueli ainda em 1974.


Temos ainda pelo menos mais uma versão de canção estrangeira feita por Sônia em parceria com Maria Amélia Costa Manso: "Triste Ilusão", originalmente "Rosalie", lançada por seu autor, o cantor canadense de origem inglesa Michael Tarry em 1973; a versão foi gravada pelo cantor Roberto Barradas em compacto simples em 1974 e em seu LP (sem titulo) no ano seguinte.





Outra curiosidade é, até onde sei, ter Sônia aparecido em capa de vinil apenas uma vez, e justamente onde ela não participa como cantora: o primeiro volume da série de coletâneas Tá Tudo Aqui, lançada em 1974. Esta foto foi reproduzida na contracapa do livro Ondas Tropicais.


Mas Sônia está no encarte do CD que gravou com a Banda do Quarto Mundo em 1992.






Sônia Abreu foi também uma das pessoas pioneiras do "cover fantasma" brasileiro. Seu primeiro disco, salvo engano meu, foi como integrante da banda The Happiness, que estreou em 1966 com uma regravação de "See You In September", o famoso bolero-rock da banda The Tempos que ficou ainda mais famoso no arranjo motownesco do grupo The Happenings. Sim, qualquer semelhança entre os nomes da banda estadunidense e da paulistana é mais que mera coincidência. A gravadora Mocambo, lançadora no Brasil da gravação dos Happenings, percebeu que muita gente boa ia às lojas de discos procurar um disco e saía com outro, e cutucou gentilmente a RCA, lançadora do disco do Happiness; tudo acabou em paz, com o nome da banda mudado para The Mustangs e o disco relançado de acordo.



Esta novelinha virou notícia na edição da saudosa revista São Paulo Na TV de 17 a 23 de abril de 1967, reproduzida logo abaixo (clica na imagem para ler). Até prova em contrário, esta é a primeira menção da imprensa às pessoas integrantes do Happiness/Mustangs (e quase todas integrantes da futura banda Sunday) : o vocalista Hélio Eduardo Costa Manso, o contrabaixista Paulo Afonso Lello Sampaio, o baterista João Rodrigues da Cunha Neto, os guitarristas Antonio Carlos da Gama e Silva "Gaminha" e Luiz Marcelo Caggiano e nossa amiga cantora (a quem eu sempre chamava de "Sônia Maria" por causa desta matéria). Consegui os nomes completos dos Mustangs no belo livro Hits Brasil: Sucessos "Estrangeiros" Made In Brazil de Fernando Carneiro de Campos (lançado em 2012); curiosamente, neste livro Sônia Abreu não aparece como integrante dos Happiness/Mustangs, nele sendo mencionada apenas mais tarde apenas como amiga de infância de Hélio - sim, depois marido de Vivian Costa Manso e seu companheiro no grupo Sunday (além de irmão da cantora Maria Amélia mencionada mais acima, também integrante do Sunday). E a loja de discos da Rua Augusta citada nesta matéria é a hoje lendária Eletroarte, cujo proprietário, Toninho Paladino, foi também produtor de discos, inclusive o primeiro dos Mustangs, tendo ainda sugerido o nome The Happiness. 


O grupo The Mustangs gravaram ainda três compactos (e uma faixa lançada apenas numa coletânea, "Hello I Love You" dos Doors) para a RCA de 1967 a 1969. Dois destes compactos são interessantes e curiosos também como demonstração de que a RCA talvez tenha sido a mais globalizadora das gravadoras multinacionais, muitas vezes replicando sucessos estrangeiros que lançava num país com pelo menos uma regravação local; seguem abaixo os selos dos originais e das regravações mustanguianas.




Terminarei pelo começo, falando do disco de que tenho dois exemplares, dos quais prometi um a Sônia. Trata-se de um cover fantasma de "Funny Funny", hit da banda inglesa The Sweet e replicado por Sônia acompanhada pelo grupo Os Carbonos (segundo ela própria me informou quando a conheci) e creditada a The Sweet Set; muita gente, inclusive eu, conheceu esta gravação na coletânea USA Click..., lançada pela Beverly/Copacabana (a mesma dona deste selo Kool) em 1971.

E há alguns anos fui encontrado por este outro disco de "cover fantasma" (do ano seguinte, 1972) creditado a The Sweet Set, e numa de nossas últimas conversas Sônia me esclareceu que não participa deste, embora seja regravação de outro sucesso da banda The Sweet. (Notem que este compacto duplo inclui hits das bandas Badfinger, Giorgio/Chicory Tip e Sonny & Cher creditados a Beatfinger, George Tip e Monica & Oscar...) 

Agradecimentos finais à Rádio Gazeta e à Biblioteca da ECA por algumas imagens que eu havia retido na memória mas não nos arquivos. E nossa amiga "Soniaplasta" continua presente!