Saturday, June 03, 2017

CINQUENTA DO PIMENTA: MEIO SÉCULO DE SGT. PEPPER

É DA BANDA DA BANDA DE LÁ: "EM GUARDA, JOVENS!"

Tudo tem seu lado bom, até o Exército. Sou contra ditaduras, militares ou não, e contra guerras & batalhas armadas, mas lamento que o exército brasílico tenha tido sua reputação abalada por seus representantes que fizeram-o-mal-pensando-fazer-o-bem – sim, 1964 foi o ano da “longa noite de um dia duro”. Mas tais cabeças-de-papel e seus associados civis não conseguiram anular de todo as boas conquistas do país sob governos anteriores; tivemos muitas boas realizações em áreas como urbanismo, economia e arte que levam muito gente boa a pensar que “no tempo dos milicos é que era bom”. E é consenso que o exército contribuiu muito para a música, na pessoa das bandas militares, desde o século 18, inclusive no Brasil (uma amostra: o exército comandado pelo Marquês de Caxias – sim, nosso futuro único Duque – na Guerra do Paraguai incluiu “corneta-mor, mestre de música e doze músicos” entre seus 679 homens).

Um dia trago para cá resultados mais detalhados de estudo meu sobre música de banda (outra amostra: como seria a música brasileira do começo do século 20 sem essa valorosa trupe de “session men” que foi a Banda da Casa Edison?), mas por ora balancemos o coreto (entenderam?) lembrando da famosa banda inglesa liderada por um sargento que fez sucesso mundial após vinte anos de prática, entrando e saindo de moda mas sempre fazendo sorrir, sucesso este que ora completa 50 anos. E reuni algumas curiosidades sobre este famoso disco dos Beatles que, até onde sei, nunca ou quase nunca foram comentadas em papel ou na internet. Pois bem, acomode-se na cadeira e deixe a noite passar.


Não podemos, nem queremos, tapar os quatro mil buracos por onde entra a presença morena dos Beatles, mas tentaremos demolir dois mitos sobre Sgt. Pepper. Ele não foi o primeiro “álbum conceitual do rock”, com todas ou quase todas as faixas seguindo um mesmo tema geral; precedentes incluem Little Deuce Coupe dos Beach Boys, onde todas as faixas falam de automóveis. Quando muito, Sgt. Pepper foi o primeiro álbum de rock não ao vivo onde todas (ou quase todas) as faixas são coladas, “forçando” o(a) ouvinte a ouvi-las juntas e/ou numa determinada sequência. (Primeiro? Acabo de me lembrar de Absolutely Free de Frank Zappa & The Mothers Of Invention, que saiu no mesmo dia, 26 de maio de 1967. Mas os Beatles merecem primazia pelo parâmetro de serem muito mais famosos a ponto de Sgt. Pepper ser conhecido e esperado já desde antes de sair.) E Pepper também não foi o primeiro disco de música popular, não infantil nem folclórica, a trazer as letras das canções na contracapa: a Odeon, filial brasileira da mesma gravadora, havia tido tal iniciativa com quase todos seus LPs em 1960-63, incluindo álbuns discoteca-básica como O Amor, O Sorriso E A Flor de João Gilberto, Eu Não Tenho Onde Morar de Dorival Caymmi e Os Anjos Cantam de Nilo Amaro e Seus Cantores de Ébano. (Sim, um fator determinante no sucesso e influência de Sgt. Pepper foi a gravadora, na época “the greatest recording organisation in the world” e a única realmente multinacional, tendo em quase todos os países filiais e não apenas contratos de licenciamento, ao contrário da grande rival RCA, que até meados dos anos 1960 era apenas representada e distribuída em países como Inglaterra e Alemanha por grandes gravadoras locais.)

PIMENTA NO OUVIDO DA GENTE É REFRESCO: UM POUCO DE SGT. PEPPER E O BRASIL

O Brasil pode ser normalmente chamado de “atrasado” em relação aos lançamentos originais da Inglaterra e dos EUA, mas pelo menos num item saímos vencedores em relação aos poderosos ianques: Pepper foi lançado lá sem a famosa gravação interminável no fim do lado 2 (sim, o “Sgt. Pepper’s Inner Groove”), que só ganhou edição estadunidense na versão local do álbum Rarities, mas no Brasil ela está presente desde a primeira edição (embora ausente apenas numa tiragem dos anos 1970 com o selo marrom; eu tive um exemplar destes no fim dos anos 1970). (Isso sem falar que os EUA só começaram a respeitar o repertório original inglês dos álbuns dos Beatles a partir de Sgt. Pepper, ao passo que quatro dos LPs anteriores do grupo – incluindo a coletânea Oldies But Goldies – haviam tido seu repertório mantido intacto nas edições brasílicas, apesar de mudanças em títulos, traduções toscas de textos e som quase sempre em mono estridente – não que as vitrolinhas de bailinhos e piqueniques pedissem ou precisassem de mais que isso – , e o público brasileiro até que era respeitado, com um mínimo de 12 faixas por LP, contra as 11 de um LP estadunidense normal, muitas vezes cheio de eco e reverberação, pois lá “alta fidelidade” também era coisa para inglês ver e ouvir.)

Não esqueceremos de que nosso grande DJ Big Boy foi uma das primeiras pessoas de rádio em todo o mundo a terem o privilégio de tocar Sgt. Pepper antes de ele ser lançado. E, por falar em rádio, lembremos também a presença de Sgt. Pepper na série de LPs Música E Alegria Kolynos, resultado da tríplice parceria da gravadora Odeon com a agência de publicidade McCann-Erickson e o laboratório farmacêutico Anakol, na forma de programas de rádio visando promover lançamentos da Odeon e produtos da Anakol como o analgésico Superhist, o desodorante Van Ess e o creme dental Kolynos (recentemente mudou o nome para Sorriso); o projeto durou onze anos, de 1964 a 1974. No início os LPs traziam um programa em cada lado; em 1966 os programas dobraram de duração e cada um passou a ocupar um disco inteiro. Muitos destes programas incluíram gravações dos Beatles, e pode-se notar que a carreira do grupo até 1967 é das mais coesas, o grupo trabalhava em cada faixa de LPs e compactos com o máximo cuidado possível, de modo que todas ou quase todas tinham potencial para serem lançadas em compactos e fazerem sucesso. Além disso, como resumiu o dono-da-verdade Roy Carr, absolutamente todos os LPs dos Beatles têm um “compacto que nunca foi”, com apelo comercial para ser lançada em “single” na Inglaterra de 1962 a 1970 mas que só o foi, quando foi, em outros países. Daí algumas faixas dos Beatles presentes na série Música E Alegria Kolynos serem agradáveis surpresas; além dos hits esperados como “I Want To Hold Your Hand” e “All You Need Is Love”, temos escolhas como “Don’t Bother Me”, “Everybody’s Trying To Be My Baby”, “Blue Jay Way”, “All Together Now” e pelo menos duas faixas de Sgt. Pepper: “Good Morning, Good Morning” (no programa de número 1091) e “When I’m Sixty-Four” (no programa 1101); estes LPs eram apresentados pelo grande radialista Estevam Sangirardi e estão se tornando raridades.

Os Beatles são, muito provavelmente, a banda de rock mais regravada do planeta, inclusive no Brasil. Compreensivelmente, as composições mais regravadas dos Beatles são ou as mais simples ou as mais românticas, e romantismo e simplicidade não caracterizam a maioria das letras, melodias e arranjos de Sgt. Pepper. Mesmo assim, muita gente encarou o desafio de reler canções deste álbum, com resultados variáveis. Para quem vinha da bossa nova, jazz, big bands ou outros gêneros musicais complexos, não houve tanta dificuldade. Já algumas bandas soam mais ou menos como os Beatles de 1961 em Hamburgo tentando tocar os Beatles de 1967 em Abbey Road...



Bem curioso é o álbum Genial! Universal Sound creditado à banda The Terribles. Na verdade, este era apenas um nome com que o saudoso produtor Nilton Couto do Valle lançava gravações de grupos desconhecidos por selos pequenos, com baixos orçamentos e preços. No caso deste LP, estes The Terribles são na verdade um grupo paraguaio de passagem pelo Brasil, chamado Los Inocentes, com participação do contrabaixista e tecladista uruguaio Hector Capobianco, irmão de Juan Roberto “Pelin” Capobianco, da lendária banda uruguaia Los Shakers (uma das duas grandes respostas latino-americanas aos Beatles, a outra sendo os Mutantes). Isso explica este LP incluir duas composições dos Shakers e uma “quase dos Shakers” (“I Will Not Cry”, de Hector Capobianco e com participação do mano Pelin na gravação) ao lado de quatro canções de Sgt. Pepper (talvez uma quantidade recorde de regravações de Pepper num disco só nos anos 1960), outras quatro dos Beatles pré-Pepper e, para variar, uma dos Monkees. E este LP foi produzido por outro ilustre uruguaio bem acolhido no Brasil, o maestro Miguel Cidrás. Mas a novela apenas havia começado: estas gravações destes Terribles foram espalhadas por outros LPs de jovem guarda com as chamadas sérias restrições orçamentárias e creditadas a diversas outras bandas (The Modern Boys, Os Bárbaros, The Fishers, The Wish’s), conforme a lista mais abaixo! Leias mais sobre esta banda e este disco aqui e aqui também.

(Este tipo de disco “fantasma” reeditado com diversos créditos de intérprete é outro tema de estudo meu que vou trazer para cá uma hora destas. E vale lembrar também que os próprios Shakers regravaram uma canção de Sgt. Pepper, “Cuando Tenga Sesenta Y Cuatro”.)

Consta que Marcio Greyck recusou-se a gravar certas versos dos Beatles que considerou toscas demais. Já o primeiro LP de Raul Seixas, ainda o Raulzito dos Panteras, incluiu uma versão de “Lucy In The Sky” tão doida quanto a original, mas com sabor de tropicalismo: “Pense num dia com gosto de jaca.” “Não me deixaram gravar, disseram que eu havia avacalhado com a música”, contou mais tarde Raul, que mudou o verso para “gosto de infância”; esta versão foi regravada pelo Ira! anos depois.

Comentei sobre todo álbum dos Beatles incluir um “compacto-que-nunca-foi”. No caso de Sgt. Pepper, poderia bem ser um com dois lados-A, “Lucy In The Sky” e “With A Little Help”, a julgar pelas tantas vezes que essas canções foram e têm sido regravadas no Brasil desde 1967 inclusive por um(a) mesmo artista e num mesmo disco, seja em inglês, em outros idiomas ou versões instrumentais – até pensei numa analogia a “Disparada” e “A Banda”, que venceram juntas um mesmo grande festival e foram regravadas juntas muitas vezes, como lembrei nesteoutro artigo aqui em meu blogue.

Sim, falei em uma lista, e aqui vai ela. Não uma lista daquelas de melhores isto e piores aquilo, mas sim uma lista do tipo que prefiro, das objetivas: regravações brasílicas de canções de Sgt. Pepper feitas de 1967 a 1969. Obviamente, esta lista, feita por apenas uma pessoa, baseada 70% em acervo e lembranças pessoais e 30% no Google, nas horas livres de duas semanas, nem pode pensar em ser completa. Mas mesmo assim ela dá uma boa idéia da repercussão de Pepper no meio musical brasileiro.



REGRAVAÇÕES BRASILEIRAS DE CANÇÕES DO ÁLBUM SGT. PEPPER, 1967-69

“Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”

Corisco E Os Brasaloucos (versão instrumental; LP Corisco E os Brasaloucos, Continental, 1967 – esta faixa saiu também em compacto duplo no mesmo ano)

“With A Little Help From My Friends”

Embalo R (versão: “Meus Amigos”; LP Embalo R, Som Maior/RGE, 1967)

Sergio Mendes & Brasil 66 (LP Look Around, A&M, 1968)

The Pop’s (LPs O Baile, Equipe, 1969, e a coletânea 5º Aniversário, Equipe, 1969) – esta versão foi incluída anos depois no LP The Pop’s Ao Vivo, um “fake live album” à brasileira

The Terribles (LP Genial! Universal Sound, NCV)

The Modern Boys (LP Maria, Carnaval E Cinzas, Êxitos, c. 1967) – é a mesma gravação do álbum de The Terribles listado acima

The Ghosts (versão instrumental; LP With A Girl Like You, Som Maior/RGE, 1967 – esta faixa saiu também em compacto simples em 1968)

Disco sem crédito de intérprete(s) (LP Bem Bolado, Paladium, c. 1968)

“Lucy In The Sky With Diamonds”

Marcio Greyck (versão: “Ela Me Deixou Chorando”; LP Marcio Greyck, Polydor, 1967)

Ed Wilson (versão: “Ela Me Deixou Chorando”; compacto simples, CBS, 1967)

Beagá Band’s [sic] (na capa consta “Ela Me Deixou Chorando” e no selo “Lucy In The Sky With Diamonds”, mas é uma versão instrumental; LP Legal!, Paladium, c.1967)

Raulzito e os Panteras (versão: “Você Ainda Pode Sonhar”; LP Raulzito e os Panteras, Odeon, 1967)

The Terribles (LP Genial! Universal Sound, NCV)

Os Bárbaros (LP Eu Sou Terrível, Êxitos, c. 1967) – é a mesma gravação do álbum de The Terribles listado acima

The Sergeants (LP Mania De Beatles. AMC, 1968) – duas curiosidades: The Sergeants é a banda paulista Mac Rybell gravando sob pseudônimo, e este é o primeiro LP de uma banda brasileira a trazer somente canções dos Beatles ou a estes associadas)

“Getting Better”

The Terribles (LP Genial! Universal Sound, NCV)

The Fishers (LP Alegria, Alegria, Êxitos, c. 1967) – é a mesma gravação do álbum de The Terribles listado acima

“Fixing A Hole”

The Terribles (LP Genial! Universal Sound, NCV)

The Wish’s (LP Pata Pata, Êxitos, c. 1967) – é a mesma gravação do álbum de The Terribles listado acima

“When I’m Sixty-Four”

Marcus Pitter (versão: ”Sempre Vou Te Amar”; LP Marcio Greyck, Polydor, 1967)

Os Berimbóis (versão instrumental; LP Violentíssimo, Clarim/Cartaz, c. 1968)

The Ghosts (versão instrumental; LP With A Girl Like You, Som Maior/RGE, 1967)



Algumas dessas gravações podem ser ouvidas aqui.

E canções de Sgt. Peppers (principalmente a dupla “With A Little Help” e “Lucy In The Sky”) continuam sendo regravadas no Brasil por artistas diversos como as bandas fantasmas Flowers e The Brothers’s And Sister’s Band, o grupo Isaías E Seus Chorões, o grupo MPB-4, a violonista Rosinha de Valença e artistas mais novos como o Ira!. Lembrarei também “Amélia In The Sky,”a parceria Lennon-Ataulfo Alves que imaginei para a Rádio Matraca, e que pode ser ouvida aqui. (E já que o blogue é meu, posso citar minha quarta fita cassete, Gal. Médici’s Lonely Hearts Club Brega, paródia de Sgt. Pepper a meu jeito, na linha de We’re Only In It For The Money de Zappa & The Mothers, Their Satanic Majesties Request dos Rolling Stones – que logo voltará a esta conversa – e a bela releitura da banda Big Daddy.)

SALGEANT PEPPELU: SGT. PEPPER NA ÁSIA

Sgt. Pepper teve pelo menos três edições coreanas em vinil, todas nos anos 1970. Duas delas, pelo selo Taedo, são piratas. Uma delas é mais comum; um dos selos está aí abaixo. A segunda não encontrei na internet mas conheci pessoalmente no começo dos anos 1980, e aqui vão os selos (por cortesia do colecionador João Paulo Pimenta – realmente, não há pessoas mais apropriadas que ele e seu mano Pedro Paulo Pimenta com quem conversar sobre Sgt. Pepper).


Interessante é como a desde o século 19 o mundo ocidental e o oriental vão conhecendo um ao outro mas levaram quase um século para começarem a se conhecer melhor; por exemplo, para o ocidente pessoas do Japão, China, Coreia, Filipinas etc. eram todas “chinesas” ou “japonesas”, e características chinesas como “tlocar” o R pelo L e a frase musical dó-dó-lá-lá-sol-sol-mi são tidas até hoje como japonesas, e só poucos anos atrás se descobriu (ou se decidiu) que os nomes do líder comunista Mao Tse-Tung e da cidade de Bombaim seriam mais bem fieis aos idiomas originais se os grafássemos Mao Zedong e Mumbay. Do mesmo modo, esta rara edição coreana de Sgt. Pepper a que me refiro, além de omitir as letras na capa e os créditos de autorias nos selos, conseguiu transformar alguns títulos. Por exemplo, a famosa ode a uma “moça zona azul” inglesa virou profecia da vinda de Paul à nossa ex-capital: “Lovely Rio”. E a canção que garantiu a Pepper lugar de honra em minha pesquisa sobre música e circo virou jingle de campanha de saúde ao ser inadvertidamente renomeada “Being For The Benet [sic] Of My Knee”.


Pior ainda foi a censura consciente que Sgt. Pepper sofreu em algumas edições. A terceira edição sul-coreana – oficial, da gravadora Parlophone local! - com apenas 11 faixas, omitindo “Lucy In The Sky” e “A Day In The Life”, por “induzirem ao uso de drogas”. Na Rússia, numa edição ilegal em forma de álbum duplo com Revolver no começo dos anos 1990, Karl Marx foi destituído da capa do disco, e as “muito loucas” “With A Little Help From My Friends”, “Lucy In The Sky With Diamonds” e “A Day In The Life” foram substituídas na Malásia e em Hong Kong por “The Fool On The Hill”, “Baby, You’re A Rich Man” e “I Am The Walrus”. Lamentável como censura mas nem tanto em termos musicais – afinal, Revolver, Pepper e Magical Mystery Tour são três álbuns irmãos, representando o período mais aventuroso e sofisticado dos Beatles, e uma manhã, tarde ou noite ouvindo todos (junto a faixas do mesmo período como “Rain” e “Only A Northern Song”), como se fosse um “álbum triplo”, vai muito bem. (E serei a única pessoa a pensar que o refrão de “Good Morning, Good Morning” foi reciclado para o coro final “love is all you need” de “All You Need Is Love”, por sinal que uma canção bem superior?)


Por sinal, Sgt. Pepper tem ainda outra canção alusiva às drogas mas que escapou à sanha censória: sim, essa mesma, “Fixing A Hole”, como bem percebeu o humorista e cantor George Burns durante seu trabalho no filme Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Ele explicou à revista Rolling Stone que “consertar um buraco por onde entra a chuva e que impede minha mente de sair vagando” significa não deixar escapar a fumaça do jererê para maximizar o efeito. Óbvio quando se sabe...

SATANIC SARGEANT

“Welcome The Rolling Stones”, diz a camiseta de um boneco na capa de Sgt. Pepper. Sim, a rivalidade entre os Beatles e os Stones nunca passou de folclore, e as abordagens musicais de ambos, melhor que opostas, eram complementares. Ambos chegaram a gravar juntos: John e Paul cantam em “We Love You”, Jagger canta em “Baby You’re A Rich Man”, Brian Jones canta e batuca em copos em “Yellow Submarine” e toca saxofone em “You Know My Name” (mas, ao contrário do que se diz, não toca em “Baby, You’re A Rich Man”; quem toca aquele instrumento que soa como oboé eletrificado é John), os Beatles aparecem na capa do álbum Their Satanic Majesties Request e John se juntou a eles no espetáculo The Rolling Stones Rock And Roll Circus.

Mais que amigos dos Beatles, os Stones raramente deixaram passar alguma obra de sucesso deles sem fazer uma imitação ou paródia, geralmente tosca e descarada. Uma das mais óbvias é justamente Satanic Majesties com relação a Sgt. Pepper.

Mas há um detalhe. Os Stones, por mais toscos e caras-de-pau que fossem, nunca deixaram de creditar pelo menos uma pessoa participante especial em seus álbuns, ao passo que os Beatles abandonaram tal costume de Sgt. Pepper em diante, sendo Billy Preston notável exceção. E numa ocasião, justamente no disco Sgt. Pepper, foram os Beatles que seguiram os Stones, embora sem a mínima intenção; explicarei. Os Stones imitaram “Yesterday” dos Beatles em sua gravação de “As Tears Go By”, cujo arranjo para quarteto de cordas é do maestro Mike Leander. Pois bem, foi Leander o arranjador (não creditado) da orquestra em “She’s Leaving Home”; George Martin, embora indiscutivelmente o Quinto Beatle, ganhava a vida como funcionário da EMI, e na ocasião estava em outra tarefa; mas ele produziu a gravação e regeu a orquestra. (E acabo de ler na Wikipedia que “She’s Leaving Home” marcou o início da presença feminina em discos dos Beatles, na pessoa da harpista Sheila Bromberg.) Mas Leander foi "vingado" ao ser crditado como o arranjador de "She's Leaving Home" logo no início do texto de contracapa de seu LP A Time For Young Love, de 1969 (cliques em cima da imagem e da lentezinha para conferir o texto).

Para mim, a única falha de Sgt. Pepper, pelo menos a edição original em vinil, é a falta de créditos (talvez em nome da mística beatle ou falta de atenção a este detalhe) a Mike Leander, Mal Evans (no despertador e parceria em composições como "Getting Better", embora recebendo os devidos direitos autorais) e outros(as) musicistas participantes e convidados, além do ligeiro incômodo de a capa incluir Stuart Sutcliffe, que havia saído amigavelmente dos Beatles em 1961, mas ignorar Pete Best, covardemente expulso no ano seguinte (embora, musicalmente, sua substituição por Ringo Starr tenha sido uma das melhores decisões da história do rock). Enfim, eles que são britânicos que se entendam... (E pensar que não incluíram Pete Best mas trouxeram Aleister Crowley e quase incluíram Hitler...) Mas pelo menos Pete Best foi lembrado na série Anthology quase trinta anos depois.

TÁ CHEGANO BEM PERTIM DO FINARZIM

E para terminar por ora, vejam se vocês concordam que a primeira frase musical, de dez notas, cantada por Ringo em Sgt. Pepper coincide com estas outras duas gravações, uma anterior e outraposterior, respectivamente aos 28” e aos 1’14”, em frases instrumentais com arranjos e andamentos bem diferentes. Eu adoraria te ligar... e espero ter conseguido ao menos um pouco.