Friday, July 14, 2017

UM LOBÃO QUE UIVA MAS NÃO CHILIQUEIA E MERECE APLAUSOS: ALGUMAS CURIOSIDADES SOBRE O DJ WOLFMAN JACK

Estou atualizando meu livro sobre John Lennon para reedição até o final do ano, e descobri que houve uma briga (ou, como dizem as pessoas jovens, uma treta) entre ele e o artista pop estadunidense Todd Rundgren. Esta briga tem sido transcrita pela internet afora em todo o mundo, e notei um detalhe que, até onde vi, ninguém mais notou. Num dado momento Lennon diz a Rundgren: “Remember that time you came in with Wolfman Jack?” (“Lembra de quando você veio com Wolfman Jack?”) Nenhuma transcrição deste trecho parece ter percebido que o ex-Beatle estava se referindo a um sucesso do ex-Nazz, “Wolfman Jack”, tributo ao grande DJ estadunidense e faixa do mítico álbum duplo Something/Anything de Rundgren (já pensaram num álbum de John & Todd em dupla intitulado Something In New York City ou Nazzy Cats? E terá o álbum de Todd sido inspiração para a dupla Joia/Qualquer Coisa de Caetano Veloso?). Pensei então em elaborar um tributo-relâmpago ao DJ com algumas curiosidades que não vi publicadas na internet ou mesmo em papel.

“Wolfman Jack” de Todd Rundgren foi lançada em compacto simples nos EUA nada menos de duas vezes – e com uma surpresa, talvez involuntária, provando que fora do Brasil gravadoras também erram. Explicarei. O primeiro lançamento foi em julho de 1972, como lado-B de outra faixa do álbum Something/Anything?, o clássico do power-pop “Couldn’t I Just Tell You”. E o segundo foi em dezembro de 1974, desta vez como lado-A (tendo como acoplo “Breathless”, única faixa instrumental de S/A?), mas com um detalhe: esta segunda edição traz o belo brinde da participação de Wolfman Jack em pessoa! Só que a gravadora se esqueceu de dar-lhe o crédito... 
Tive tamanha surpresa ao conhecer a edição brasileira (sim, há uma) deste disco.


A primeira edição em CD do álbum Something/Anything? saiu em 1990 pela Rhino e é muito boa, mas não inclui faixa bônus alguma, e haveria muitas, como esta versão de “Wolfman Jack” com o próprio e alguns jingles e spots promocionais do álbum. Mas em 1999 a Rhino lançou uma edição de luxo incluindo estas faixas e muito mais! Confiram aqui

O próprio Wolfman Jack gravou vários discos como intérprete e DJ, incluindo um raro compacto promovido pela Força Aérea dos EUA por volta de 1975, que pode ser ouvido aqui.


Foi no começo dos anos 1970 que Wolfman Jack foi descoberto pelo grande público, tornado-se figura midiática (palavra que acho terrível), aparecendo em filmes de sucesso como American Graffiti e homenageado em canções como a citada de Todd Rundgren e outras de artistas como Grateful Dead (“Ramble On Rose”) e The Guess Who (“Clap For The Wolfman”). Nosso DJ Big Boy está para Wolfman Jack assim como George Harrison está para Carl Perkins, Keith Richards para Chuck Berry, Chico Buarque para Noel Rosa, e fez uma bela homenagem ao colega estadunidense em seu LP The Big Boy Show (RCA, 1974), ao apresentar uma outra homenagem não-ianque, a citada “Clap For The Wolfman” da banda canadense Guess Who. Confiram aqui.

Big Boy não foi a única pessoa no Brasil a homenagear Wolfman Jack – mas foi certamente a menos sacana. Explicarei de novo. Em 1974 a Odeon lançou dois LPs de “covers fantasmas”, ou seja, por artista(s) anônimo(s), de sucessos do momento: No Mundo Das Novelas e Maneiríssimo, cujas capas são estas. 

Cada faixa destes discos  é creditada a um ou uma artista com nome estrangeiro, obviamente apenas nome de fantasia – temos até um “T. Bell” querendo ser confundido com o compositor de “Philly soul” Thom Bell, autor de algumas composições destes discos, e um “Derek” que não é o do hit “Cinnamon” e muito menos o dos Dominos, além de um “Wolfman Jack” que não é aquele... Confiram abaixo detalhes das contracapas e um dos selos. As duas faixas deste Wolfman Jack estão neste arquivo aqui.

 

E a biografia do grande Wolfman Jack (“al secolo” Robert Weston Smith, 1939/1995), talvez o primeiro DJ moderno de rock, pode ser conferida em páginas como esta e esta.

Wednesday, July 05, 2017

HONG KONG POP NOT BLUES: RECOMENDANDO A COLETÂNEA HONG KONG MUZIKLAND OF THE 60/70s VOL. II

Durante anos o disco mais raro e obscuro que tive foi um compacto inglês de uma banda chamada The Kontinentals, que comprei por volta de 1981 no saudoso sebo Mickey em Campinas (que, vejam só, tinha uma filial em Lins, onde estudei nos anos 1970). O disco é perfeito para quem gosta de Merseybeat não refinado e com garra, como em algumas gravações dos Kinks e dos Stones em 1964-65. (Notem o carimbo da loja no selo de meu exemplar, e espero que consigam ler um detalhe interessante: o selo inclui a data da gravação, 10 de abril de 1965!) Ouçam o disco aqui: "I Think Of Her" e "I Want You To Know". E para fãs dos Kinks havia os “pluses a mais” da tipologia do selo (bem semelhante ao da gravadora Pye), o nome do grupo com “K” e um dos integrantes ter nome parecido com o de Ray Davies (o saudoso Roy Davenport, guitarrista-solo dos Kontinentals e que anos depois revelou-se bom jazzista). 


Fiquei curioso para conseguir mais informações sobre a banda e o disco (cheguei a escrever para a revista inglesa Record Collector mas não obtive resposta); mal sabia eu que décadas depois eu faria amizade virtual com um dos integrantes da banda, o contrabaixista Anders Nelsson, e o auxiliaria num grande projeto de resgate do pop-rock de Hong Kong dos anos 1960 e 1970: a caixa de seis CDs Hong Kong Muzikland Of The 60/70s II, lançada em 2013.


Sim, os Kontinentals eram de Hong Kong, como finalmente confirmei com o advento da internet nos anos 1990, e foram a primeira banda do país a fazer sucesso com composições próprias de iê-iê-iê; infelizmente, gravaram apenas dois compactos antes de se dissolverem. Anders Nelsson seguiu carreira em outros conjuntos e como produtor e compositor, inclusive diretor de A&R na filial local da gravadora EMI; um de seus projetos foi justamente compor a trilha para um filme sobre Bruce Lee, intitulado He’s A Legend, He’s A Hero, dirigido por Wong Sing-Loy e exibido no Brasil como Um Homem Chamado Bruce Lee (outros títulos com que o filme foi exibido pelo mundo são King Of Kung Fu e The Dragon Lives). E vejam só: duas canções deste filme, “He’s A Legend, He’s A Hero” e “Even A Strong Man Must Die”, foram lançadas num compacto pela EMI – mas somente no Brasil! Mais: Anders Nelsson só ficou sabendo deste lançamento quando eu lhe contei.



Quando chegou a hora de compilar a caixa Hong Kong Muzikland Of The 60/70s II, Nelsson não teve acesso às fitas deste disco nem a um exemplar do próprio, pois a EMI estava em pleno processo de estar sendo engolida pela Universal Music; então Nelsson me perguntou se eu conseguiria localizar para ele um exemplar do disco, e consegui. De modo que ambas as faixas do compacto estão nesta caixa, e fui lembrado nos agradecimentos do livreto.


Ah, o livreto é um modelo de como livretos devem ser: fotos dos discos originais, as letras da canções, créditos das gravações originais (e esta caixa só não é absolutamente perfeita porque a frase “Carmen Twist” aparece como “common twist”, errinho de nada, ainda mais em comparação com as famosas transcrições de letras em inglês em muitos discos japoneses)... A caixa também é um sonho, reunindo 101 faixas (com excelente qualidade sonora) em, como foi dito, seis discos (sim, o infeliz limite de 14 faixas por CD é um triste “privilégio” da Universal brasileira), uma festa para fãs de música pop em geral. Estas gravações, dos anos 1960 a 1970, surpreendem pela competência, covers da melhor qualidade em termos de fidelidade às gravações originais e algumas composições originais igualmente dignas de audição. 



E temos de tudo: pop não-rock, baladona, rock and roll, twist, garagem, bubblegum, com grandes artistas locais como Teddy Robin & The Playboys, Danny Chan, Michael Remedios, as cantoras Chelsia Chan e Louie Castro, o próprio Anders Nelsson (com suas bandas Ming e The Anders Nelsson Group)... Os “covers” incluem boas surpresas como “Feelings” de nosso Morris Albert, “Uma Paloma Blanca”, “Carry On Till Tomorrow” da banda Badfinger, “’Cause We’ve Ended As Lovers” de Stevie Wonder (no arranjo da gravação de Syretta Wright), “Carmen Twist” (arranjo pândego da “Habanera” da ópera de Bizet), “I Love You” (Zombies), “You Haven’t Seen Nothing Yet” do Bachman-Turner Overdrive, “Island Girl” de Elton John e composições próprias no mínimo interessantes como a balada country “Pocketful Of Music” (cuja melodia lembra um pouco a de “Cálix Bento”, embora lançada em disco em 1975, dois anos antes da famosa gravação de Milton) e as citadas “He’s A Legend, He’s A Hero” e “Even A Strong Man Must Die”. É como ouvir uma excelente coletânea de sucessos pop em regravações muito boas e ainda ter a boa surpresa de descobrir que também se compõe muito bom pop em Hong Kong.


Mais detalhes sobre esta caixa aqui. E sobre o grande artista e empreendedor Anders Nelsson, podes ler aqui e aqui (incluindo um atalho para a banda The Kontinentals)

E Anders me disse "ainda precisamos de Bruce Lee para nos proteger". Mas é bom termos pessoas como ele para protegerem a memória da música popular.

(Ah, sim: esta caixa é um segundo volume,  e nem preciso dizer que estou atrás do primeiro, lançado em 2010.)