Wednesday, December 31, 2025

“PRECISO SER FELIZ”: 60 ANOS DO ALBUM ISTO É RENATO E SEUS BLUE CAPS


Muito bem! O quê o álbum
Isto É Renato E Seus Blue Caps tem a ver com Emilinha Borba? Qual foi a formação da banda que gravou o álbum? Que canção teve problemas com censura em outras gravações mas não neste disco? Vale mais a pena garimpar edições em LP ou em CD? Há participações especiais? Leia e descubra, decida e conclua...

“MAS UM BELO DIA...”

ENFIM, A DATA EXATA DE LANÇAMENTO

No fim de 2025 publiquei textos no Facebook para celebrar quatro grandes álbuns sessentões das bandas consideradas por muita gente as Quatro Grandes do rock inglês dos anos 1960: The Kink Kontroversy dos Kinks (26 de novembro), My Generation do Who, Rubber Soul dos Beatles e December's Children dos Stones (trigêmeos de 3 de dezembro), todos com as datas exatas de lançamento sabidas e notórias. Dai me lembrei de outro grande LP sessentão, só que brasileiro: Isto É Renato E Seus Blue Caps. Então comprovei ainda uma vez que no Brasil é mais fácil descobrir informações sobre música estrangeira que brasileira...

Sabemos que Isto É Renato saiu em dezembro de 1965 por pelo menos três fontes recomendáveis: a página jovemguarda.com.br comandada por Marcelo Froes, o livro Renato Barros, Um Mito! Uma Lenda! de Lucinha Zanetti e o Almanaque da Jovem Guarda de Ricardo Pugialli. Dezembro, e em que dia? Na Hemeroteca da Biblioteca Nacional o máximo que encontrei foi uma menção ao lançamento n'O Jornal de 12 de dezembro de 1965, um domingão. Daí supus que o álbum saiu na primeira semana do mês. Perguntei sobre isso em minha publicação no Facebook, e a melhor resposta foi do velho amigo jornalista e produtor Valdimir d’Angelo: “No período em que trabalhei na CBS, sabia que era padrão entregarem seus discos nas lojas às quintas-feiras, ou seja, deve ter sido lançado no dia 9 de dezembro.”

Pois então, foi em 9 de dezembro de 1965 que as lojas receberam o produto de número 37433, que se tornou grande sucesso e só saiu de catalogo em 1972 – dando lugar à primeira mixagem do álbum em estéreo, numerada 137433, e relançada em 1993 com o selo Columbia (184.042/1-464343) quando a gravadora retomou o nome que havia usado até 1961.

“UM POUCO DA MINHA PAIXÃO”

O REPERTORIO DO ALBUM

Sim, aqui vão comentários para cada uma das 12 canções do disco. Por sinal, duas faixas, “O Escândalo” e “Preciso Ser Feliz”, serviram de prévia, lançadas em compacto dois meses antes, com “O Escândalo” fazendo jus ao nome, de sucesso imediato e imenso, um dos grandes “hits” do ano e também um dos pontos altos da carreira de Renato e Seus Blue Caps.

                Lado 1

·       * "Você Não Soube Amar” (“It's Gonna Be All Right”)

(Gerry Marsden [creditado em todas as edições como “Jorge Marsden”]/versão de Arthur Emílio e Roberval)

Esta canção foi lançada em compacto simples em agosto de 1964 por Gerry & The Pacemakers, que disputavam com os Searchers o posto de segunda banda mais importante de Liverpool, e entraram para a História como a primeira banda dessa cidade a colocar um disco no topo das paradas (sim, antes dos Beatles) e também como a melhor “miniatura dos Beatles” depois do Badfinger. “It’s Gonna Be All Right” saiu no Brasil em compacto e LP por volta de julho de 1965, junto com o filme Ferry Cross The Mersey/Frenéticos Do Ritmo, o A Hard Day’s Night dos Pacemakers, no melhor sentido.

Quanto à versão gravada por Renato com ainda mais sucesso no Brasil que o original dos Pacemakers, é um dos primeiros casos de canção originalmente alegre transformada em “sofrência”, como viria a ser comum na jovem guarda carioca – e é curioso isso ter acontecido a uma canção de Gerry & The Pacemakers, caso provavelmente único de banda dos anos 1960 cujos sucessos eram todos otimistas, alegres e “pra cima”.


Arthur Emilio como Elvis Presley no Diário Carioca, 16 de fevereiro de 1957

Os autores da versão merecem um parágrafo com tudo o que descobri até agora sobre eles. Arthur Emilio de Souza Costa (1954/2017) era guitarrista e cantor (e mais tarde economista), além de filho adotivo da cantora Emilinha Borba; foi lançado nos anos 1950 como o cantor-mirim Arthurzinho (não confundir com o cantor Arturzinho da jovem guarda, “al secolo” José Artur Azevedo Nogueira, paulista de 1949 e que emplacou hits como “Tempo De Criança” e “Roda Gigante”). Roberval era colega de escola de Arthur, e ambos chegaram a formar uma banda (aliás, “conjunto”); este pode ter sido o mesmo Roberval que em 1967 gravou na Continental um compacto com duas canções próprias (“Menino Teimoso”/”Fiz Um Leilão”) e teve várias canções gravadas no hoje cultuado álbum Alucinolândia de Zito Righi em 1969, além de alguns sambas por diversos intérpretes nos anos 1970, sendo também o Valzinho do grupo de samba Trio Sideral (que incluiu Escovão, futuro membro do Trio Mocotó, Premê e Skowa & A Mafia – sim, o mundo é uma quermesse).

 

·        Feche Os Olhos” (“All My Loving”)

(John Lennon/Paul McCartney/versão de Renato Barros)

Lançada em novembro de 1963 no álbum With The Beatles e incluída nos álbuns Meet The Beatles (EUA, janeiro de 1964) e Beatles Again (Brasil, julho de 1964). 

·        * “O Escândalo” (“Shame And Scandal In The Family”)

(Huon Donaldson/Slim Henry Brown [na verdade, “tomada emprestada” por eles do compositor trinitário Sir Lancelot]/versão de Renato Barros) 

Uma das primeiras gravações brasileiras de ska, seguindo fielmente a regravação de mais sucesso da canção, pelo cantor e ator Shawn Elliott, lançada nos EUA em novembro de 1964 e no Brasil em outubro de 1965 (num lado-B, o que não impediu a gravação de fazer grande sucesso).

“Shame And Scandal In The Family” tem uma longa história desde seu lançamento em ritmo de calipso por seu autor Sir Lancelot em 1943. Outras regravações, variando em arranjos e até em títulos, incluem as de Burl Ives, Odetta, Trini Lopez, o Kingston Trio, Rolf Harris, os Wailers de Bob Marley, os Stylistics e, mais recentemente, a banda Madness, sem falar nas versões em muitos idiomas, inclusive uma composta por este que vos escreve e a mais fiel à letra original. Esta letra original causou polêmica e, bem, vergonha e escândalo, por falar de um garoto apaixonado por uma garota que, segundo o pai dele, “é tua irmã e tua mãe não sabe”, mas o impedimento pela possibilidade de incesto é anulado quando a mãe do rapaz lhe esclarece que “teu pai não é teu pai mas teu pai não sabe”. E a versão de Renato é um pesadelo para quem leva muito a sério a correção política – bem, o protagonista não é chamado de “capeta” à toa. De qualquer modo, as gravações de Shawn Elliott e de Renato fizeram grande sucesso.

 

Revista Intervalo, 1965

·        O Fugitivo”

(Ercio Roberto/Luiz Ayrão)

Terá pelo menos o título se inspirado no seriado de TV O Fugitivo, grande sucesso no Brasil de 1963 a 1967? Com certeza, esta é uma das primeiras composições de Luiz Ayrão, logo antes de ele estourar de vez nas paradas quando Roberto Carlos lançou “Nossa Canção” em 1966.

Quanto a Ercio Roberto, com esse nome e dessa época até agora apenas encontrei um estudante de canto lírico. Procurei também no belo livro de “causos” Meus Idolos & Eu (Editora Scortecci, 2010) de Luiz Ayrão, onde ele conta que Renato E Seus Blue Caps gravaram duas de suas canções, mas não menciona seus títulos, “O Fugitivo” e “Palavra De Rapaz”, muito menos que esta última havia sido lançada trinta anos antes por The Sunshines, quanto mais mencionar Ercio Roberto...

 

·       Preciso Ser Feliz”

(Lilian Knapp/Paulinho/Renato Barros)

Realmente, Renato e Seus Blue Caps estavam dependendo menos de versões, com canções brasileiras, próprias ou de outrem, de qualidade e potencial comercial à altura das estrangeiras.

 

·      Eu Sei” (“I'll Be Back”)

(John [grafado “Johnn” nas edições em vinil] Lennon/Paul McCartney/versão de Renato Barros [segundo o livro de Zanetti, a autoria desta versão é de Lilian Knapp mas foi creditada a Renato])

Canção do álbum A Hard Day’s Night, lançado na Inglaterra em julho de 1964 e em dezembro no Brasil, com titulo Os Reis Do Iê-Iê-Iê. Curiosidadde: foi também em dezembro que esta canção saiu nos EUA, no álbum Beatles 65.


                    Lado 2 

·       “Meu Primeiro Amor” (“You're Going To Lose That Girl”)

(John Lennon/Paul McCartney/versão de Lilian Knapp)

Canção do LP Help!, lançado na Inglaterra em agosto de 1965 simultaneamente ao filme homônimo; no Brasil o álbum (com repertorio modificado, o que já é outro artigo) chegou em novembro de 1965, um mês antes do filme, reintitulado Socorro!, detalhe hoje bem menos lembrado que o filme.

 

·        Aprenda A Me Conquistar”

(Carlinhos/Lilian Knapp/Renato Barros)

 Vide “Preciso Ser Feliz”.

 

·        Espero Sentado” (“Keep Searchin'”)

(Del Shannon/versão de Lilian Knapp)

Ultimo hit do cantor e compositor estadunidense Del Shannon, lançado em setembro de 1964 e, até onde pude ver, inédito no Brasil, mas aqui saiu um cover pela banda uruguaia Los Shakers, lançado originalmente em compacto em maio de 1965, com edição brasílica num EP em março de 1966.

 

·       Sou Tão Feliz” (“Love Me Do”)

(John Lennon [grafado “Johnn” nas edições em vinil]/Paul McCartney/versão de Renato Barros)

Primeira canção da formação clássica dos Beatles, com Ringo Starr, e também primeiro sucesso deles como compositores, lançado na Inglaterra em outubro de 1962, nos EUA em julho de 1963 (no LP Introducing The Beatles) e no Brasil em julho de 1964 (no álbum Beatles Again).

 

·       Esqueça E Perdoe”

(Getúlio Côrtes)

Uma das primeiras composições de Getúlio Côrtes, ex-roadie de Renato e Seus Blue Caps e que já havia emplacado “Noite De Terror” e “O Feio” (esta em parceria com Renato) em gravações de Roberto Carlos.

 

·      Orgulho De Menina” (“I Need You, I Love You” [consta erroneamente como “I Need Your Love”])

(Dave Clark [na verdade Ron Ryan]/Mike Smith/versão de Renato Barros)

Versão de um sucesso de The Dave Clark Five, uma das poucas bandas inglesas a rivalizarem com os Beatles, ao lado dos Herman’s Hermits e dos grandes vencedores, os Rolling Stones. (Resistirei à tentação de falar sobre os DC5 e sua história longa e pouco edificante, a ponto de a banda ter tido um compositor de aluguel, Ron Ryan, que não assinava as autorias e precisou brigar para receber direitos autorais.) “I Need You, I Love You” saiu na Inglaterra em abril de 1964 no primeiro LP da banda, A Session With The Dave Clark Five, lançado aqui em dezembro, no mesmo suplemento do álbum Os Reis Do Iê-Iê-Iê.

Enfim, neste álbum temos um painel amplo e equilibrado do pop-rock de então, com quatro versões dos Beatles, quatro canções inéditas no estilo, duas de outras bandas inglesas e duas adaptações de sucessos de dois outros países, os EUA e Trinidad e Tobago via EUA.

 

“FAZER BATER MAIS FORTE O SEU CORAÇÃO”

OUTRAS EDIÇÕES CONTEMPORÂNEAS DE FAIXAS DESTE DISCO

 

Enquanto Renato e Seus Blue Caps gravavam o álbum Isto É, a CBS teve a grande ideia de lançar, em outubro, duas faixas em compacto simples, “O Escândalo”/”Preciso Ser Feliz” (33408). No mesmo mês “O Escândalo” ganhou ainda mais impulso ao entrar na coletânea As 14 Mais Vol. XVI (37423).

Em 1966 três outras faixas do álbum saíram em compactos simples. Fevereiro trouxe “Feche Os Olhos”/”Aprenda A Me Conquistar” (33422); “Aprenda” voltou no segundo semestre, junto a “Esqueça E Perdoe”, num compacto da série Discoteca Iê-Iê-Iê, distribuído em troca de tampinhas dos pelos refrigerantes Pepsi-Cola e Mirinda. E em janeiro “Feche Os Olhos” e “Você Não Soube Amar” ganharam milhagem na coletânea As 14 Mais Vol. XVII (37440).

Diario de Noticias (Rio Grande do Sul), 13 de novembro de 1966


Imagem tomada emprestada (com crédito) do blogue Estação Saudade

No Brasil, tal como na Inglaterra, o formato do EP, nosso amigo compacto duplo, era muito popular, de modo que o LP Isto É Renato E Seus Blue Caps ganhou dois “filhotes”, Vol. 1 (56245, março de 1966), com “Você Não Soube Amar”/”O Fugitivo”//“Feche Os Olhos”/”Aprenda A Me Conquistar”, e Vol. 2  (56259, julho de 1966), trazendo “Meu Primeiro Amor”/”Preciso Ser Feliz”//”Espero Sentado”/”Esqueça E Perdoe”.

E se tanta gente, até no Brasil, fazia filmes de rock, Renato e Seus Blue Caps também tiveram seu correspondente a Os Reis Do Iê-Iê-Iê e Frenéticos Do Ritmo: Rio, Verão E Amor, dirigido por Watson Macedo, lançado em 1966 e incluindo “Aprenda A Me Conquistar”.

 

“NA BOLA ERA O TAL”

A FORMAÇÃO DA BANDA NESTE DISCO

Muito se fala sobre Renato e Seus Blue Caps lembrarem os Beatles – lembrando que ambas as bandas são contemporâneas e tinham muitas influências comuns, sendo os Beatles apenas uma das muitas influências de RSBC – , mas RSBC lembram também os Beach Boys, não apenas pela influência confessada que tiveram do grupo californiano, mas também por terem incluído três irmãos e um primo. Sim, os irmãos eram Renato, Paulo César e Ed Wilson (este saiu em 1962, mas depois a banda ainda lançou composições dele – não, o “Wilson” não é homenagem aos irmãos dos Beach Boys, o que até faria sentido, já que o nome Blue Caps é homenagem a outra banda, a de Gene Vincent), e o primo é o guitarrista-base Carlos Alberto Vieira da Costa “Carlinhos”, integrante de 1965 a 1968. Outra semelhança com os Beach Boys é que as gravações eram produzidas pelo líder da banda, desde que ela assinou com a CBS, embora Renato so começasse a ser creditado como tal muitos anos mais tarde.

A formação de RSBC que gravou Isto É Renato foi, seguindo a ordem na foto da contracapa (que, aliás, não traz informação alguma além dos títulos e autorias das faixas):

 


Paulo César Barros: contrabaixo, vocal

Renato Barros: guitarra-solo e guitarra de 12 cordas, vocal

Tony (Carlos Antonio Pinheiro): bateria

Carlinhos: guitarra-base

Cid Chaves: gaita, saxofone, vocal

Sim, enquanto no álbum anterior, Viva A Juventude, a falta de uma gaita levou Renato a se virar como pôde numa escaleta, desta vez a banda usou uma gaita de verdade, tocada por Cid.

Segundo o livro de Zanetti sobre Renato Barros, este álbum incluiu participação do emérito organista Lafayette, mas não consegui ouvir órgão no disco, exceto na faixa “O Escândalo” – e, ainda segundo Zanetti, quem toca os solos de órgão não é Lafayette e sim Lilian Knapp!

A banda tomou a mais que a sábia decisão de não procurar imitar fielmente as gravações originais, criando estilo próprio mesmo ao regravar canções alheias – inclusive, Renato se divertia ao lembrar de repetição e omissão de estrofes em relação aos originais.

Neste disco os arranjos estão bons com execução à altura; realmente, Renato e Seus Blue Caps estavam começando a se afirmar como uma das melhores bandas brasileiras de rock de todos os tempos. Particularmente, nota-se que os irmãos Barros floresciam em seus instrumentos. E, nestes tempos de busca até neurótica por perfeição técnica, acho até refrescante ouvir o errinho de Paulo Cesar no final de “O Fugitivo”, quando ele pensa que a banda iria para a segunda parte da melodia, “e assim vivi...” mas retorna ao refrão, “eu também sou um fugitivo”, então na metade do compasso ele percebe e segue na trilha certa... Temos também Carlinhos tocando um acorde de si maior que soa como diminuto na repetição da estrofe “nem gosta de outra menina” em “Feche Os Olhos”. Afinal, se até os Beatles podiam errar (lembram-se do “I know I never even try, girl” em vez do certo, “I know you never even try”, no final de “Please, Please Me”?)... Lembremos que nos anos 1960 havia o provérbio de que uma banda tinha todo o tempo do mundo para gravar um álbum, desde que não passasse de oito horas, e tinha que repartir gravações com outras atividades como fazer shows e, de vez em quando, comer e dormir. E há errinhos como esses que citei também nos três álbuns ingleses citados no início deste artigo; procurem e depois me comentem.

 

“TUDO NA VIDA AGORA TEM VALOR”

FICHA TÉCNICA, NA MEDIDA DO POSSÍVEL

O álbum Isto É Renato E Seus Blue Caps não traz nenhuma informação técnica além dos títulos e autorias das canções, data e número de catálogo. De modo que toda esta seção foi escrita a partir de diversas fontes, especialmente o livro de Zanetti sobre Renato Barros, e principalmente adivinhem o quê? Ouvir o disco!

A produção, segundo Renato Barros, coube a ele próprio, e não ao ubíquo diretor da CBS Evandro Ribeiro, com as gravações iniciadas em 6 de agosto e concluídas na primeira quinzena de setembro. O equipamento usado foi o melhor da CBS na época, um gravador de três canais. (Somente em 1967 o Brasil teria gravadores de quatro canais, chegando a 8 e 16 canais no começo dos anos 1970.) Isto É Renato E Seus Blue Caps foi lançado originalmente em mono, mas em 1971 a CBS, percebendo que o sistema estéreo ganhava cada vez mais público no Brasil, deliberou fazer mixagens em estéreo deste e outros álbuns de seu catálogo (inclusive os LPs de Roberto Carlos desde É Proibido Fumar ao de 1966).

 

“NÃO ME JULGUE POR SUA IMAGINAÇÃO”

A CAPA DO DISCO

Nos anos 1950 a 1970 a CBS era campeã de capas de discos no sistema que eu chamo de “a foto é minha e faço o que eu quiser”. Para economizar no investimento em artistas ainda iniciantes, ou simplesmente por pressa, a gravadora usava imagens de seu banco de dados. Isso aconteceu com o primeiro LP de Roberto Carlos, Louco Por Você e com álbuns de artistas como Sérgio Murilo, Lafayette e The Boogaloo Combo. No caso de Isto É Renato E Seus Blue Caps, a gravadora usou a mesma foto da capa do álbum Elgart Au Go-Go da big band dos irmãos Les e Larry Elgart, lançado nos EUA em julho de 1965.

 

Sim, gravadoras adoram seguir fórmulas. O título Isto É Renato E Seus Blue Caps segue o modelo de outros álbuns lançados pela CBS desde 1961: Isto é Dança, Isto é Carnaval, Isto é Cha-Cha-Cha, Isto é Espetáculo, Isto é Orquestra...Parece que este álbum de Renato foi o “Isto é” para acabar com todos os “Isto és” da CBS.

 

“SOU TÃO FELIZ”

BREVE AVALIAÇÃO DO DISCO

Isto É Renato E Seus Blue Caps é um dos mais importantes álbuns da jovem guarda e um dos discos que mais contribuíram para a divulgação da “British Invasion” e da beatlemania no Brasil. Sim, é um disco indispensável para quem gosta de merseybeat – inclusive para fãs de todo o mundo que gostam de variar ouvindo música anglofona em outros idiomas e, no caso de Renato e Seus Blue Caps, com a ginga brasileira carinhosamente chamada por Renato de “chacundum”.

Isto É Renato E Seus Blue Caps reflete a evolução do merseybeat – que não se resume à beatlemania – em 1965, além de ser excelente adaptação brasileira do estilo, a exemplo de bandas como os espanhóis Los Brincos, os citados uruguaios Los Shakers, os ítalo-ingleses The Rokes e a banda alemã The Lords. “Shame And Scandal” e “Keep Searchin’” grandes sucessos de 1964 que em 1966 ganhariam versões brasileiras de outros artistas “Aprenda A Me Conquistar” tem um riff de guitarra digno do então recém-lançado álbum Rubber Soul e dos dois primeiros álbuns dos Byrds.

Sei que há quem diga “Regravar música de 1962 e 1963 em 1965? Brasil sempre atrasado mesmo...” Mas lembremos que antes de Rubber Soul os Beatles precisaram regravar canções até dos anos 1950 para ajudar a preencher dois álbuns... O importante é que havia, e sempre houve, mercado para rock “antigo” e também para os Beatles; inclusive os EUA lançaram no mesmo ano de 1965, em março, uma versão mutilada do álbum Please Please Me, de 1963, com título The Early Beatles (que quase alcançou a lista dos 40 álbuns mais vendidos). De mais a mais, em 1968 os Beatles voltaram a compor e gravar “rock antigo”...

As letras de Isto É Renato E Seus Blue Caps são quase todas sobre amor entre adolescentes, com a óbvia exceção de “O Escândalo”. Bem, quase todas as canções dos dois álbuns dos Beatles lançados em 1965, Help! e Rubber Soul, são “boy-girl songs”, em diferentes graus de maturidade.

Enfim, Isto É Renato E Seus Blue Caps é um disco que reflete sua época mas mantém charme, garra e balanço, desmentindo a fama de “desfibrado” atribuída em estudos mais elitistas ao iê-iê-iê.

 

“NOVAMENTE EU TORNO A SORRIR”

REGRAVAÇÕES

Além de vender bem por décadas afora, Isto É Renato E Seus Blue Caps demonstrou sua popularidade ao ter algumas canções regravadas por outrem. Aqui vão os de que tenho notícia até o momento.

“Preciso Ser Feliz” teve regravação da banda paulistana Rosa Tigre em 2023. “O Escândalo” foi regravada em 1966 pelos Supersonics, um dos muitos pseudônimos dos Fevers. “Meu Primeiro Amor” ganhou releituras da atriz Mylla Christie em 1994 e da banda KLB em 2007.

“Eu Sei” foi literalmente mais longe, regravada em 1966 pela banda moçambicana Night Stars, cuja interpretação até lhes valeu o primeiro lugar num festival, o Prémio Peninsular de Melhor Interpretação em Lisboa,

E “Feche Os Olhos”, além de ganhar regravações de artistas diversos como Paulo Cesar Barros (1977) e Leonardo (da dupla com Leandro, 1999) e arranjos em samba de Thobias da Vai-Vai (1992) e da banda Raça Negra (2009), entrou para o folclore na famosa paródia da proverbial quinta série, “...um metro e trinta/é pouco, mas é tudo pra você”...

 

“ME VI FUGINDO E ME PERDENDO POR AI”

REEDIÇÕES DO ÁLBUM EM CD

Uma das poucas coisas que, até onde percebi, faltaram no livro de Zanetti foi Renato Barros opinar sobre as reedições em CD da obra de seus Blue Caps, inclusive este álbum.

No caso, Isto É Renato E Seus Blue Caps estreou no formato CD em março de 1993 (número de catálogo 746042/2-464343), na série Best Price da gravadora, a preço reduzido. Muito bom? Só que não apenas o preço foi reduzido, o CD também! A embalagem não inclui data alguma nem as fotos da contracapa original e, pior ainda, faltam as primeiras notas da primeira faixa, “Você Não Soube Amar”! (Em defesa da Sony, ex-CBS, podemos lembrar que tal falha ocorreu também em outras edições em CD de gravadoras bem mais cuidadosas pelo mundo afora, alguns exemplos que comprovei sendo a faixa “Dear Eloise” na edição de 1999 do álbum Butterfly dos Hollies e “Tin Soldier Man” no CD Something Else By The Kinks conforme o CD da Castle de 1989.)

É difícil acreditar que nossa Sony Music é filial, ou pelo menos parente, da mesma Sony/Columbia estadunidense que tem a série Legacy de belas reedições com encartes informativos e muitas faixas bônus... Parece que o amor da Sony brasileira por seu público e nossa cultura “não passa de ilusão”. Isso se nota pela segunda edição em CD de Isto É Renato E Seus Blue Caps em 2000 como parte da coleção Jovem Guarda (número de catálogo 495637), junto com o álbum Viva A Juventude – não uma reedição dois-em-um com faixas bônus e sim um mero dois-em-dois, ambos os CDs numa caixa de CD duplo e olhe lá...

Ninguém reclamou, e a imprensa só comentou sobre a jovem guarda em si, de modo que a terceira edição em CD de Isto É Renato, em abril de 2005, foi mais grandiosa porém ainda mais decepcionante, numa caixa reunindo todos os álbuns da banda na Sony –16 CDs que bem poderiam ser oito e, ainda por cima, sem as faixas de compactos que não saíram nos álbuns oficiais – por determinação da própria banda! Eu não esperava que Renato e Seus Blue Caps fossem isso...

Vale a pena pedir uma reedição com as mixagens mono e estéreo (completa como no vinil, não é?), faixas bônus, fotos raras, letras, depoimentos, como na série Legacy dos EUA? “Outro dia vem, outro dia vai chegar e eu sempre a esperar...”

Pois é, Dona Sony, aprenda a me conquistar... 

 

“FELIZ, FELIZ ATÉ O FIM”

BIBLIOGRAFIA E AGRADECIMENTOS

Além dos livros citados, passei horas inesquecíveis na Coleção Digital de Jornais e Revistas da Biblioteca Nacional (até o nome é prático e bonito). E agradeço a Valdimir d’Angelo, Lucinha Zanetti, Ernando Vieira e a todo mundo que pesquisa sobre jovem guarda e rock brasileiro!

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