Wednesday, August 11, 2021

O MUNDO ENCANTADO DA RITALÂNDIA: RITA LEE E A DISNEY


Aqui vai mais uma amostra do livro que estou pesquisando e escrevendo sobre uma de minhas obsessões, a relação entre a Disney e a música brasileira. E eu vou apresentar pela enésima vez aquela que sempre é pra todos e todas vocês e que marca ilustre presença neste livro: Rita Lee. (Tem até notas de pé de página.)

Artista das mais versáteis, populares e bem-sucedidas, Rita Lee praticamente nasceu para aparecer na Disney. Para começar, todo/a artista nascido/a dos anos 1940 em diante já pegou um mundo disneyado por meio de filmes, discos, livros e tiras ou revistas de quadrinhos. Nascida em 1947, Rita sempre mostrou ser grande fã da Disney, desde a infância, quando teve (e guarda até hoje) um álbum de figurinhas da versão disneyana de Peter Pan e carreira musical adentro – inclusive inspirando uma canção sua de 1986 em parceria com Roberto de Carvalho, “Peter Pan”:

Perto dele eu me sinto em paz

Parece tudo um sonho, mas não é!

Peter Pan me leva e me traz

E a fada Sininho dança um belo balé! (1)

Mas a própria Rita se arriscou a dançar feio ao seus shows um número em que se se vestia de Peter Pan e sobrevoava o palco suspensa por um colete. “Se despencasse de lá era pescoço quebrado na certa, da série ‘uma boba da corte que não mede sacrifício para agradar a plateia’”, lembrou Rita anos depois no livro Rita Lee - Uma Autobiografia.

Já desde os Mutantes Rita Lee mostrava influências disneyanas, por sua própria iniciativa ou não. Foi ela quem incluiu “Quem Tem Medo Do Lobo Mau?”, o grande sucesso do desenho da Disney Os Três Porquinhos, em “Quem Tem Medo De Brincar De Amor”, no álbum A Divina Comédia Ou Ando Meio Desligado, de 1970; nos shows e na televisão (em programas como Jovem Urgente, da TV Cultura, exibido em 1969 e que hoje pode ser conferido no Youtube) Rita parodia o tema como “quem tem medo de fazer amor?”, coisa “obscena” demais para sair em discos na época. E no começo de 1969 os Mutantes fizeram shows em Portugal e na França e aproveitaram para passeios anglófonos na Inglaterra e nos EUA; circula na internet um vídeo do trio que inclui uma visita à Disneylândia assistindo a ninguém menos que Mickey regendo uma orquestra. Ah, quando a banda Mutantes foi disneyana não por sua própria iniciativa? Foi numa das melhores histórias da Disney, "Um Festival Embananado", publicada em dezembro de 1968 e onde a banda é parodiada como "os Gritantes". (2)



Quase dez anos depois, em 1977, Rita protestou contra sua prisão por porte de maconha usando em alguns shows uma roupa de presidiária com o número da cela que havia ocupado, X-21, à moda dos Irmãos Metralha (podemos conferir na capa do compacto “Arrombou A Festa”, de 1977). Na época, ela estava para ter seu primeiro filho, e acabou sendo a honrosa e honrada mãe de uma trinca a quem chama, carinhosa e disneyanamente, de "Huguinho, Zezinho e Luisinho", alusão aos famosos sobrinhos do Pato Donald, com direito a foto-legenda em sua autobiografia.



Realmente, parece que, pelo menos no século 20, Rita Lee lançou uma alusão à Disney a cada década. Cruela Cruel, vilã da clássica saga disneyana Os 101 Dálmatas que acaba de ganhar um filme-solo, foi lembrada em 1988 em mais uma parceria de Rita & Roberto, o rock “Cruela Cruel” (“it’s Heaven in Hell”), onde Rita se divertiu: “Personifiquei a diabólica perua disneyana”. E o título de seu show e disco ao vivo A Marca Da Zorra, lançado em 1995, é, sem dúvida, uma homenagem trocadilhesca ao Zorro da versão Disney.



Poderíamos passar um bom tempo procurando e encontrando alusões a Rita em gibis brasileiros da Disney. Aí em cima temos dois exemplos de uma mesma história do personagem Superpateta ("Superpateta, O Cantor Das Multidões", lançada em 1982. (3) Outra amostra é a história de 1981 “Baila Comigo”, estrelando Morcego Vermelho e que cita o sucesso homônimo de Rita no título e numa cena de um baile daqueles bem divertidos que só mesmo lendo o gibi para entender.


Rita ainda inspirou os nomes de pelo menos dois personagens, a cantora Rita Levis
(4), criada no Brasil, e a adolescente Pata Lee (5), originalmente italiana. 


Rita Levis aparece na história "D’Esse Tal De Rock’n’Roll", publicada no primeiro dia de 1985 – sim, preparando o ambiente para o primeiro festival Rock In Rio, que se realizaria dali a alguns dias, de 11 a 20 de janeiro! E esta história foi lançada na França como “L’Age Du Rock – Toute La Ville Chante” dois anos depois. Notem que Rita Levis canta "Yo No Creo, Pero...", um dos primeiros sucessos-solo de Rita Lee, que cita o famoso provérbio espanhol "yo no creo en brujas pero que las hay, las hay", e vejam só quem está na plateia e concorda em portunhol bem expressivo, dizendo "claro que las hay!": a famosa bruxa disneyana Madame Min.




Nesta história de Pata Lee, lançada na Itália em 1966 e que esperou para sair no Brasil e até 2017 e nos EUA até 2016, notem que, num raríssimo descuido, a tradução brasileira, feita a partir da tradução estadunidense desta história italiana, esquece de tirar o "'s" do cabeçalho. Va bene così.

Lembro-me de ter lido numa revista uma declaração de Arnaldo ou Sérgio Baptista sobre Rita mais ou menos assim: "Ela meteu na cabeça que era uma bruxa e poderia ter sido uma fada, mas não quis; 'a fada nunca erra, a bruxa é muto mais humana' - é assim que justifica a opção". (6) Pois bem, a feiosa mas simpática bruxa disneyana Madame Min teve mais uma associação a Rita: ela foi chamada de “Madame Min e seus Tutti-Fruttis” na (bem agressiva e mal-sucedida) canção sátirica “Macacos Coloridos” do compositor Mauro Celso (1951/1989), mais famoso por canções besteiróis como “Farofa-Fá” e “Bilu Teteia”. (7)

As fontes para este artigo incluem as páginas Inducks, A Gibiteca e EsquiloScans. E agradecimentos a Albert Pavão, André Felipe, Mauricio Pio Ruella, Rogério Kiss e Simoni Bampi. 


(1) A canção “Peter Pan” de Rita Lee e Roberto de Carvalho foi lançada por determinada artista marqueteira erótico-infanto-juvenil cujo nome não mencionaremos por motivos que não mencionaremos também – além de ela ter transformado “Hey Mickey”, sucesso de 1983 composto por Nicky Chinn e Mike Chapman e interpretado pela cantora estadunidense Toni Basil, em “O Mickey”, versão que, ao contrário do original, fala do rato disneyano.

(2) A história “Um Festival Embananado”, criada por Waldyr Igayara e Izomar Guilherme e publicada no gibi Zé Carioca de 3 de dezembro de 1968, faz um belo apanhado de sucessos lançados em festivais nesse ano. Dois deles são da fase paulista do Primeiro Festival de Música Universitária, promovido em várias capitais brasileiras pela emissora TV Tupi: “Só Com Você, Marilena”, composta por João Camargo Neto e defendida por um jovem Renato Teixeira, e “Que Bacana”, de Richard Carasso, defendida por Suely & Os Kanticus. Estas duas canções aparecem parodiadas no gibi como respectivamente “Mexerica”, cantada por Nestor, amigo de Zé Carioca – detalhe engraçado por si mesmo no contexto da história, apesar de hoje em dia  ser totalmente obscuro como referência para quem não acompanhou o festival na época nem ouviu o rapidamente esquecido refrão “Marilena, Marilena, pom, pom, pom” –  e “Que Banana”, com a banda “Os Gritantes”, sátira a Os Mutantes, que os autores da história confundiram com Suely & Os Kanticus, pela semelhança de estilo entre as duas bandas – por sinal, a cantora Suely Chagas havia cantado com Rita Lee antes de ela formar os Mutantes. (“Só Com Você, Marilena” conseguiu alguma sobrevida em alguns discos da chamada “pilantragem” em 1969...) E outras duas canções festivaleiras parodiadas neste gibi foram grandes sucessos no Terceiro Festival Internacional da Canção: “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque, e “Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores (Caminhando)” de Geraldo Vandré, respectivamente gozadas como “Andorinha” e “As Flores Não Florescem”, esta defendida por “Geraldo Banzé”. E nesta história não faltam detalhes que gozam o excesso de festivais (“35o Festival de Música Popular”) e personalidades como Caetano Veloso (“Zé Veloso”), o apresentador de televisão Chacrinha (mestre de cerimônias de festival) e o fanatismo exagerado das torcidas (“Eu voto em ‘Que Banana’! Não tenho seguro de vida!”) E esta história, além de engraçada até hoje, realmente foi longe: ela serviu de inspiração para a tela “Zé Carioca no. 6, Um Festival Embananado [The Festival Went Bananas] (1968). Edição Histórica, Ed. Abril. 2004”, pintada pela artista plástica mineira Rivane Neuenschwander (nasc. 1967) e atualmente numa coleção particular em Nova Iorque. 

(3) "Nós três numa viagem de Puma"? Sim, a letra original de "Banho De Espuma" diz "nós dois". Por quê "nós três"? Imaginei uma alusão meio velada - afinal, estávamos em 1982, numa ditadura militar - ao ataque terrorista que entrou para a História como "atentado do Riocentro", tão desastrado quanto costumam ser tais operações militares no Brasil, ocorrido no ano anterior, quando um automóvel Puma explodiu fora do horário planejado, matando um de seus dois ocupantes, ambos militares.

(4) Sim, Levis é alusão a uma famosa marca de trajes de jeans. Mais que nascida para a Disney, Rita Lee nasceu para vestir, "evidentemente" (como a própria dizia nos anos 1970), calças e jaquetas Lee, inclusive desde quando a marca era tão famosa quanto rara no Brasil.

(5) Pata Lee foi o novo nome brasileiro dado em 1984 à personagem disneyana dos anos 1960 Ieié, criada na Itália por Romano Scarpa em 1966 com o nome Paperetta Yè-Yè.

(6) Não me lembro do nome da revista, mas sei que era de mais ou menos 1970, da editora Monterey e de formato pequeno, e esta frase aparecia num balão de HQ dita por Arnaldo e Sérgio ao lado de Rita cantando a primeira estrofe de "Ando Meio Desligado" mudada para a flexão mais condizente, "desligada".

(7) Uma curiosidade adicional é esta canção de Mauro Celso dizer “o Elvis morreu e você, a viúva, apareceu” mas ter sido lançada em junho de 1977, cerca de dois meses antes do falecimento do Rei do Rock.)

1 Comments:

At 6:19 AM, Blogger Giovani Iemini said...

Rita Lee morreu. Me disseram que foi grande artista. Tb disseram pra ficar triste. Mas... Quem disse foram os jornalistas... Aí cansei de aceitar bobagens. Ela morreu? Que leve consigo sua ideologia.

 

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