Sunday, December 18, 2016

UM "MEXE" RICO: A SAGA DE "MEXA-SE" DE SÁ & GUARABYRA



Quem me conhece sabe que entendo o cansaço mas mal tolero a preguiça. E me lembrei de um conselho dos melhores e mais sucintos: “Mexa-Se”, que ficou ainda melhor em forma de canção (e num bom ¾), graças à dupla Sá & Guarabyra (auxiliados pela saudosa cantora Marisa Fossa). Já falei desta gravação aqui em meu blogue, e merece repetir em outro contexto.

Em 1975 a dupla Sá & Guarabyra estava recém-consagrada após a separação de Zé Rodrix, e havia também se revelado boa em publicidade & propaganda. “Só Tem Amor Quem Tem Amor Pra Dar”, lançada em 1973 (num compacto creditado a Guarabyra solo), é nossa “I’d Like To Teach The World To Sing”, canção de grande sucesso que nasceu como jingle de refrigerante-desentupidor-de-pia. E em 1975 Sá & Guarabyra repetiram a dose (no bom sentido) com outro jingle, “Mexa-Se”, para a campanha homônima da Rede Globo de Televisão.

Nada nem ninguém é totalmente bom ou ruim. A Globo tem sido acusada de bitoladora, absolutista, lacaia do governo “mais oficial que a Voz do Brasil”, alienante e outras coisas mais, Mas é também produtora de bons programas (quando são bons - inclusive Guarabyra fez parte da equipe de alguns dos FICs), e é inegável que ajudou a revelar ou divulgar (em clipes no Fantástico, programas como Som Livre Exportação e seus festivais dos anos 1980 e por sua gravadora, a Som Livre) artistas como Mutantes sem Rita Lee e vice-versa, Djavan, Raul Seixas, Tuca, Jorge Mautner, Waltel Blanco e tantos outros. E foi a Rede Globo que lançou a campanha Mexa-Se, como parte da então nascente conscientização mundial de cuidado com o corpo. Já se falava em paz mundial, ecologia, caderneta de poupança, e agora era a vez de lembrar da origem de tudo isso: para ter mente sã é preciso corpo são. Começavam as campanhas contra drogas, a atenção para a relação entre câncer e tabagismo e práticas como o método de exercícios físicos do médico Kenneth Cooper e campanhas como Esporte para Todos, o Plano Nacional de Educação Física e Desportos do governo federal e esta “Mexa-Se”, a primeira a ter grande repercussão nacional (o poder da Globo serviu para uma coisa boa); a campanha publicitária do “Mexa-Se” na televisão ganhou até um Troféu Imprensa em 1976 – embora, como segunda grande curiosidade, eu não a tenha encontrado na internet. Qual é a primeira? É que “Mexa-Se” foi lançada em compacto ainda em 1975 mas sem o conhecimento de Sá & Guarabyra, segundo a dupla me disse quando a entrevistei para a FM 97 em janeiro de 1987 e atestaram na dedicatória de meu exemplar do disco! (Viram na foto acima?)

Não sei que mistério esconde a campanha de “Mexa-Se” da internet (embora haja outras mais recentes e igualmente bem-vindas campanhas usando o mesmo mote), mas entendo algo de como são as gravadoras brasileiras. “Mexa-Se” foi lançada em compacto trazendo no lado-B a bela “Xote Correntino”, de Cadernos De Viagem, segundo LP da dupla. Mereceria ter sido faixa bônus na primeira edição em CD deste disco, de 1994, mas no começo dos anos 1990 nossas gravadoras quase sempre ainda lançavam CDs raciocinando em termos de LPs. “Mexa-Se” foi promovida a CD na super-bagunça que é Super 3, caixa de três CDs lançada em 2008 com apenas 34 faixas desta nossa dupla S&G (melhor que a outra, em minha opinião), incluindo toas as faixas do LP Cadernos De Viagem espalhadas ao longo dos três CDs, como páginas largadas ao pó da estrada.

O lançamento de “Mexa-Se” em disco pode ter sido surpresa para a dupla, mas a canção esteve bem presente nas lojas de discos também com outros intérpretes – sem falar em diversas outras canções e até LPs inspiradas no mote ou pegando carona nele. “Mexa-Se” deixou o compasso ¾ pelo 2/4 do samba nas gravações da Big Banda Do Canecão (LP Big Banda Do Cancão No. 11, selo Polyfar, 1975) e do grupo de estúdio Os Bichos (LP Parada De Sambas – Pesquisa dos Sucessos, Vol. 1, RCA Camden, 1975). Note-se neste LP dos Bichos que “Mexa-Se”, além de ser a primeira faixa do lado 1, é a única canção deste disco a não ser agrupada em pot-pourri – e também foi lançada em compacto simples e faixa-título e de abertura de uma coletânea de diversos artistas (intitulada Mexa-Se - Ponha Mais Vida Em Sua Vida) da mesma gravadora.


Sim, a RCA “mexeu-se” – e não ficou “só” nisso, lançando também algumas das canções inspiradas no mote da campanha. Uma é a marchinha carnavalesca “(A Onda É Mexer (Mexa-Se)", do grande Archimedes Messina em parceria com Belmiro Barrela e Roberto Amaral, lançada por este último (em compacto duplo e no LP Carnaval, Amor E Fantasia) em 1976. No mesmo ano Juca Chaves lançou sua marcha-rancho “Mexa-Se”, em mais um belo exemplo de seu lirismo bem humorado e malicioso, usando o verbo “mexer” como Dorival Caymmi em seu samba “Vatapá”.




Outras gravadoras ofereceram ao carnaval de 1976 marchinhas intituladas “Mexa-Se”. Uma é do compositor Brasinha (Gustavo Thomás Filho, 1925/1998 , autor ou co-autor de clássicos momescos como “Zé Marmita”, “A Lua É Dos Namorados” e “Kung-Fu”), e foi lançada por Djalma Dias no LP Convocação Geral Carnaval 75 (Som Livre, 1975). A outra é assinada por Bené, J. Batista, Santo e Altair – mas, francamente, era mesmo necessária tanta gente para assinar uma marchinha que rima “tartaruga” com “pula” da forma mais tosca? O arranjo do saudoso Záccaro e a interpretação de José Augusto tornam audível esta marchinha lançada no LP Brazil Carnaval Export 76 (Polydisc, 1975)

Não, este José Augusto não é o famoso cantor brega carioca (nascido em 1953) de sucessos como "De Que Vale Ter Tudo Na Vida", "Eu Quero Apenas Carinho" e “Aguenta, Coração”, e sim um xará mais antigo de Sergipe (1936/1981). E a saga de “Mexa-Se” envolve ainda outro caso de artistas homônimos – só que à revelia. Explicarei.

Em 1975 a gravadora Padrão aproveitou a onda do “Mexa-Se” com um LP intitulado Mexa-Se: Rock And Roll E Outros Ritmos creditado a “The Pop’s” com participação de “Anne & Peter”. Sim, The Pop’s é um dos mais ilustres grupos cariocas de pop-rock dos anos 1960 e começo dos 1970. Sim, o selo Padrão era uma espécie de sucessor do Equipe, para onde gravavam The Pop’s. Só que o repertório deste LP não foi gravado por eles! Algumas faixas são do grupo inglês The Hobos, tiradas de seu LP Sounds Wild Like Slade – que até foi lançado aqui pela mesma Padrão na mesma época! – , e outras são creditadas a esta dupla “Anne & Peter”, para mim ainda misteriosa, Quem souber de algo a respeito, “mexa-se” e nos diga.

Sim, este "disco de The Pop’s sem The Pop's" é um caso similar ao "LP do Sunday sem o Sunday" que a RGE lançou no começo dos anos 1970 – o próprio Hélio Costa Manso me esclareceu que o disco não passa de uma coletânea de covers fantasmas estrangeiros. (Aconteceu algo assim com os Incríveis, que no fim dos anos 1970 tornaram-se pouco mais que apenas um nome usado pela RCA, mas felizmente a banda verdadeira redimiu-se em tempo numa reunião para um de seus melhores discos, em 1981.)

E para ouvir quase todas as gravações supracitadas, “mexa-se” com seu ratão para .

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