Ê, TREM BÃO, PONTUAL E SEM PARAR HÁ 50 ANOS
Estão se completando 50 anos do grande sucesso do samba "Trem Das Onze", não só a vencedora do carnaval carioca de 1956, mas também uma das canções brasileiras mais conhecidas em todo o mundo. Aqui vai um "estudo" que produzi para o programa Rádio Matraca sobre este samba.
Adoniran compôs “Trem das Onze” em 1961, mas originalmente o samba era muito longo e Adoniran, que tocava apenas algumas notas no violão e flautim, demorou para conseguir ensiná-lo aos Demônios, e isso causava briga em todos os ensaios do grupo. Os Demônios tiveram de fazer um belo trabalho de copidesque e edição no samba (incluindo a famosa frase "pascalingundum", não "faz caringudum" como muita gente ouve), que ficou pronto em 1964. O disco com “Trem das Onze” foi lançado em agosto e fez tanto sucesso que conseguiu duas grandes façanhas. Uma foi ser a composição mais cantada no Rio de Janeiro, justamente no carnaval de Quarto Centenário da cidade, em 1965. A outra foi se tornar uma das composições brasileiras de maior sucesso no exterior, a partir de uma versão em italiano; inclusive, “Trem das Onze” foi uma das cem canções de maior êxito na Itália nos anos de 1960. Muitos cariocas não se conformaram com o sucesso de “Trem Das Onze”, uma canção paulista até a medula. Houve quem comentasse: “Imagine se carioca, quando está com mulher, vai ligar para horário de trem e mãe esperando em casa.” O grande Stanislaw Ponte Preta, apesar de carioca, não se rendeu ao bairrismo de Vinicius de Moraes e outros, inclusive contestando-o (“São Paulo pode ser o túmulo do carnaval, sim, mas do samba não”), e defendeu entusiasticamente a paulistaníssima “Trem das Onze”. Tanto defendeu que acabou plagiando-a sem querer em sua composição “Samba Do Crioulo Doido”, nesse trecho que acabamos de ouvir. Este samba de Stanislaw foi lançado em 1968 pelo Quarteto em Cy e fez grande sucesso. Ao ser lembrado de que cometera um plágio acidental, Stanislaw não se apertou e disse: "A minha música não fala em trem? Fiz de propósito, pra lembrar mesmo."
Na Itália, onde os trens eram muito mais pontuais que no Brasil, a ênfase da letra de “Trem Das Onze” foi transferida para o amor filial, e a versão chamou-se “Figlio Unico”, composta e gravada em 1966 por Riccardo Del Turco, na mesma levada de sambas à italiana como “Meglio Stasera” e “Quando Quando Quando”.
Uma prova do sucesso mundial de "Figlio Unico" está neste anúncio da Billboard de 7 de janeiro de 1967 (leiam a última, mas não menos importante, linha).
“Figlio Unico”, a versão italiana de “Trem Das Onze”, fez tanto sucesso que não demorou ela mesma a inspirar outras versões. Uma delas é do grupo belgradiano 4M, gravada em 1967 e com o título “Jedinac Sin”, que significa “Filho Único” em iugoslavo. Detalhe: no selo do disco dos 4M aparece apenas o nome de Riccardo Del Turco, não o de Adoniran.
E o cantor espanhol Erasmo Mochi gravou uma versão em espanhol, "Hijo Unico", também em 1967. O próprio Adoniran execrou esta versão, dizendo “Rrrrrruim! Como ele canta mal, e ainda diz ‘vivo em Maringá’!” (Notem que neste caso a situação se inverteu: o selo do disco credita apenas Adoniran e omite Riccardo Del Turco.)
Vinte anos depois, o cantor hebraico Matti Caspi gravou um álbum só de canções brasileiras em hebraico, Crazy Pais Tropical, lançado em 1987, e incluindo uma versão de "Trem Das Onze" bem fiel à original, nada de Maringá. O título é “Afilu Daka”, ou seja, “nem mais um minuto”, e a letra diz “nem mesmo mais um minuto posso ficar, já é tarde, não fiques brava comigo, tenho de pegar o último trem desta noite, exatamente às 11 horas, e minha mãe não dorme sem mim”. Realmente, uma versão em hebraico teria de falar em mãe...
Em 1994 a grande dupla gaúcha de humor musical Klaunus & Pletskaia cantou "The Eleven’s Train", uma versão de “Trem das Onze” em inglês macarrônico. E em 2001 foi lançado na Itália o CD Buena Vista Social Ska, com versões em ska de grandes sucessos da música pop italiana. Um deles é justamente “Figlio Unico”, ou seja, “Trem das Onze” em italiano. E esta versão em ska é interpretada pelo grupo Arpioni e cantada no feminino, ou seja, “Figlia Unica”, por uma mulher, Begoña Bang-Matu.
Como toda canção de grande sucesso, “Trem das Onze” inspirou muitas imitações, continuações e paródias. Uma das primeiras foi “Desculpe, Mãe”, composição de Enock Figueiredo, com um grupo chamado Anjos do Sol; até o nome tem alguma semelhança com Demônios da Garoa. E os Quatro Azes e Um Coringa foram um dos grandes grupos vocais brasileiros e um dos mais imitados pelos próprios Demônios. Com o sucesso de “Trem Das Onze”, os Quatro Azes não resistiram a imitar seus imitadores, embora com sutileza, em "Reza Por Mim", composição de Roberto Faissal.
A demolição da estação Jaçanã de trem, para construção da avenida Radial Norte e modernização da Zona Norte de São Paulo, começou a ser planejada em 1964 e foi efetivada em 1966. Começaram a surgir as primeiras composições a aproveitarem o sucesso de “Trem Das Onze” pelo lado nostálgico. A pioneira foi “Adeus, Cantareira”, de Frederico Rossi, lançada pelos Demônios em 1965. Outra das muitas imitações/continuações de “Trem Das Onze” é “Penha-Lapa”, gravada pelos Azes da Melodia em 1965. A composição é de Doca e Ivan Pires, que também chegou a ser integrante dos Demônios da Garoa. Curioso é que o título do samba está creditado no selo do compacto como “Penha-Lapa”, mas o grupo canta “Lapa-Penha”.
Tom Zé, o tropicalista não-paulistano que mais afinidade tem com São Paulo, homenageou Adoniran em várias de suas canções, e uma delas é esta, “A Volta Do Trem Das Onze”, lançado em 2005. E este que vos escreve compôs e gravou em 2000 “O Trem Das 10 (Podia Ser De Qualquer Hora)”, sobre o atraso costumeiro dos trens paulistanos até então (se bem que de lá para cá a situação tem melhorado um pouco).
E quase tudo isso pode ser conferido aqui, dirijam-se para o atalho de embarque e boa viagem!
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