Sunday, September 28, 2014

UM TÓPICO REALMENTE ALICIANTE


Aqui vai outra matéria que escrevi para a saudosa revista Metal Massacre em 2001, sem atualizações porém "remixada" e “remasterizada”.


ALICE COOPER

por Ayrton Mugnaini Jr.

“O telefone está tocando/você me pegou na corrida...” É isso mesmo, sou fã de Alice desde aquele dia de 1972 em que um amigo lá em Soroqueibol me apresentou o LP Killer, que acabava de ser lançado no Brasil. Hoje, quase 30 anos depois, reouço a edição em CD e concluo que vale a pena continuar adolescente com discos tão bons quanto este. Mas parte de mim insiste em crescer – calma, gurias, refiro-me desta vez a meu intelecto; após décadas de trabalho como crítico, pesquisador musical e compositor, continuo gostando de boa parte da obra de tia Alice e seus sobrinhos; discos como Killer e School’s Out me soam hoje ainda melhores, em todos os sentidos (só parei de ouvir os LPs quando adquiri as primeiras edições em CD).


"SOU ASSASSINO, SOU PALHAÇO..."

Talvez nenhum roqueiro de qualquer época tenha superado Alice Cooper na musicalização de temas mórbidos e negativos como morte, violência e decadência física, mental e espiritual. Sim, antes de Alice tivemos grupos que se deram bem abordando tais temáticas, como os Doors, os Stones, Lou Reed e o Velvet Underground, os Fugs, Iggy Pop com ou sem os Stooges; na mesma época e depois, surgiram os New York Dolls, o Black Sabbath, o Iron Maiden e o Marilyn Manson, sem falar no Slayer e em todo o death-metal. Mas Alice ainda é o campeão, por saber abordar tais assuntos com profundidade e, ao mesmo tempo, bom humor, já que o bom rock and roll, por definição, quase nunca se leva a sério; sem falar na qualidade musical de boa parte de sua obra – discos como Billion Dollar Babies e os citados Killer e School’s Out passaram no teste do tempo, apreciáveis e apreciados até hoje mesmo por quem não entende patavina de inglês.

“Minha banda é uma adaga no coração da ‘love generation’”, comentou Alice nos anos 1970. De fato, Alice soube e ainda sabe dar à juventude o que ela quer; afinal, quase todo adolescente torce para o Lobo Mau comer os Três Porquinhos – ou, já que Alice gravou na Warner, torca para que o Coiote pegue o Bip-Bip. Bem resumiu Alice: “Os EUA são só sexo, morte e dinheiro”. Alice é trilha sonora ideal para quem gosta dos Três Patetas, Zé do Caixão, filmes B em geral, vaudeville/burlesco baixaria, ou seja, grand-guignol – ou, em bom português, “trash”, por sinal título de um dos discos de Alice. Enfim, o estilo de Alice Cooper foi bem definido pelo saudoso Ezequiel Neves como “teatrinho infantil desbundado”.

FUI APANHADO NUM SONHO

O primeiro grande sucesso de Alice, “I’m Eighteen”, foi descrito como o equivalente ianque de “My Generation” do Who: “Sou menino e sou homem/tenho 18 anos e não sei o que quero/preciso sumir daqui”. Salvo engano, Alice foi o primeiro artista a reverter o rock aos adolescentes que eram seu maior público nos anos 1950. É que nos anos 1960 o rock havia se tornado “adulto” demais, falando de paz e amor, problemas sociais, a decadência do Império Britânico, casamentos e divórcios, encrencas com polícia, ladrões e traficantes, pactos com anjos e demônios, incesto, homossexualismo e outras heranças da literatura “cabeça” de beatniks e existencialistas em geral; até uma máquina de fliperama era pretexto para uma reflexão sobre religiões e lideranças. Foi Alice quem voltou a cantar sobre as crises da adolescência, inclusive sem a pentelhação da censura que vigorara nos anos 1950 e início dos 1960 – e sem preocupações com bobagens como bom gosto ou, como se diz hoje, ser politicamente correto.

Por sinal, o único tabu que Alice Cooper não conseguiu emplacar nos EUA foi a androginia. Afinal, tratava-se de um país cuja maioria era de machões ou mulheronas sem meio termo; quando os homens deixavam crescer o cabelo, precisavam contrabalançar com barbas e bigodes para demonstrar que continuavam machos. Bem resumiu o citado Wayne County (que nos anos 1980 mudou de sexo e de nome, Jayne County): “Alice Cooper precisou parar de usar sapatos de mulher com fivela atrás e cílios postiços e vestidos e se concentrar mais no horror, porque o povo nos EUA conseguia entender horror e sangue e bebês mortos, mas não conseguia entender sexualidade masculina/feminina, androginia, ou... como diziam os rapazinhos estadunidenses, música de viado.”

Talvez por influência do existencialismo à francesa em todo o mundo desde os anos 1940/1950, androginia nunca foi novidade no rock and roll, de Little Richard a Prince, passando por Edgar Winter, David Bowie, Marc Bolan, os Smiths e o Suede. Embora não tenha conseguido vender androginia para os ianques, Alice conseguiu ser o primeiro estadunidense a se dar bem com o glam-rock simples e dançante dos bretões Bowie, T. Rex, Slade e Gary Glitter; Lou Reed e o Kiss foram apenas dois conterrâneos que pegaram carona na fama de Alice e se deram bem.

COMO VOCÊ VAI ME VER AGORA

Ao se tornar artista solo em 1974, Alice Cooper se revelou, tal como os Bee Gees ou o Pink Floyd, mestre em baladas que apenas parecem melosas e românticas: “Only Women Bleed”, “I Never Cry”, “You And Me”, “How You Gonna See Me Now”... O jornalista Jeff Pike reparou que a “balada heavy” é mais uma tradição que se deve a Alice (talvez os únicos antecedentes sejam “Changes” do Sabbath e, forçando um pouco, “Child In Time” e “Mistreated” do Deep Purple); após o sucesso de “Only Women Bleed”, vieram “Beth” do Kiss, “Waiting For A Girl Like You” do Foreigner, “I’ll Be There For You” do Bon Jovi, “Patience” do Guns’n’Roses...

Por sinal, Alice não foi exceção à “teoria do vácuo” no rock. Ao despedir seu grupo e trocar o rocão pelas baladonas (embora mantendo a temática das letras), seu lugar foi tomado por artistas como os já citados Wayne County e Marilyn Manson, os básicos Ramones, Twisted Sister, Iron Maiden, o Aerosmith (que, por sinal, participa do disco Trash de Alice).

ELA PERGUNTOU “POR QUE O CANTOR SE CHAMA ALICE?” EU DISSE “VOCÊ NÃO IA ENTENDER...”

O início da história de Alice (o grupo) não é muito diferente de tantos grupos de garagem que surgiram nos EUA nos anos 60.

Os personagens desta história são Vincent Furnier (nascido a 4/2/1948 em Detroit e criado em Phoenix, no Arizona), os guitarristas Michael Bruce (16/3/1948) e Glen Buxton (10/11/1947), o contrabaixista Dennis Dunaway (9/12/1948) e o baterista Neil Smith (23/9/1947). Todos moram em Phoenix e formam seus grupinhos adolescentes com amigos e colegas de escola, chegando a gravar compactos independentes aqui e ali (tal como Michael Bruce e os Wallpapers). Em 1965 estes cinco companheiros se unem num mesmo grupo, chamado Earwigs. Em 1966 mudam o nome para Spiders, e no ano seguinte gravam um compacto, “Don’t Blow Your Mind”, grande sucesso em Phoenix, mas que com o tempo se torna mosca branca de olhos azuis, ou seja, mais raro que a raridade.



Por esta época, Vincent se torna “eighteen”, e participa de uma sessão espírita, onde recebe uma informação muito interessante: ele é nada menos que a reencarnação de uma feiticeira do século 17, chamada, é isso mesmo, Alice Cooper. Este nome soa bem mais chamativo e roqueiro que Vincent Furnier, e nosso amigo passa a atender por ele.

De ano em ano as coisas vão acontecendo. Em 1968 os Spiders resolvem tentar a sorte em Hollywood, e mudam mais uma vez o nome; agora atendem por The Nazz e gravam mais um disco, “Lay Down And Die, Goodbye” (uma granada punk de dois minutos que se tornará uma viagem de sete minutos e meio no segundo LP do grupo, mas já chegaremos lá).

Único problema: outro grupo chamado Nazz (igualmente inspirado em “The Nazz Are Blue” dos Yardbirds), liderado por Todd Rundgren, torna-se sucesso nacional com “Hello, It’s Me”. Então o grupo muda de nome ainda uma vez, para Alice Cooper – antecipando a mania dos grupos brasileiros dos anos 80/90 de usarem nome feminino (Garotas Que Erraram, Viúva Velvet, Velhas Virgens e por aí vai).

Alice Cooper, o grupo, vai fazendo shows pela Califórnia. Diz a lenda que eles conseguem esvaziar a casa noturna Cheetah, o que chama a atenção de Shep Gordon, empresário de Frank Zappa, que acha isto muito interessante e resolve chamar o grupo para aumentar sua coleção de artistas bizarros para dois selos que a Warner Bros. lhe confiara para dirigir, Straight e Bizarre, turma esta que já incluía Captain Beefheart, Wild Man Fischer e Girls Together Outrageously (um grupo formado por groupies). Assim Alice lembra como foi a gravação do primeiro LP, Pretties for You, em novembro de 1968: “Por uma semana inteira ficamos no estúdio tocando cada música cinco ou seis vezes com Herb Cohen (gerente comercial de Zappa) e Frank Zappa lidando com os níveis de gravação na sala de controle. A gente pensou que estava só ensaiando, se esquentando pra gravar as bases e experimentar, quando Zappa saiu do aquário e disse “OK, o LP de vocês estará pronto na quinta-feira. Eu disse “Tem alguns erros nesse material. A gente nem estava pronto pra gravar”, mas ele só me deu um tapinha no ombro e disse “Não se preocupe. Não se preocupe. A gente vai dar um jeito em tudo na mixagem.” A gente só foi ver ou ouvir o disco seis meses depois.”

Pretties for You faz sucesso pequeno porém animador para um grupo ainda desconhecido e tão anticomercial. Alice: “Fizemos um show em Glenville, Michigan. Chegamos ao motel, lá não tinha televisão, e no salão só cabiam duzentas pessoas. Eu achei que a noite ia ser uma bela roubada. Então subimos ao palco, e o lugar estava cheio – e comecei a cantar, e TODOS OS GAROTOS NA PRIMEIRA FILA sabiam todas as letras de Pretties For You. Dá pra imaginar qual foi a sensação? EU nem sabia todas as letras do disco, e estes moleques daquela cidadezinha conheciam cada música.”

A crítica não gosta dos dois primeiros discos de Alice, considerando-os garagentos demais, mas os malucos adoram. E a gravadora percebe que falta apenas um bom produtor para desenvolver o potencial do grupo. Entra em cena o canadense Bob Ezrin, que faz de Love It To Death a primeira obra-prima de Alice, incluindo o primeiro grande sucesso nacional, “I’m Eighteen”. A parceria rende vários LPs clássicos do rock, incluindo discos-solo de Alice como Welcome To My Nightmare e Dada.

A imagem do grupo também ajuda, e muito, com Alice satirizando o sadomasoquismo, fingindo matar bonecas e ser guilhotinado em pleno palco, além de repartir o show com uma cobra. “Há muitos anos, quando estive na Jamaica, eu vi uma dança de cobra. Todo mundo na platéia ficou hipnotizado. Quando saíram do show, cada um reagiu de um jeito diferente. Achei que foi a coisa mais engraçada que eu já tinha visto. Uma mulher achou o máximo em sexualidade. Um cara quase morreu de susto, porque tinha medo de cobras. Mas todo mundo REAGIU. Dizem que não dá mais para fazer os jovens reagirem. Mas com a cobra eles REAGEM. Eles riem, se arrepiam de medo, gritam de alegria.”

Não demoram a surgir lendas, como Alice (ou Zappa? Já ouvi estas duas versões) comendo excrementos ou bebendo baldes de cuspe de membros da platéia em pleno palco. E o mito de que Alice mata galinhas nos shows tem origem num fato real: “A gente estava em Londres, ou no Canadá, estávamos tocando com Zappa, e alguém jogou uma galinha no palco. A gente estava tocando do lado de fora, e tinha uma varanda. E eu peguei a galinha, e eu acreditava de todo o coração que galinha voava. Então joguei a galinha para cima, e ela bateu no topo da varanda, e ela caiu na platéia, e foi rasgada em pedacinhos. Depois eu fiquei sabendo que eu tinha aberto o pescoço dela com uma dentada e sugado-lhe o sangue. Se as pessoas gostam e querem acreditar...” Poucos reparam, por exemplo, que, após um show cheio de sangue e violência, Alice impede que outro membro da banda pise numa barata: “NÃO! É uma coisa viva, não faz mal pra nenhum de nós, não há porque matá-la.” Pois é, imagem é tudo...

NA TERRA DE TIA ALICE

Nos anos 70, antes da grande explosão do rock no Brasil (imposta pelas gravadoras multinacionais ou não, isto é outra história), conta-se nos dedos de meia mão os artistas roqueiros ou aparentados que vieram no auge fazer shows em nosso país: Genesis, James Brown, Jackson 5. Sendo o Brasil derrotista por excelência, de repente baixou-se o decreto não-oficial de que, tendo vindo cantar aqui, Alice não prestava mais. Então os discos pararam de vender, Alice virou “várzea” e só foi reabilitado nos anos 1980.

Steve Gaines, jornalista que ajudou Alice a escrever sua autobiografia, Me, Alice, conta: “O manuscrito original começava com uma cena no Brasil onde dezenas de milhares de fãs num concerto foram mesmo esmagadas contra o palco e Alice assistiu horrorizado. Eles me fizeram substituir esta parte com uma história boba de Alice brincando de detetive” Muito mais interessante é quando Alice fica sabendo que é chamado de “Tia Alice” no Brasil: “Tia Alice” “Aunt Alice! It’s very funny!”

ALICE DE CORAÇÃO DURO

O dinheiro sempre foi o grande teste para as pessoas, e Alice acaba não resistindo. Logo o grupo começa a reclamar de que Alice prefere posar para revistas ao lado de atores, atrizes e modelos que seus companheiros, além de “estragar” as melodias dos parceiros com letras “doidonas”. “Eu componho músicas para o primeiro lugar nas paradas, “Never Been Sold Before”, “School’s Out”, “I’m Eighteen””, diz Michael Bruce, “daí Alice põe as letras doidas dele e as músicas não são mais para o primeiro lugar, são apenas músicas que servem para a imagem de palco que construímos.”

O próprio Alice, mestre em brincar de ser sério e levar a sério a brincadeira, diverte-se ao falar de suas letras. Na época do disco Muscle Of Love, ele comenta com um repórter sobre os primeiros versos que acaba de escrever para a faixa-título, a lápis numa folha de caderno: “Joey levou-a para a matinê/disse ‘Deus, ela não parava...’” Alice diz ao repórter: “Você vê como minhas letras são sutis? Está impressionado com a finesse?” O repórter pergunta quanto tempo Alice levou para escrever a música. “A MÚSICA? Eu escrevi as letras do disco inteiro em um dia, assistindo os programas de variedades na televisão. Quero dizer, do que é que se precisa para escrever este tipo de coisa, afinal? O resto da banda me dá os instrumentais, e eu escrevo as letras em algumas horas. Não é exatamente literatura imortal.” E, ao que consta, Alice caprichou nas letras de Muscle Of Love por mais tempo que as do disco anterior, Billion Dollar Babies.

Mais trágico é o destino do guitarrista Glen Buxton, que no início era o melhor músico do grupo, o único que sabia ler partituras e que inclusive ensinou Dennis a tocar contrabaixo. Uma mistura de fama e dinheiro com bebida alcoólica foi fatal, causando-lhe decadência física quase completa, inclusive perdendo quase todo o pâncreas. Não é à toa que desde 1971 ele precisa ser suplementado em discos e shows (por amigos que quase sempre permanecem anônimos como Rick Derringer – na faixa “Under My Wheels” – , Dick Wagner e Steve Hunter) e nem toca em Muscle Of Love. Se Alice queria ser um novo Stones, Glen acabou sendo seu Brian Jones. Após o fim da banda original, Buxton forma a banda Virgin em 1985 doze anos depois participa de um disco, Antbee, reunindo todos os velhos companheiros, exceto Alice. Glen acaba falecendo de enfisema e pneumonia em 19 de outubro de 1997, pouco antes de emplacar 50 anos.

Por sinal, em 1977 Michael Bruce, Dennis Dunaway e Neal Smith formaram a banda Billion Dollar Babies, gravando um LP, Battle Axe; eles podem continuar bons compositores, mas o carisma de Alice faz falta.

E Alice segue em frente. Seu único grande problema é o alcoolismo, chegando a ser grande acionista da cerveja Budweiser; no fim dos anos 70 ele se livrou do vício, inclusive exorcizando-o em seu disco From The Inside (com muitas letras escritas por Bernie Taupin, o letrista de Elton John; anos depois ele gravará um bom disco new-wavesco, Flush The Fashion, ao lado do mais ilustre guitarrista de Elton, Davey Johnstone). No fim dos anos 70 alguns críticos o chamam de “piada velha” e outros o acusam de tentar seguir novas modas. Mas pelo menos algumas de suas músicas têm traços do velho brilho: “Gail”, “Pain”, “Aspirin Damage”. E Alice virou uma espécie de Vincent Price (que, aliás, participa de Welcome To My Nightmare do xará) do rock, aparecendo em vários filmes – Wayne’s World, A Hora Do Pesadelo Parte 6 (como o pai de Freddie Kruger) e gravando um dueto com Rob Zombie (do grupo White Zombie) para um disco tributo à série Arquivo X. Além disso, Alice mantém um restaurante próprio na cidade em que se criou, Phoenix, no Arizona, Sim, Arlo Guthrie, existe um verdadeiro “Alice’s Restaurant”.

CURIOSIDADES

* Alice, famoso como o maior pseudo-psicopata do rock, encontrou-se com o maior psicopata de verdade, Syd Barrett, do Pink Floyd. Ou melhor, quem conheceu Syd foi Glen Buxton, quando foram vizinhos em Venice, na Califórnia. Assim Glen lembrou o episódio: “Eu não me lembro dele dizendo duas palavras. Não que ele fosse esnobe: ele era uma pessoa muito estranha. Ele nunca falava, mas a gente sentava para jantar e de repente eu pegava o açúcar e passava pra ele e ele dizia “Sim, obrigado”. Era como se eu o ouvisse pedindo “Passe o açúcar” – era como telepatia.”

Um bom livro sobre Alice é Billion Dollar Babe de Bob Greene, escrito como um documentário da gravação do disco Muscle Of Love e os shows da mesma época.

* Alice Cooper ainda não cantou um tema de filme de James Bond, mas bem que tentou. No final de Com 007 Viva E Deixe Morrer vê-se o lembrete de que o próximo seria Man With The Golden Gun. Então Alice não perdeu tempo em compor uma música com esse nome, gravada no disco Muscle Of Love, com canja de Liza Minnelli e tudo. “Já pensou? O filme ainda em produção e já tem uma música com o mesmo título tocando em um milhão de lares”, divertiu-se Alice. “Eles vão ter de usar esta música como tema do filme.”

* Quem cuidava das famosas cobras de Alice era um roadie inglês, Andy Mills. Quando Alice veio ao Brasil, Andy gostou tanto que acabou ficando. Inclusive, ficou amigo de Rita Lee, a ponto de ter com ela um romance rápido e colaborar em seus primeiros discos-solo pós-Mutantes, Atrás Do Porto Tem Uma Cidade e Fruto Proibido. Dizem que é esta a razão de Arnaldo Baptista, ex-marido de Rita, ter cantado “não gosto do Alice Cooper/onde é que está meu rock and roll?”

* Alice Cooper deve ter frequentado, junto com John Lennon e Caetano Veloso, o mesmo Instituto Universal de Auto-Referência. Ainda em sua fase garageira psicodélica, ele homenageou nomes antigos de seu grupo nas faixas “Return Of The Spiders” e “Earwigs To Eternity”, e cita a si mesmo em “Be My Lover” (embora esta seja composição do guitarrista Michael Bruce) e “Hard Hearted Alice”.

* Alice daria um símbolo da Warner Bros. ainda mais engraçado que o Pernalonga – uma de suas gravações se chama justamente “Luney Tune”, alusão às “Looney Tunes” dos desenhos da Warner.

* No rock, assim como na música popular em geral, originalidade não é sinônimo de qualidade. “Alice caga em cima de tudo, plagia tudo”, resumiu a primeira edição brasileira da publicação Rolling Stone. Alguns exemplos: “Billion Dollar Babies” lembra “Tell Me To My Face” dos Hollies, “Be My Lover” aproveita o riff de “Sweet Jane” e “Baba O’Riley”, “Titanic Overture” é uma esculhambação com “Going Out Of My Head” de Teddy Randazzo, a capa de School’s Out é “baseada” em Thinks: School Stinks, de 1970, do grupo inglês Hotlegs (que logo mudaria para 10 CC) “Elected” recicla o riff de “Dolly Dagger” de Jimi Hendrix, o arranjo de partes de Quadrophenia do Who e a melodia inicial de “Reflected” do... próprio Alice, faixa do primeiro disco.

* Alice sempre foi grande fã da música popular norte-americana que não fosse rock and roll. Além de incluir no disco School’s Out temas do musical West Side Story de Leonard Bernstein, nos anos 70 ele declarou que adorava ficar ouvindo Burt Bacharach e que as únicas músicas que gostaria de ter composto eram “My Funny Valentine” e ‘The Lady Is A Tramp”.

* Ciente da importância da imagem, Alice foi também pioneiro do telão em shows de rock. Seus shows de 1973-4 foram os primeiros a incluir câmeras que focalizavam seu rosto em close e o projetavam numa grande tela – sim, um “telão” – logo acima do palco. 

Se existiu alguém altruísta a ponto de literalmente dar a camisa pelo irmão, foi Glen Buxton. Ele contava que uma noite ficou bebendo com Jim Morrison até de manhã, e no dia seguinte. Bem cedinho, Jim precisava tirar uma foto para uma capa de disco dos Doors. Pois bem, de manhã Jim não só estava na maior ressaca, como nem camisa ele tinha. Então Glen lhe emprestou uma camisa roxa que estava usando. Pode conferir: é esta a camisa que Jim está usando na capa do disco Waiting For The Sun dos Doors.

* Bob Ezrin, o George Martin (ou, para quem preferir, o Rogério Duprat) de Alice Cooper, o produtor que soube canalizar o potencial da banda e levá-la ao sucesso, usou uma artimanha curiosa para que este sucesso fosse ainda maior. No Canadá dos anos 1960 para 1970 as emissoras de rádio eram obrigadas por lei a privilegiarem artistas locais; então Ezrin, que é canadense e tocou teclados em algumas faixas de Love It To Death, incluiu na capa do disco o crédito “‘Toronto Bob’ on organ and piano”.

* Fã de Gene Vincent, Alice dedicou ao xará uma faixa de seu segundo LP, “Return Of The Spiders”. Outro ponto em comum entre ambos os roqueiros é que Gene grande “outsider”, talvez o primeiro do rock and roll, sempre de casaco de couro preto e expressão contorcida de dor, devido a uma perna ferida no exército e que nunca sarou de vez.

DISCOGRAFIA

Pretties For You (Straight, março de 1969. CD: Rhino, outubro de 1999)

Titanic Overture/10 Minutes Before The Worm/Sing Low Sweet Cheerio/Today Mueller/Living/Fields Of Regret/No Longer Umpire/Levity Ball/B.B. On Mars/Reflected/Apple Bush/Earwigs To Eternity/Changing, Arranging

Easy Action (Straight, junho de 1970)

Mr. & Misdemeanor/Shoe Salesman/Still No Air/Below Your Means/Return Of The Spiders/Laughing At Me/Refrigerator Heaven/Beautiful Flyaway/Lay Down And Die, Goodbye

Love It To Death (WB, março de 1971)

Caught In A Dream/Eighteen/Long Way To Go/Black Ju Ju/Is It My Body?”Halloweed Be My Name/Second Coming/Ballad Of Dwight Fry/Sun Arise

Killer (WB, novembro de 1971. CD: setembro de 1989)

Under My Wheels/Be My Lover/Halo OF Flies/Desperado/You Drive Me Nervous/Yeah, Yeah, Yeah/Dead Babies/Killer

School’s Out (WB, junho de 1972. CD: junho de 1989)

School’s Out/Luney Tune/Gutter Cat Vs. The Jets/Street Fight/Blue Turk/My Stars/Public Animal Number 9/Alma Mater/Grande Finale

Billion Dollar Babies (WB, janeiro de 1973)

Hello! Hooray!/Raped And Freezin’/Elected/Billion Dollar Babies/Unfinished Sweet/No More Mr. Nice Guy/Generation Landslide/Sick Things/Mary Ann/I Love The Dead

Muscle Of Love (WB, novembro de 1973)

Big Apple Dreamin’ (Hippo)/Never Been Sold Before/Hard Hearted Alice/Crazy Little Child/Working Up A Sweat/Muscle Of Love/Man With The Golden Gun/Teenage Lament ‘74/Woman Machine

Live At The Whiskey A- Go-Go, 1969 (Edsel, março de 1992)

No Longer Umpire/Today Mueller/10 Minutes Before The Worm/Levity Ball/Nobody Likes Me/B.B. On Mars/sing Low Sweet Cheerio/Changing, Arranging

Alice Cooper Solo:

Welcome To My Nightmare (WB, março de 1975. CD: novembro de 1987)

Welcome To My Nightmare/Devil's Food/The Black Widow/Some Folks/Only Women Bleed/Department Of Youth/Cold Ethyl/Years Ago/Steven/The Awakening/Escape

Alice Cooper Goes To Hell (WB, julho de 1976)

Go To Hell/You Gotta Dance/I'm The Coolest/Didn't We Meet/I Never Cry/Give The Kid A Break/Guilty/Wake Me Gently/Wish You Were Here/I'm Always Chasing Rainbows/Going Home

LACE AND WHISKEY (WB, de 1977)
It's Hot Tonight/Lace & Whiskey/Road Rats/Damned If You Do/You And Me/King of the Silver Screen/Ubangi Stomp/(No More) Love At Your Convenience/I Never Wrote Those Songs/My God

THE ALICE COOPER SHOW (WB, de 1977)
Under My Wheels/I'm Eighteen/Only Women Bleed/Sick Things/Is It My Body/I Never Cry/Billion Dollar Babies/Devil's Food/The Black Widow/You And Me/I Love The Dead/
Go To Hell/Wish You Were Here/School's Out

From The Inside (WB, dezembro de 1978)

Flush The Fashion (WB, maio de 1980)

Talk Talk/Clones (We’re All)/Pain/Leather Boots/Aspirin Damage/Nuclear Infected/Grim Facts/Model Citizen/Dance Yourself To Death/Headlines

Special Forces (WB, de 1981)

Who Do You Think We Are/Seven & Seven Is/Prettiest Cop On The Bloc/Don't Talk Old To Me/Generation Landslide '81/Skeletons In The Closet/You Want It, You Got It/You Look Good In Rags/You're A Movie/Vicious Rumours

Zipper Catches Skin (WB, de 1982)

Zorro's Ascent/Make That Money Scrooge's/I Am The Future/No Baloney Homosapiens/Adaptable Anything For Yo/I Like Girls/Remarkably Insincere/Tag, You're It/I Better Be Good/I'm Alive

Dada (WB, 1983)

Da Da/Enough's Enough/Former Lee Warmer/No Man's Land/Dyslexia/Scarlet and Sheba/I Love America/Fresh Blood/Pass The Gun Around

Constrictor (MCA, outubro de 1986) 

Teenage Frankenstein/Give It Up/Thrill My Gorilla/Life And Death Of The Party/Simple Disobedience/The World Needs Guts/Trick Bag/Crawlin'/Great American Success Story/He's Back (The Man Behind The Mask)

Raise Your Fist And Yell (MCA, 1987)

Lock Me Up/Give The Radio Back/Freedom/Step On You/Not The Kind Of Love/Prince Of Darkness/Time To Kill/Chop, Chop, Chop/Gail/Roses On White Face

Trash (Epic, agosto de 1989)

Poison/Speak In The Dark/House OF Fire/Why Trust You/Only My Heart Talkin’/Bed Of Nails/This Maniac’s In Love With You/Trash/Hell Is Living Without You/I’m Your Gun

Hey Stoopid (Epic, 1991. CD: junho de 1992)

Hey Stopid/Love’s A Loaded Gun/Snakebite/Burning Our Bed/Dangerous Tonight/Might As Well Be On Mars/Feed My Frankenstein/Hurricane Years/Little By Little/Die For You/Dirty Dreams/Wind-Up Toys

The Last Temptation Of Alice (Epic, 1994)

Brutal Planet (abril de 2000)

Brutal Planet/Sanctuary/Wicked Young Man/Gimme/Blow Me A Kiss/Cold Machines/Take It Like A Woman/It’s The Little Things/Pessi-Mystic/Eat Some More/Pick Up The Bones

Há ainda um disco semi-oficial gravado ao vivo em Toronto em 1969 e com dezenas de reedições econômicas em CD. As faixas estão todas com títulos inventados (são quase todas do primeiro LP); uma faixa, “Ain’t It Just Like A Woman”, nem é Alice Cooper, e sim outro artista – pois é, trata-se do equivalente cooperiano dos Beatles In Hamburg da vida (uma ou outra faixa do álbum duplo Live at The Star-Club 1962 não é com os Beatles e sim outros grupos que se apresentaram no mesmo local e época).

Menção honrosa também para duas faixas que só saíram em discos flexis promocionais, “Nobody Likes Me” (1971), distribuído durante shows do disco Killer, e “Slick Black Limousine” (1973), brinde do jornal inglês New Musical Express – e que apareceu em alguns LPs piratas do Led Zeppelin!





Para terminar, más e boas notícias. Uma página na Internet supimpa sobre Alice Cooper que lá em 2001 serviu de fonte para esta matéria parece ter saído do ar. As boas notícias são duas. Primeira: uma edição da revista Poeira Zine lançou uma bela reportagem sobre a vinda de Alice ao Brasil em 1974. Segunda: não vou trazer para cá as gravações normais de Alice, todas em catálogo, mas sim uma coletaneazinha de regravações por artistas fantasmas - tem até uma que inclui Lilian Knapp e o pessoal do futuro Roupa Nova.

3 Comments:

At 6:34 PM, Blogger Marcelo Dogue said...

Só posso te agradecer por todos estes anos de dedicação a cultura musical, contribuiu muito na minha formação,foi bacana te encontrar na loja do Tony, adicionei seu blog aos meus favoritos, está sensacional, vou tirar o atraso, tem muita coisa bacana!
Um Abraço,
Marcelo Dogue

 
At 6:39 PM, Blogger TULIO FUZATO said...

PARABÉNS PELA FANTASTICA RESENHA - abçs #tuliofuzato via facebook

 
At 6:05 PM, Blogger Costumizart said...

Uhooo! Que maravilha de resenha/artigo. Grato.

 

Post a Comment

<< Home