METENDO O NARIZ PRA TENTAR FAZER SHOW NO CENTRO GUTURAL
Se quem tem boca vai a Roma, quem tem nariz pode ir até mais longe.
Assim me faz pensar o grande sucesso de cantores e cantoras cujo timbre vocal é
eminentemente anasalado. E este breve “estudo” sobre o assunto que estás começando a ler (e espero que termines) nasceu de
conversas minhas sobre o assunto com três amigas cantoras: Vera Mendes, Tereza
Miguel e Nadja Bandeira.
A idéia de escrever este texto veio de uma imprecação de Nadja sobre sua
pouca simpatia por determinado cantor quase-carnívoro que “pra piorar é fanho”.
Lembrei então a ela que isso não era tanto problema, “Jorge Veiga era mais
fanho ainda, e Chico Buarque é hors-concours”; ela concordou e lembrou um
terceiro de que também sou admirador, Miltinho. A esta conversa juntei informações
que me apareceram em outras pesquisas, como o saudoso jornalista e produtor
Walter Silva descrevendo na Folha de S. Paulo a então novata Maria Alcina como
“uma Maria Bethânia resfriada” e a famosa queixa de um paulista ao ouvir “Chega
De Saudade” com João Gilberto: “Por quê gravam cantores resfriados?”
Realmente, essa pergunta puxa outra: por quê tanta gente canta “pelo
nariz”? Talvez seja porque dá menos trabalho que emitir a voz corretamente pela
boca, ou porque certos idiomas, como o português, o inglês e o francês, têm
muitos sons nasais. Comparem, por exemplo, com o idioma italiano, onde falta o
fonema “ão”, forçando Gianni Morandi a cantar “brasiliano ‘Joáo’ Gilberto” em
seu sucesso “Che Ne Me Faccio Del Latino”. (Mas a relativa ausência de fonemas
nasais no idioma italiano não impediu o sucesso do “cantautore” moderno Eros
Ramazzotti, com timbre anasalado de fazer honra aos citados Jorge Veiga e
Miltinho.)
Certamente, emissão nasal é sinônimo de informalidade, amadorismo, o que
pode ser até um charme – a chamada “Invasão Britânica” dos anos 1960 foi um
triunfo não só hormonal como adenoidal; cantores que cantavam “pela boca”, como
Mick Jagger e Paul McCartney, foram (ou pelo menos podem soar como se tivessem
sido) minoria perto de John Lennon, Peter Noone, Keith Richards, Peter
Townshend, os Bee Gees e Ray Davies. Por sinal, em 1982 o líder dos Kinks deu
uma explicação técnica interessante sobre o assunto para a revista Modern
Recording & Music: “Usamos muitos microfones Neumann. Tenho um monte de
microfones valvulados que comprei da BBC, mas eles vivem explodindo. Eu os uso
para os vocais. Minha voz é muito difícil de ser gravada porque tenho uma
qualidade nasal. Daí que eu uso um microfone valvulado e um Sennheiser para
captar ambas as qualidades, e mixo ambas num canal.”
Falamos de Brasil, da Itália, de britânicos,
e não esqueceremos dos EUA. Muitos e muitas de vocês devem ter se lembrado de –
quem mais? – Bob Dylan. Mas o país já tinha reputação de voz anasalada desde
bem antes, como atesta aquela piada sobre George Washington. Numa excursão de turismo nos EUA, diante de
um retrato de Washington, o guia turístico diz "Dos lábios desse homem
jamais saiu uma mentira!" e alguém comenta: "Devia falar pelo nariz, como todo estadunidense." Além de Dylan, podemos lembrar também os grandes
cantores country Hank Williams e Willie Nelson, Mike Love dos Beach Boys, “cantautori” como Carole King e
James Taylor e, mais para o rock pesado, Axl Rose e Jimi Hendrix – que, como
sabemos, começou a cantar motivado pelo sucesso de Bob Dylan, “se ele pode
fazer tanto sucesso cantando tão fora do tom, eu também posso”.
Hendrix foi bem definindo por minha mãe como “imitador do personagem
Cuém-Cuém de Chico Anysio”. O que nos traz de volta ao Brasil e faz lembrar Juca Chaves (inclusive grande muso de si mesmo com seu "Nasal Sensual"), o emérito Jair Rodrigues e Belchior, que, como Hendrix, tem timbre nasal mais grave e que, para a citada
Vera Mendes, que além de cantora é fonoaudióloga, tem timbre mais gutural – ou
seja, forçando a garganta – que propriamente anasalado; tal observação pode
valer também para a citada Bethânia e Nana Caymmi. Mas ninguém contesta a
sonoridade nasal de duas pessoas profissionais da comunicação que ora
lembrarei, a apresentadora de televisão Marília Gabriela, que também gravou
como cantora, e o jornalista e radialista Leopoldo Rey, meu colega na FM 97 quando
a emissora era de rock e que era o primeiro a se divertir quando nosso grande
amigo Sidnei Lopes, um dos melhore imitadores que já conheci, desandava a
imitar o que o próprio Leopoldo resumia como “eu e minha voz de gripe”. “É
brincadeira?!” Por falar em brincadeira,quem quiser imaginar como Wilson
Simonal – um dos melhores cantores brasileiros de todos os tempos soaria se
pegasse um forte resfriado ou resolvesse imitar Jorge Veiga pode conferir este vídeo de Simoninha.
E para este texto lembrei-me também de uma canção que compus de
brincadeira em parceria com Tereza Miguel, ela a iniciou e eu a desenvolvi junto
com ela; Tereza diz que sua principal inspiração foi uma cantora que não
esqueceríamos de mencionar, Sandy Lima – sim, a filha de Xororó. A gravação está
aqui e a letra segue abaixo. E termino este estudo desejando a todas e todas um
feliz nasal!
CANTOR(A) SEM BOCA
Tereza Miguel
Ayrton Mugnaini Jr.
Eu
sou um cantor sem boca
Eu canto pelo nariz
Eu não preciso de boca
Eu canto pelo nariz
Esta singela canção
Sim, fui eu mesmo que fiz
É minha contestação
Mais fanhoso é quem me diz
Eu
sou um cantor sem boca
Eu canto pelo nariz
Eu não preciso de boca
Eu canto pelo nariz
Este meu canto é chinfrim
Mas é minha força motriz
Sei que quem gosta de mim
Também escuta pelo nariz
Eu sou um cantor sem boca
Eu canto pelo nariz
Eu não preciso de boca
Eu canto pelo nariz
Desculpe meu canto fraco
Não nasci assim porque eu quis
Não gosta, não enche o saco
Vai ouvir disco da Elis!
1 Comments:
Ayrton, a letra está errada. Aí vai a letra correta:
CANTORA SEM BOCA
(refrão)
Eu sou uma cantora sem boca
Eu canto pelo nariz
Eu não preciso de boca
Eu canto pelo nariz
Esta singela canção
Sim, fui eu mesma que fiz
É minha contestação
Mais fanhosa é quem me diz (me diz!)
(refrão) Eu sou uma cantora sem boca
...
A minha voz é chinfrim
Mas é minha força motriz
Porque quem gosta de mim
Também escuta pelo nariz (nariz!)
(refrão) Eu sou uma cantora sem boca
...
Se a minha voz é um caco,
Eu não nasci assim porque quis
Não gostou, não enche o saco
Vai ouvir os discos da Elis (Quem? Elis!!!)
(refrão) Eu sou uma cantora sem boca
...
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