UM ASSUNTO BASTANTE DATADO
Tenho recebido, ouvido e espiado muitos e muitos discos
brasileiros independentes, e de tudo: samba, choro, música erudita,
caipira/sertanejo, forró, pop, brega, roquinho, rocão e aquela MPB que pode ser
um pouco de tudo isso... enfim, de tudo. Mas percebi em quase todos um detalhe
que me chamou a atenção e me pareceu digno de reparo – mas que provavelmente
ninguém além de mim repara, comenta e muito menos reprova.
Isso mesmo, quase nenhum deles traz a data de lançamento, com
ou sem aquele famoso “ⓟ” (sim, de “publicado” ou “phonogram”/”phonorecord”) e/ou
© (de “copyright”) antes dela.
Imagino que muitas das pessoas
artistas destes discos serão dignas de discografias no futuro (algumas até
já o são). Imaginem vocês agora a trabalheira que terão pessoas pesquisadoras
chatas como eu para descobrirem uma informação que deveria estar no próprio
disco... Um bom exemplo é o belo disco Os Mestres Mulatos da orquestra Sinfonieta dos
Devotos de Nossa Senhora dos Prazeres, dedicada a resgatar os primórdios da
música brasileira; o encarte do CD é detalhadíssimo, mas não informa datas de
gravação ou lançamento; vasculhei o Google e descobri até que a Sinfonieta tem
uma página, muito bem feita mas que esquece de registrar tal informação sobre esse e seus outros
discos; tenho a sorte de conhecer pessoas parentes de integrantes da Sinfonieta,
que me encaminharam ao próprio regente do disco, Marcelo Antunes Martins, que
gentilmente me informou: o CD foi gravado e lançado em 2007. Espero estar dando
alguma ajuda em pesquisas futuras sobre este belo trabalho da Sinfonieta,
inclusive a quem tiver o prazer de descobri-lo daqui a décadas ou mesmo séculos...
Estou ciente de
que em muitos casos a data de lançamento é omitida para que o disco pareça “sempre
novo”... Eu soube de gravadoras que omitem tal informação por ceder a queixas
de lojistas que dizem que “disco velho encalha”. Sei também de artistas que,
embora independentes, sonham em um dia deixar de ser, e relançam o mesmo disco
por vários selos, pois “não é interessante” divulgar que se trata de
relançamento – típica falsa esperteza, pois sempre tem alguma pessoa chata para
descobrir que “ah, esse disco é velho e estão querendo fazer passar por novo”. Sei
que muita gente só se interessa pelo que estiver em primeiro lugar nas paradas,
mas sempre digo que “velho não é antigo” e “nunca é tarde para discos independentes”. Tudo é novidade para quem acaba de descobrir (como, por exemplo, Noel
Rosa, novo para mim em 1970; Robert Johnson, novo para Eric Clapton nos idos de
1964; ou Beethoven, novo para quem começa a respirar), e o que importa é a
qualidade. Óbvio? Justamente por ser óbvio, pouca gente percebe... E muita
gente que “esconde” tal informação nos discos que manda prensar não
deve gostar muito de ser obrigada a creditar neles seu nome completo e o número
de seu CPF para quem quiser ver...
E creditar datas
de lançamento de discos tornou-se costume tão raro que a maioria das fontes de tipos
de letras nem inclui o símbolo “ⓟ”,
que precisei copiar e colar da internet... Por sinal, a frase “disco é cultura”
também sumiu dos CDs independentes, mas esta omissão ainda tem a desculpa de a frase ter sido criada
na época da ditadura militar e de servir para isentar as gravadoras de imposto
de renda por produtos culturais, e disco independente já nasce fora da grande
indústria e portanto é pressuposto como cultural...
Não sei se a omissão de datas de lançamento em
CDs brasileiros é uma “lei não-escrita” como o limite de 14 faixas, cavalo de
batalha de artistas como Ney Matogrosso e o saudoso Johnny Alf e em que
insistirei até que ele deixe totalmente de existir... Enfim, é essa minha suave
bronca-sugestão: ao lado de créditos como “Fulana usa guitarra marca tal”, “cafezinho
servido por Sicrano” e “agradeço a meu cachorro por latir tão bem”, aumentem
ainda mais o charme de suas obras informando o ano de lançamento, ou pelo menos
créditos como “gravado no outono ou primavera do ano tal” (discos europeus
adoram isso). A tão mencionada e lamentada Memória da Música Popular agradece
por isso também!
0 Comments:
Post a Comment
<< Home