Sunday, February 08, 2015

UM ASSUNTO BASTANTE DATADO

Tenho recebido, ouvido e espiado muitos e muitos discos brasileiros independentes, e de tudo: samba, choro, música erudita, caipira/sertanejo, forró, pop, brega, roquinho, rocão e aquela MPB que pode ser um pouco de tudo isso... enfim, de tudo. Mas percebi em quase todos um detalhe que me chamou a atenção e me pareceu digno de reparo – mas que provavelmente ninguém além de mim repara, comenta e muito menos reprova.

Isso mesmo, quase nenhum deles traz a data de lançamento, com ou sem aquele famoso “” (sim, de “publicado” ou “phonogram”/”phonorecord”) e/ou © (de “copyright”) antes dela.

Imagino que muitas das pessoas artistas destes discos serão dignas de discografias no futuro (algumas até já o são). Imaginem vocês agora a trabalheira que terão pessoas pesquisadoras chatas como eu para descobrirem uma informação que deveria estar no próprio disco... Um bom exemplo é o belo disco Os Mestres Mulatos da orquestra Sinfonieta dos Devotos de Nossa Senhora dos Prazeres, dedicada a resgatar os primórdios da música brasileira; o encarte do CD é detalhadíssimo, mas não informa datas de gravação ou lançamento; vasculhei o Google e descobri até que a Sinfonieta tem uma página, muito bem feita mas que esquece de registrar tal informação sobre esse e seus outros discos; tenho a sorte de conhecer pessoas parentes de integrantes da Sinfonieta, que me encaminharam ao próprio regente do disco, Marcelo Antunes Martins, que gentilmente me informou: o CD foi gravado e lançado em 2007. Espero estar dando alguma ajuda em pesquisas futuras sobre este belo trabalho da Sinfonieta, inclusive a quem tiver o prazer de descobri-lo daqui a décadas ou mesmo séculos...

Estou ciente de que em muitos casos a data de lançamento é omitida para que o disco pareça “sempre novo”... Eu soube de gravadoras que omitem tal informação por ceder a queixas de lojistas que dizem que “disco velho encalha”. Sei também de artistas que, embora independentes, sonham em um dia deixar de ser, e relançam o mesmo disco por vários selos, pois “não é interessante” divulgar que se trata de relançamento – típica falsa esperteza, pois sempre tem alguma pessoa chata para descobrir que “ah, esse disco é velho e estão querendo fazer passar por novo”. Sei que muita gente só se interessa pelo que estiver em primeiro lugar nas paradas, mas sempre digo que “velho não é antigo” e “nunca é tarde para discos independentes”. Tudo é novidade para quem acaba de descobrir (como, por exemplo, Noel Rosa, novo para mim em 1970; Robert Johnson, novo para Eric Clapton nos idos de 1964; ou Beethoven, novo para quem começa a respirar), e o que importa é a qualidade. Óbvio? Justamente por ser óbvio, pouca gente percebe... E muita gente que “esconde” tal informação nos discos que manda prensar não deve gostar muito de ser obrigada a creditar neles seu nome completo e o número de seu CPF para quem quiser ver...

E creditar datas de lançamento de discos tornou-se costume tão raro que a maioria das fontes de tipos de letras nem inclui o símbolo ”, que precisei copiar e colar da internet... Por sinal, a frase “disco é cultura” também sumiu dos CDs independentes, mas esta omissão ainda tem a desculpa de a frase ter sido criada na época da ditadura militar e de servir para isentar as gravadoras de imposto de renda por produtos culturais, e disco independente já nasce fora da grande indústria e portanto é pressuposto como cultural...

Não sei se a omissão de datas de lançamento em CDs brasileiros é uma “lei não-escrita” como o limite de 14 faixas, cavalo de batalha de artistas como Ney Matogrosso e o saudoso Johnny Alf e em que insistirei até que ele deixe totalmente de existir... Enfim, é essa minha suave bronca-sugestão: ao lado de créditos como “Fulana usa guitarra marca tal”, “cafezinho servido por Sicrano” e “agradeço a meu cachorro por latir tão bem”, aumentem ainda mais o charme de suas obras informando o ano de lançamento, ou pelo menos créditos como “gravado no outono ou primavera do ano tal” (discos europeus adoram isso). A tão mencionada e lamentada Memória da Música Popular agradece por isso também!

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