Thursday, December 03, 2020

NO BRASIL NINGUÉM MOSCOU CONTRA 007: JAMES BOND E AS ARTES BRASILEIRAS

Este texto partiu de um programa que co-produzi para a Rádio Matraca em homenagem ao ator Sean Connery, falecido agora em 31 de outubro aos 90 anos; ampliámos o tema e o programa acabou sendo sobre o personagem James Bond – de quem Connery foi o intérprete mais marcante e carismático – e sua influência mundial, particularmente no Brasil. Lembremos então o que James Bond tem a ver com Roberto Carlos, Lulu Santos, Adoniran Barbosa, os Jet Black’s, Pato Fu, Moacyr Franco, Fafá de Belém e até o time do Corinthians.

FALA QUE EU TE ESPIO

Espionagem, desde ancestrais como os detetives Sherlock Holmes, X-9, The Saint, Maigret e Hercule Poirot, sem falar nos 12 Espiões a serviço de Moisés (escondidos no livro bíblico dos Números), sempre foi bom assunto para todos os meios de lazer – livros, cinema, televisão, quadrinhos, música –, principalmente em tom de sátira mais ou menos escrachada, e a partir da primeira metade dos anos 1960 os dois grandes modelos têm sido a dupla Batman & Robin e... ele mesmo: Bond, James Bond.


O agente secreto James Bond, criado pelo escritor inglês Ian Fleming, fez muito sucesso já desde seu lançamento em 1953 no romance Casino Royale (primeiro livro de James Bond lançado aqui, traduzido como Cassino Royale, pela Civilização Brasileira, em 1965) , mas a consagração e influência mundiais vieram em 1962, com o primeiro filme baseado em um dos romances de James Bond escritos por Fleming, O Satânico Dr. No. Nascia o “gênero James Bond” de filmes de espionagem, com muita ação, muitos belos cenários e efeitos visuais, carrões velozes, as sedutoras “Bond Girls”, muita música e, acima de tudo, o charme macho-alfa do espião James Bond – cujo único interesse cultural, segundo o jornal Correio da Manhã, deve ser a revista Playboy.

O sucesso de James Bond é tão grande e duradouro que, segundo consta, um quarto da humanidade já assistiu a pelo menos um dos filmes da série, sem falar nas inevitáveis e muitas imitações e paródias, como O Agente da Uncle, Matt Helm, Flint, a dupla Olho-Vivo e Faro-Fino, inspetores como Clouseau e Bugiganga, Jason Bourne, Maxwell Smart, Modesty Blaise, Columbo, Austin Powers e o 00-ZÉro de Walt Disney (e alguém além de mim se lembra de Tom contra Jerry “Gatofinger”?), além do êxito de objetos derivados como HQs do próprio James Bond, os automóveis Aston Martin, as maletas executivas 007, os biquínis de Ursula Andress e, naturalmente, as canções-temas dos filmes.

JAMES BOND MÚSICA E DE CINEMA

Os temas principais de cada filme da série têm sido compostos e/ou interpretados por grandes artistas como Shirley Bassey, Burt Bacharach, Paul McCartney, Duran Duran, Tina Turner, Adele, A-Ha e Louis Armstrong. No rock, uma ligeira amostra é Alice Cooper citando o tema de James Bond (composto por Monty Norman) em “Unfinished Sweet” e compondo por conta própria um tema não utilizado para um filme da série, “Man With The Golden Gun”, além de Ronnie Bullis, primeiro baterista dos Troggs, ter adotado o nome artístico Ronnie Bond para pegar carona na fama de 007 (por sugestão do empresário e produtor da banda, Larry Page) - o mesmo motivo que levou o grande roqueiro argentino Giuliano Canterini a adotar o nome artístico Billy Bond. Sem falar no tributo quase sutil gravado com sucesso por Johnny Rivers, “Secret Agent Man”, de 1966, já a partir do título e do riff de guitarra – riff este também bastante ativo no arranjo dos Incríveis (em versões menor e maior!) para o tema “Czardas” de Vittorio Monti. Lembremos também que os Beatles, longe de serem bons de “geração espontânea”, sempre tiveram e reciclaram influências as mais diversas, não só musicais, incluindo religião indu, os livros de Lewis Carroll e, sim, a série de James Bond; o segundo filme da banda, Help!, tem influência do agente 007 a ponto de incorporar o tema principal da série (ou, mais exatamente, outra composição bem fiel ao estilo, provavelmente composta por Ken Thorne, autor dos temas incidentais do filme), tocado por uma orquestra com arranjo e regência de George Martin e incluído como introdução na faixa “Help” dos Beatles em muitas edições fora da Inglaterra (tanto na trilha do filme Help! como na edição mono da coletânea A Collection Of Beatles Oldies).

(Parênteses: já que falei em geração espontânea, o icônico riff do “James Bond Theme” tem pelo menos dois precedentes, “Ninety-Nine Years”, sucesso do cantor Guy Mitchell em 1956,  e a canção napolitana “Torna A Sorriento” conforme redefinida por Elvis Presley en seu megahit “Surrender”, de 1961.)

MEU SELO NÃO É SÓ ODEON, EMI-ODEON


O impacto de James Bond foi, ou melhor, ainda é grande também no Brasil; o personagem tem inspirado rocks, chanchadas, marchas de carnaval, sambas e até nomes de gravadoras. (Pena que Ian Fleming viu muito pouco do grande sucesso brasileiro de seu mais famoso personagem, pois faleceu de enfarte causado por tabagismo – mesmo sendo ele oficial de inteligência (da Marinha inglesa) na vida real – , aos 56 anos, em 12 de agosto de 1964, quatro meses após o lançamento de Moscou Contra 007 no Brasil.)

Com o estouro de 007 na primeira metade dos anos 1960, nossa gravadora Odeon deu muita sorte em representar no Brasil a maior parte das gravações de temas bondeanos, desde as composições e interpretações de John Barry (incluindo o citado “James Bond Theme” de Monty Norman e “007” do próprio John Barry) a temas como “From Russia With Love” com Matt Monro, “Thunderball” com Tom Jones e “You Only Live Twice” com Nancy Sinatra, sem falar em “Help!” dos Beatles e na marchinha “007” do humorista brasileiro Gariba, do qual falaremos em breve.


Seria a Odeon “a gravadora do 007”? Sendo ou não, quem assim se apresentou foi a Continental; um dos muitos selos que ela criou para seus relançamentos (outros incluindo Disco-Lar e Replay) foi o 007, com logotipo bem adequado (e bem criativo e bonitinho, por sinal). Um exemplo curioso de gravação da Continental relançada com o selo 007 foi o LP Dance Com Paioletti, do trompetista Settimo Paioletti, lançado originalmente em 1958 (e incluído em minha pesquisa sobre artistas não do rock que gravaram rocks nos primeiros dez anos da presença do gênero no Brasil); o relançamento da 007 manteve título e repertório do disco original, mas mudou a capa e a contracapa, inclusive substituindo o bem informativo texto original por uma enrolação de que até o selo Palladium se envergonharia (clica em cima das imagens para leres). Será que uma gravadora com nome de agente secreto deve manter informações sobre seus lançamentos em segredo?...




Por sinal, a Continental fez ainda outro lançamento muito melhor que este selo para aproveitar a onda (ou melhor, o filão, já que James Bond com o tempo mostrou que veio para ficar) 007: o iê-iê-iê “007”, composição de Dori Edson e um dos primeiros sucessos do cantor Marcos Roberto, lançado em 1965. Uma curiosidade é esta gravação menciona o Casino Royale, do romance deste título de Fleming, primeiro livro sobre James Bond, lançado em 1953 (e traduzido no Brasil em 1965) mas que só foi filmado em 1967 (descontando uma versão para a televisão estadunidense em 1954), dois anos após este iê-iê-iê...



FUTEBOND: 007 x 1

Outro disco “007” da Odeon é uma marchinha composta pelo humorista Gariba em parceria com Moacyr Costa para o Carnaval de 1966, com inspiração no filme Moscou Contra 007; podem ouvi-la aqui. Gariba (nascido em 1917) fez sucesso nas décadas de 1950 e 1960 nas emissoras de TV Tupi e Excelsior, mas antes disso ele teve uma carreira de jogador de futebol, chegando a participar do time do Corinthians (siiiim!), só que com seu verdadeiro nome, Geraldo Pereira; provavelmente ele adotou o apelido Gariba para evitar confusão com o sambista Geraldo Pereira. Certamente, Gariba não foi o único jogador de time famoso a ter alguma associação com James Bond, como logo veremos.

ESTÁ NO GIBI

A Disney, ainda maior e melhor recicladora de influências que os Beatles, aproveitou o filão 007 relançando Mickey como agente secreto e criando o já citado espião desastrado 00 Duck, que no Brasil ganhou o nome 00-Zéro. A história “A Cabeleira Roubada”, estrelando 00-Zéro, saiu originalmente em 1966 (com título “The Missing Hair”) e seu assunto é o roubo da peruca do cantor Rock Bottom; a tradução brasileira, lançada na revista Zé Carioca em janeiro de 1967, aproveitou o sucesso do cantor Ronnie Von e rebatizou o personagem Ronnie Kon Beleira. 

O próprio Ronnie gostou da brincadeira a ponto de resolver satirizar a sátira, aparecendo de cabeça raspada na revista Intervalo (por sinal, da mesma editora de Zé Carioca, a Abril), em abril de 1967 – na verdade, um truque fotográfico muito bem feito, inclusive assim esclarecido no final da matéria antes que as fãs desatassem a chorar de desespero.



SAMBOND

 


Ao repetir no Brasil o grande sucesso mundial de seu segundo filme, From Russia With Love (para nós Moscou Contra 007), James Bond foi muito bem recebido por dois artistas tão veteranos quanto carismáticos e irreverentes: o sambista Moreira da Silva (1902/2000) e o apresentador de rádio e televisão Abelardo “Chacrinha” Barbosa (1917/1988) – e o Velho Guerreiro marca presença na obra bondeana de Morengueira.

Pleno de energia e voz aos 63 anos, e sempre jovial e se atualizando, Moreira de Silva adentrara a década de 1960 fazendo muito sucesso com sambas humorísticos de Miguel Gustavo satirizando o cinemão de sucesso, e Moscou Contra 007 foi muito bem glosado no samba “Morengueira Contra 007”, de 1965. No ano seguinte o Brasil disputaria a Copa do Mundo na Inglaterra, e neste samba Pelé, já mundialmente famoso como grande jogador, é salvo por Morengueira de uma cilada – vale a pena transcrever a letra:

Narrador:

Moreira da Silva contra 007. Sexo e violência no mais espetacular filme de espionagem do famoso diretor americano Abelardo “Chacrinha” Barbosa. Com James Bond, Claudia Cardinale e Edson Arantes do Nascimento.


Começa o filme com o 007

Saltando em Santos com a Claudia Cardinale

Com seu decote italiano ela é tão bela

Que ninguém vê o James Bond junto dela

Os dois se hospedam na concentração do Santos

E, entre tantos, ninguém sabe por que é

Que ela desfila de biquíni na piscina

E na maior intimidade com o Pelé

 

Breque:

A bonitinha não percebe a tabelinha que ele faz.

Pelé controla a Cardinale, dá-lhe um beijo e avança mais.

Gol do Brasil!

O temperamento latino é fogo!

 

O James Bond nesse instante dá o flagrante

Diz que Pelé tem que pagar pelo que fez

Entram em luta corporal e o '07

Vai abater o jogador com um soco-inglês

Porém, Moreira, que assistia a toda a cena,

Entra sem pena, vai no '7 e manda o pé

Rabo-de-arraia e antes que caia dá-lhe um coco

Apara o soco e livra a cara do Pelé

Moreira leva James Bond para o DOPS

E na fofoca mais fofoca que eu já vi

Vem jornalista, embaixador inglês sem vida

E entra na fita todo o Itamaraty

Aí Moreira leva a Claudia Cardinale

Para jogar um pif-paf em Guarujá

Vão no boliche e comem pizza lá no Braz

E cantam samba de Vinícius de Morais

Claudia confessa o seu amor por Morengueira

Faz a besteira de dizer que o ama com fé

Só foi a Santos com o 007

Para ajudá-lo a raptar nosso Pelé

Roubar Pelé pra não jogar contra a Inglaterra

Porque os ingleses sofrem de alucinação

E toda noite vêm um fantasma de chuteiras

Fazendo gol no gol da sua seleção

 

Breque:

E vem o time brasileiro se sagrando campeão

Termina o filme com Moreira dando um drible no espião

O James é derrotado e acabou sua missão.

TELINHAS, TELONAS...

“O famoso diretor americano Abelardo 'Chacrinha' Barbosa”... Pois bem, essa frase do samba “Morengueira Contra 007” não foi a última associação do Velho Guerreiro a uma sátira de James Bond. No filme 007 1/2 No Carnaval, de 1966, dirigido por Victor Lima, Chacrinha participa com um belo exemplo de metalinguagem da mais nonsense, no papel dele mesmo, mas comandando o filme da sala de montagem, dando instruções ao operador da moviola e decidindo as ações e o destino dos personagens. O filme não é dos melhores nem dos piores, e boa parte de sua duração é preenchida por sambas, marchinhas e até iê-iê-iês que bem serviriam para ajudar a preencher qualquer chanchada... 



Por falar em iê-iê-iê, Roberto Carlos também mostrou influência de James Bond em seus filmes SSS Contra a Jovem Guarda, que permaneceu inacabado, e Roberto Carlos Em Ritmo De Aventura (lançado em 1968) e Roberto Carlos E O Diamante Cor-De-Rosa (1970), que foram grandes sucessos.



E o número “007” não lembra o canal 7, a antigamente muito boa TV Record? Pois bem, em 1965 o filme Moscou Contra 007 foi satirizado numa novela humorística da TV Record chamada Ceará Contra 007, escrita por Marcos Cesar, onde Jô Soares fazia o papel de Jaime Bonde e o mistério era a fórmula do jabá sintético, que ganhou samba de Adoniran (em parceria com Marcos Cesar), também ator nesta novela (no papel de Comendador Giacomo). 



Lembremos também do seriado infanto-juvenil Linguinha da TV Globo, exibido de outubro de 1971 a abril de 1972 e estrelado por Chico Anysio com canções e textos de Arnaud Rodrigues. O programa foi divulgado originalmente como "O invencível Linguinha contra o Titânico Mr. Yes" – sim, uma sátira a O Satânico Dr. No – e rendeu um bom LP de trilha sonora (um do primeiros da gravadora Som Livre), cujos pontos altos incluem "Mr. Yes" cantada por Jane Duboc.


...E TEATROS


James Bond serviu também de pretexto para o teatro musical engajado contra a recém-instalada ditadura militar. Houve pelo menos um exemplo: a peça O Samba Contra Zero-Zero Dólar (também grafado O Samba Contra 0 0 [zero zero] Dollar, o que levou algumas notícias de jornal a criarem uma terceira grafia, O Samba Contra O Dólar, conservando o sentido mas perdendo a sátira a 007...), do dramaturgo Pasqual Lourenço Tudech (não do jornalista Moracy do Val como dizem algumas fontes). Este musical estreou em 1966 e teve problemas com a censura devido às frases “A gente fala gringo, vocês é que não deixam a gente falar e “a prostituição é proibida a menores de 18 anos”. Outras curiosidades deste musical são seu elenco ter incluído o tão grande quanto malfadado músico Macumbinha, a atriz Jacira Silva (primeira miss negra brasileira) e Antonio Marcos, cantando sambas mas que em breve se revelaria grande artista da jovem guarda, do rock brasileiro e até da MPB.


SE 4 FOSSE 7

Teria o grupo vocal Quarteto 004, surgido em 1965, buscado inspiração em James Bond para seu nome? O fato é que a contracapa de seu primeiro disco, um compacto duplo de 1965, dizer que “400” refletiria melhor a qualidade do grupo e o texto da contracapa de seu único LP, de 1968 (escrito por Tom Jobim), começar com uma historinha cômica ambientada na Rússia, o que certamente pode sugerir Moscou Contra 007. Outro artista suspeito de ter seu nome inspirado em 007 é o pernambucano Fred Rodrigues Montenegro, bem mais famoso como o Fred 04 da arretada banda Mundo Livre S. A. e que, segundo consta, a princípio pensou em se chamar 004.

VERSÃO BRASILEIRA

Deve ser rara a pessoa brasileira que nos últimos 55 anos não viu algum filme de James Bond e/ou não cantarolou ou gravou algum tema do cânone bondiano. Aqui vai uma ligeira amostra, mencionando algumas regravações além das que tocámos no especial da Rádio Matraca.

O filme From Russia With Love, para nós Moscou Contra 007, foi o grande estopim da bondmania, e com boa ajuda da canção-tema, “From Russia With Love”, de Lionel Bart e na bela interpretação de Matt Monro. Interpretações brasileiras contemporâneas incluem a da cantora Maria Thereza, a “Mecha Branca”, do cantor Agnaldo Timóteo ("Em Busca Do Amor") e dos bandleaders Carlos Piper e Hélio Mendes, além da mais recente (2019) de Daniel Boaventura, por sinal que gravada ao vivo na Rússia – “From Russia” com propriedade.

(Além de deflagrar a “bondmania”, este filme de James Bond ajudou a divulgar uma onda russófila paralela mesmo entre o público anticomunista, outros exemplos sendo filmes como Dr. Jivago e canções como “Those Were The Days” e “Kasatchock”, não esquecendo a perene popularidade de autores como Tolstoi e Tchekhov e compositores como Rachmaninoff e Tchiakovski, além de, claro, citações em obras ocidentais como “Back in the USSR”. Bom assunto para outro tópico.)

A película seguinte de James Bond, Thunderball (no Brasil 007 Contra A Chantagem Atômica), consolidou o sucesso, e quem não viu o filme apreciou seu tema principal, a tensa canção-título de John Barry com letra de Don Black. Consta que, na falta de uma sinopse do filme para orientá-lo, Black escreveu a letra como simples descrição do personagem James Bond; certamente, uma versão brasileira (que mereceu nada menos que duas gravações, por Joelma e Agnaldo Timóteo, em 1966) intitulada "O Furacão" (sem o artigo no disco de Timóteo, o LP O Astro Do Sucesso), escrita por N. Bourget (hei de descobrir o que significa esse "N") seguiu esta mesma diretriz. 


Consta também que Tom Jones, ao gravar "Thunderball", na última nota alta precisou puxar fôlego a ponto de quase desmaiar; igualmente vertiginosa, de tão sentimentalmente brega sem nada a ver com a letra original, é a versão escrita por Francisco F. Da Silva e lançada por Rinaldo Calheiros e cujo título diz tudo, "Meu Coração Vive A Chorar”. Não há tal problema nas versões instrumentais de Waldir Calmon e dos Jet Black’s – esta última foi bem replicada no ano seguinte (1967) pela banda também paulistana Os Mutáveis (não, nada a ver com os Mutantes), que incluiu numa das guitarras o futuro produtor Valdimir d’Angelo. (Por sinal, a gravadora paulistana OMB, com seus selos Iracema, Seresta e Bandeirante, já merece estudo tão entusiasmado quanto a igualmente já lendária conterrânea Leão Disc.)




O toque de Midas da série James Bond tornou-se literal no terceiro filme, Goldfinger (007 Contra Goldfinger), e sem dúvida um de seus melhores atrativos é a canção-tema, bela power-ballad “avant la lettre” (?cuanto te gusta tal mezcla de lenguas?) composta por John Barry com letra de Anthony Newley e Leslie Bricusse e interpretação à altura de Shirley Bassey (uma das cantoras que Barbra Streisand bem gostaria de ser). No Brasil, esta canção foi bem “encampada” pela atriz e cantora niteroiense Maria Alice Conceição, bem mais conhecida como Watusi e que adotou “Goldfinger” como prefixo de seus shows. Ainda mais longe foi a banda Claudio e os Goldfingers – uma das primeiras bandas gaúchas de rock a gravarem um álbum, tchê! – ; não contentes em regravarem uma interessante versão instrumental do tema, adotaram seu título como nome da banda! (Curiosamente, todas as páginas da internet em que li sobre este único álbum de Cláudio e os Goldfingers, de 1967, inclusive Discogs e Immub, relacionam suas faixas omitindo pelo menos uma ou duas...) 



Registremos também um certo Bob Goldfinger (há quem diga ser este um dos muitos pseudônimos de Fábio Jr.), da turma do chamado “Hits Brasil” (rótulo surgido nos anos 1980 para designar as pessoas artistas “falsas estrangeiras”), cujo único disco, de 1975, é uma versão em inglês de “Não Quero Ver Você Triste”.



1967 trouxe mais um filme de James Bond com mais uma power-ballad-título de John Barry e Leslie Bricusse: “You Only Live Twice” (isso mesmo, Com 007 Só Se Vive Suas Vezes), desta vez interpretado por uma pessoa não famosa por grandes dotes vocais mas que interpretou direitinho: Nancy Sinatra. E “You Only Live Twice” teve pelo menos duas versões brasileiras diferentes: “Só Existe Um Lugar”, escrita por Hamilton DiGiorgio e cantada por Rosely (detalhe: segundo a contracapa do compacto, o filme ainda estava para ser lançado no Brasil), e “Vivemos Duas Vezes”, feita por Bruno Silva e interpretada por Luiz Carlos Clay. Este cantor fez sucesso na época da jovem guarda e depois no brega (“cada dia que passa eu te amo mais, te amo mais, te aaaaaamo mais...”); já Rosely, além de também ter tido seu lugar no sol sempre a brilhar da JG (lembro-me de um outdoor junto ao túnel da Avenida Nove de Julho divulgando-a como apresentadora de um programa de TV chamado Juventude Avançada, com um balão de HQ onde ela dizia “se você ainda quer me ver, evite correr”), gravou um bom álbum na CBS onde interpreta iê-iê-iê mais sofisticado e até jequibau, ritmo que não é para qualquer pessoa interpretar.

 


James Bond também não é personagem para qualquer pessoa interpretar. Casino Royale é exemplar atípico da primeira leva de filmes bondianos por ser uma comédia, não ter Sean Connery e o principal tema musical primar pela sutileza: a balada-bossa « The Look Of Love » de Burt Bacharach e Hal David, sofisticada o batante para ser apreciada como boa música e suave o bastante para servir de música ambiente, Um tema de 007 com influência brasileira não poderia escapar de muitas regravações por gente brasileira com influência estrangeira das mais variadas, como Sérgio Mendes, Astrud Gilberto, os Jordans, os Biriba Boys, o Somtrês de Cesar Mariano, Laurindo Almeida, o tecladista Al Fannys, o violonista Messias, Los Tropicanos, Lyrio Panicalli, Osmar Milito e, já no século 21, Patti Ascher (2007, em inglês) e Paula Lima (2003, em português, “O Olhar Do Amor”). 

E “Bond Street”, outro dos temas compostos por Burt Bacharach para o filme Casino Royale, foi regravado em 1967 por uma banda fantasma chamada Conjunto Casino Royale (mais "period-piece" impossível) num LP do selo Polydor intitulado O Jogo Do Sucesso, além de ganhar pelo menos duas citações no rock brasileiro: em “Sincero” de Lulu Santos, de 1985, aos 2’41”, e “Morto” da banda Pato Fu, de 1999 ("A fila dos bonitos é aquela de lá!/Quem nunca dançou vai começar a sambar!").

007 A Serviço Secreto De Sua Majestade trouxe outra bela balada-bossa com letra de Hal David (mas com melodia de John Barry), "We Have All The Time In The World", cantada por essa grande força da natureza chamada Louis Armstrong, e que teve uma boa versão brasileira, «Meu Amor, O Tempo E O Mundo”, escrita pelo já bem citado Arnaud Rodrigues e gravada por Moacyr Franco. 

"Diamonds Are Forever", outro tema-título de John Barry e Don Black para filme bondiano, teve pelo menos uma versão brasileira, e parte da onda de nostalgia-exploração dos anos 1960 nos 1980, intitulada "Nave Do Amor", composta por Luiz Zucchi e lançada em 1983 no selo RCA pelo trio Zuc-Zuc; a gravação foi produzida pelo lendário O'Meara, Gabriel O'Meara.

007 tem licença também para usar baladas não-bossa e não-power, como “Nobody Does It Better” (de O Espião Que Me Amava) e “For Your Eyes Only” (Somente Para Seus Olhos). A primeira é um dos poucos sucessos de Carly Simon não compostos por ela mesma (no caso, é parceria de Carole Bayer Seger com Marvin Hamlisch), e uma curiosidade é esta canção ter tido versão (“Meu Homem”) de, ao contrário, uma pessoa não famosa como compositora: a própria Fafá. Tanto Carly quanto Fafá tentavam ser mais sexies do que realmente eram, mas vale ouvir e comparar. Quanto a “For Your Eyes Only” (de Bill Conti e Michael Leeson), cantada no filme por Sheena Easton, tem em comum com a versão de Fafá o fato de que a própria intérprete brasileira foi também a versionista: Leila, no momento ainda mais obscura para mim que a citada Rosely e sobre quem até agora só descobri ter gravado este e outros poucos compactos na RCA na virada dos anos 1970 para 1980, quase somente versões, incluindo temas de Sally Oldfield e John Lennon; sua versão de “For Your Eyes Only” foi intitulada “Eu Te Perdi” (e um dos autores da canção original teve seu nome grafado erroneamente no disco, “Lesson”; dois detalhes deste compacto que valem muito serem lembrados são a produção de Renato Barros, líder de Renato e Seus Blue Caps, e o arranjo de igualmente saudoso maestro Miguel Cidrás).


Outra figura maioral que também se revelou uma força da natureza e se tornou parceira de James Bond é Paul McCartney, que obviamente, tendo participado do tão zerozeroseteano filme Help!, deve ter se sentido em casa ao compor “Live And Let Die” para o filme deste nome (no Brasil, Com 007 Viva E Deixe Morrer). Esta canção teve pelo menos duas regravações brasílicas, a do maestro Erlon Chaves em 1973, o mesmo ano da gravação original, e a da sempre bem lembrada banda Pato Fu (usando instrumentos de brinquedo!) em 2010.

Quem não é brinquedo é a banda punk Garotos Podres, que em 2014 aproveitou um trocadilho com um filme de James Bond e o nome de seu vocalista, Mao, para um CD intitulado O Satânico Dr. Mao E Os Espiões Secretos.

E concluo esta festa indicando a Matraca Online e a página James Bond Brasil, além de agradecer a Mauricio Pio e Marcio de Paula pela consultoria. E as imagens não de meu acervo vieram de páginas como a Discogs e 45cat. Os diamantes são eternos, e as canções de 007 mais ainda!

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