A PAREDE DE SOM TEM OUVIDOS: A OBRA DE PHIL SPECTOR NO BRASIL
“É ISSO O QUE EU GANHO POR TE AMAR?”
Para começar, um pouco de jornalismo informativo. O produtor, compositor, músico e encrenqueiro estadunidense Phil Spector, lançador e/ou autor de dezenas de canções clássicas do pop-rock, faleceu em 16 de janeiro de 2021, aos 81 anos, de covid-19, no hospital da prisão onde cumpria pena por assassinato.
Mais um artista importante que se vai... Mais um artista importante vítima desta pandemia... E mais uma celebridade importante a ser “cancelada” (uma de tantas palavras usadas, “ressignificadas”, da forma mais equivocada; neste texto lembraremos outra), ou seja, considerada digna de ser esquecida com obra e tudo, por motivos alheios à referida obra?
Genialidade permite excentricidade, mas há limites. O cidadão Harvey Philip Spector era egomaníaco, arrogante, obsessivo, dominador, inseguro, mandão, manipulador, incapaz de colaborar ou trabalhar em equipe, machista, ciumento, fã de armas de fogo... e tinha o chamado “complexo de Napoleão”; foi mais um exemplo de pessoa de baixa estatura que compensou sonhando alto e lutando muito. Na vida ele passou por diversos traumas que, se não justificam suas falhas humanas, as explicam: foi discriminado por ser de porte franzino e judeu, aos nove anos amargou o suicídio do pai, sofreu megabullying de um bando que lhe urinou em cima num banheiro público; já adulto e famoso, perdeu um filho ainda criança para a leucemia, quase morreu num acidente automobilístico, e a chacina comandada por Charles Manson numa mansão próxima à sua contribuiu para torná-lo cada vez mais paranoico, recluso e excêntrico e menos ativo como músico e produtor. Sim, faz lembrar a letra de “Hitler” do Língua de Trapo. Com o tempo Spector se revelou excêntrico cada vez menos “do bem”, chegando a cunhar frases como “é melhor ter uma arma e não precisar dela do que precisar dela e não ter”, aparecer em público com uma arma no ombro e um guarda-costas anunciado como “o único que protege as outras pessoas de seu cliente”, sentir ciúme de sua então esposa Ronnie Spector a ponto de trancá-la no guarda-roupa e, por fim, assassinar a atriz Lana Clarkson. Como nos EUA existe alguma coisa parecida com justiça, Spector foi preso e condenado a 19 anos de reclusão, dos quais cumpriu quase 12, tendo falecido no hospital da prisão; sim, cumpriu da pena o quanto pôde. “Ninguém é totalmente bom ou ruim”, e “cancelar” as realizações de Phil Spector por suas falhas como pessoa implicaria em fazermos o mesmo com o prepotente Wilson Simonal, o direitista Fagner, o “esquerda-caviar” Chico Buarque, o pedófilo Michael Jackson, os espancadores de esposas Júpiter Maçã e Ike Turner, os assassinos Leadbelly e Jim Gordon, o mafioso Frank Sinatra, o anti-semita Richard Wagner, o delator Gregg Allman, o superjagunço Assis Chateaubriand, o racista Lobato, o pai ausente Pelé... (Afinal, o cantor Lindomar Castilho também foi preso por assassinato, cumpriu a pena de brevidade tipicamente brasileira e teve a menos pior de suas canções transformada em prefixo de programa de TV da Globo...) Se por mais não seja, as produções de Phil Spector merecem ser lembradas também, até principalmente, por quem as compôs, arranjou, tocou e interpretou: Barry & Greenwich, Carole King & Gerry Goffin, Jack Nitzsche, Hal Blaine, Barney Kessel, Carol Kaye, Tommy Tedesco, os Righteous Brothers, Ronnie Spector, Darlene Love... E, como produtor de discos, Phil Spector se tornou grife, sinônimo de superlativo, modelo e excelência em sua área, como Bach, Caruso, Michelangelo, Pelé, Niemeyer, Zerbini, Senna, Shakespeare, Picasso, Orson Welles.
Phil
Spector nunca esteve no Brasil, mas sua obra sim (ele veio “em conserva”, como
dizia Cornélio Pires). Sua imagem também, como participante no filme Easy Rider/Sem Destino – uma ponta no
papel de um traficante, com trocadilhos como “ponta” e “papel” e tudo – e num
episódio de 1967 da série de TV Jeannie
É Um Gênio (Jeannie, The Hip Hippie/Um
Conjunto Desconjuntado), além de em 1970
Spector já estar famoso como produtor/dominador a ponto de ser satirizado, com
o nome Ronnie Barzell, no filme Beyond
The Valley Of The Dolls/De Volta Ao Vale Das Bonecas, dirigido por Russ
Meyer e lançado em 1970 –filme profético, pois Barzell mata algumas pessoas, e
paga por isso ao ser ele mesmo morto no final. Mais recentemente, em 1996, Spector
e seus “girl groups” foram parodiados nas pessoas do produtor N. D. Horne e do
trio vocal The Chantrellines no filme The
Wonders/The Wonders, O Sonho Não Acabou de Tom Hanks. E
este artigo pretende lembrar adaptações, edições e citações brasileiras do
cânone spectoriano.
“VOCÊ VEIO, VIU E VENCEU!”
Personagem dos mais interessantes, Phil Spector é também pessoa das mais importantes do rock. Além de compositor de muitos grandes sucessos e multiinstrumentista, foi também a primeira pessoa na música popular a se tornar um astro mundialmente famoso como produtor de discos, com sua sonoridade bombástica conhecida como “wall of sound”, muralha sonora, e seu controle total de todos os detalhes de cada gravação, muitas vezes até criando artistas no estúdio, e quase sempre recebendo mais destaque que os e as artistas nos discos. (E ele preferia lançar discos em mono não por ser primitivista como Charlie Chaplin, fiel ao cinema mudo e em preto e branco, mas para controlar até quem os ouvisse, sem alternativa de separação ou mixagem de instrumentos.)
No princípio o rock só promovia quem cantava; depois, artistas como os Yardbirds valorizaram o/a instrumentista para além do rock instrumental; com Bob Dylan o(a) compositor(a) deixou de ser invisível; e foi Phil Spector quem trouxe a produção para a sala de visitas. Na fonografia popular em geral, incluindo o rock, a primeira presença a ser notada é a da obra, depois o nome de quem interpreta, em seguida a autoria da obra com aquelas letrinhas miúdas que pouca gente percebe, e só então alguém se lembra de notar – ou mesmo de creditar – a pessoa produtora. Isso que a percepção de “produção de discos” é coisa recente (embora obviamente necessária desde a invenção da gravação sonora, ela foi crescendo em importância à medida que a parte técnica ia se tornando cada vez mais complexa e sofisticada, do cilindro de Edison à fita e computador multicanais – mas notem que, por exemplo, George Martin nunca ou quase nunca é citado em edições brasileiras de discos dos Beatles antes de 1966), e o termo “produtor” é mais recente ainda, no Brasil ou no exterior; até o começo dos anos 1970 boa parte dos discos creditam quem cuidou da “supervisão”, “supervisão pessoal”, “coordenação geral e direção de estúdio”, “direção artística”; o termo “produção” começou a ser mais usado na metade dos anos 1960.
Já que falamos em cinema, Spector foi o Cecil B. de Mille – ou, se preferirem, o Orson Welles ou o Ken Russell (ou ainda, infelizmente, um Tarantino, mas com violência não na tela e sim na vida real) da produção fonográfica, e se promoveu de acordo. Basta lembrar que quase todos os sucessos que produziu costumam ser mais lembrados pelo seu nome que o dos/das intérpretes (Ronettes, Crystals, Righteous Brothers, Darlene Love...), do mesmo modo que, no cinema, quase todo mundo assiste a filmes de Hitchcock, Orson Welles, Woody Allen ou Almodóvar deixando o elenco para segundo plano. Se bem que, ao deixar de fazer grande sucesso no fim dos anos 1960, Phil Spector teve de se sujeitar a trabalhar com os e as Marlon Brando e Greta Garbo da música, ou seja, elenco que atrai público independente de quem dirige o filme; então Spector praticamente parou de ajudar ou “inventar” novos talentos e preferiu trabalhar com artistas já de renome (e quase todas terminando em briga ou os/as artistas se queixando) como os Beatles, John Lennon, George Harrison, Leonard Cohen, os Ramones, Yoko Ono...
(Parece-me adequado lembrar que Spector ajudou muito os Stones a surgirem para o sucesso lá em 1964-5, mas desde então eles trabalharam não com ele e sim com seu braço-direito, o multi-instrumentista e arranjador Jack Nitzsche (1937/2000), inclusive em álbuns como Sticky Fingers e Emotional Rescue. “Jack era o gênio, não Phil”, resumiu Keith Richards em sua autobiografia; “Phil pegou a personalidade excêntrica de Jack e sugou-a inteira.”)
“FOI ASSIM QUE SEMPRE SONHEI... POSSO OUVIR MÚSICA”
O primeiro e maior impacto de Phil Spector no Brasil foi como compositor. Poucas gravações originais de seus sucessos dos anos 1950 e 1960 foram lançadas no Brasil, mas muitas de suas canções fizeram sucesso com regravações por outras pessoas, brasileiras e estrangeiras. Um exemplo é “You’ve Lost That Lovin’ Feelin’”; a gravação original dos Righteous Brothers só saiu aqui na década de 1970, mas a canção foi sucesso no Brasil com artistas como Cilla Black, Johnny Rivers e Elvis Presley. E muitas composições de Phil Spector fizeram sucesso no Brasil com artistas locais, cantando em inglês ou em versões para o português.
“Spanish Harlem”, parceria com Jerry Leiber e lançada por Ben E. King, saiu no Brasil em 1961 em LP similar ao original estadunidense, também chamado Spanish Harlem, mas aqui ganhou o título de outra faixa, Amor (sim, uma versão em inglês do famoso bolerão de Gabriel Ruiz, “amor, amor, amor, nació de ti, nació de mi, de la esperanza...”) Outro LP com faixa-título spectoriana a ser lançado no Brasil, mas sem mudança de título, foi Chapel Of Love com o grupo vocal The Dixie-Cups.
Ao se gravar um compacto simples, o lado-A seria, obviamente, calculado para o sucesso, e para o lado-B temos as opções de deixá-lo em branco, repetir o lado-A (às vezes em mono ou estéreo ou com mixagem e/ou duração diferentes), colocar alguma brincadeira sonora ou caprichar como se fosse outro lado-A. Esta última opção é a mais lógica para artistas ou mercado de baixo poder econômico ou aquisitivo, mas a mentalidade capitalista predadora dos EUA, o país da obsolescência planejada, a própria “teenage wasteland”, se arrepiava de horror só de pensar nisso: um compacto com dois lados bons dividiria as atenções e nenhum dos lados tocaria no rádio o bastante para fazer grande sucesso, de modo que um lado-B ruim ou inexistente forçava as rádios a se concentrarem no lado-A. Não faltam exemplos de compactos com ambos os lados fortes que aniquilam essa, digamos, lógica (“I Get Around”/“Don’t Worry Baby”, “Hound Dog”/“Don’t Be Cruel” e tantos de artistas como os Beatles, Kinks, Who e Stones), mas muita gente embarcou nessa, inclusive Phil Spector, que lançou quase 20 lados-B propositadamente nulos. No Brasil, como dissemos, foi diferente – e para melhor. Na época a Philles, gravadora de Spector, era distribuída pela inglesa London (na famosa série American Recordings, reunindo vários selos estadunidenses independentes) em vários países, inclusive o Brasil, onde a London representada pela Odeon (futura EMI), que tinha uma prática interessante: quando um(a) artista de fora emplacava mais de um sucesso, a Odeon pegava os dois lados-A e os lançava aqui num único disco. Assim nasceram belos compactos brasileiros como “A World Without Love”/”Nobody I Know” de Peter & Gordon, “How Do You Do It”/”I Like It” de Gerry & The Pacemakers e “Please Please Me”/”From Me To You” dos Beatles. Um belo exemplo spectoriano é “Be My Baby”, cujo lado-B brasílico na ocasião foi “Walkin’ In The Rain”, um dos hits seguintes das Ronettes – e com o bônus de uma bela capa. (O público italiano também foi agraciado com esta acoplagem numa capa que, embora usando a mesma foto promocional da edição brasílica, é bem mais berrante que bonita.)
Outra instância de dois compactos spectorianos que graças a Deus e à
Odeon perderam seus lados-B inócuos e se uniram num excelente único disco – com
o bônus especial de uma bela capa – aconteceu com o grupo vocal The Crystals e
seus hits “Da Doo Ron Ron” e “He’s Sure The Boy I Love”, em 1963. (As traduções
de nossas gravadoras eram um show à parte; aqui, por exemplo, “boy”, rapaz,
amadureceu e virou “homem”.)
Já alguns discos da parceria de Phil Spector com a gravadora A&M, na segunda metade dos anos 1960, saíram aqui com os lados-B originais. Dois exemplos são de Sonny Charles & The Checkmates: “Black Pearl” e “Love Is All I Have To Give”; aqui também saiu o LP correspondente, intitulado Love Is All I Have To Give, e em edições mono e estéreo. Outro é “You Came, You Saw, You Conquered!” com as Ronettes (mais exactamente, Ronnie Spector, née Veronica Yvette Bennett); neste caso, felizmente, Spector tinha parado com os “lados B-estas” e trouxe uma de suas típicas baladas bombásticas, “Oh I Love You”, que por mim teria entrado na caixa retrospectiva Back To Mono das produções de Spector.
Lembremos também da participação de Phil Spector, em sua primeira visita à Inglaterra, no primeiro LP dos Rolling Stones, que inclusive rendeu uma parceria com Mick Jagger, “Little By Little”, e uma imitação-paródia dos instrumentais efêmeros dos lados-B, “Now I’ve Got A Witness (Like Uncle Phil And Uncle Gene)” (além de duas jam-sessions similares e inéditas em discos oficiais, a instrumental “And Mrs. Spector And Pitney Came Too” e a mais “risqué” “Andrew’s Blues”), onde Spector tocou maracas e percussão variada (inclusive maracas e, ao que consta, bater moda numa garrafa de conhaque esvaziada o suficiente para soar com uma nota ao agrado de Brian Jones). Sim, este é o LP dos Stones em cujas edições brasileiras da Odeon Bill Wyman toca “guitarra-grave” – na mesma época em que Paul McCartney tocava “guitarra baixa” no LP Beatlemania.
“MELODIA DESACORRENTADA”
Nada melhor pode acontecer a uma canção que ela sobreviver a quem a lançou e ter outras interpretações – e muitas, muitas vezes é por meio destas que elas alcançam maior público e, por quê não, rendem mais direitos autorais. E muitos são os hits produzidos por Phil Spector cujas primeiras gravações não foram lançadas a época no Brasil, mas que fizeram sucesso com outros (as) artistas, de fora ou locais.
E muitos dos hits produzidos por Phil Spector realmente passaram no teste
do tempo e têm sido apresentados a gerações mais novas por regravações como “Da
Doo Ron Ron” com os Carpenters, “Then She Kissed Me” com o Kiss, “Spanish
Harlem” com The Mamas And The Papas, “I Can Hear Music” com Larry Lurex (que logo ficaria mais famoso com o nome Freddie Mercury), a mesma "I Can Hear Music", "Just Onc In My Life" e "Chapel Of Love" com os Beach Boys e “Black
Pearl” numa bela versão reggae (bem melhor que a marcação marcial de Spector, fórmula
que em 1969 já começava a cansar) por Horace Faith (no primeiro álbum da série de
compilações dançantes USA Click da
gravadora Beverly, em 1971).
Lembremos também o grande sucesso de versões em outros idiomas lançadas no Brasil. Por exemplo, conheci “Then She Kissed Me” em francês com Richard Anthony, “Et Je M’en Vais”, e nos anos 1980 descobri que “You’ve Lost That Lovin’ Feelin’” teve versão em italiano com o grupo inglês radicado na Itália The Rokes, “Ma C’è Un Momento Nel Giorno”, e Peppino Di Capri gravou “Be My Baby” também em italiano e com título bem mais sucinto, “Baby”. Temos ainda uma versão em alemão para “Oh Why”, lançada por Phil Spector ainda com seu trio Teddy Bears, cantada por Camillo como “Sag Warum” e que logo voltará à conversa.
“PÉROLA NEGRA”: REGRAVAÇÕES BRASILEIRAS
Outra das primeiras versões brasileiras de composições de Phil Spector é “Depois Que A Beijei”, lançada em 1966 pelo Trio Melodia, e é uma versão de Leno para “Then I Kissed Her”, mais uma parceria de Phil Spector com a dupla Jeff Barry e Ellie Greenwich. Este Trio Melodia, que revelou o cantor brega Fredson, surgiu na época da jovem guarda; não confundir com o outro grande Trio Melodia, formado nos anos 1940 por Paulo Tapajós, Nuno Roland e Albertinho Fortuna.
Até onde sabemos, a pessoa mais frequente intérprete brasileira de Phil
Spector foi Wanderléa (nasc. 1946), que gravou nada menos de três versões de
suas canções durante o auge da jovem guarda: “Capela Do Amor”, “Gostaria de
Saber” e “Chegou, Sorriu, Gostei”, versões de, respectivamente, “Chapel Of
Love”, “River Deep, Mountain High”, ambas parcerias de Phil Spector com Jeff
Barry e Ellie Greenwich, e “You Came, You Saw, You Conquered”, parceria com
Toni Wine e Irwin Levine. “Capela Do Amor” foi lançada em 1964 (com o nome de
Spector omitido da autoria) e a versão é de Neusa de Souza; “Gostaria de Saber”
saiu em 1968 e a versão (sem nada a ver com a letra original!) é de Luiz
Keller; “Chegou, Sorriu, Gostei” foi lançada em 1969 e a versão foi feita por
Leno, que também cantou com Wanderléa no disco.
Outras versões brasileiras de canções spectorianas incluem “Eu Te Adoro”, uma interpretação breguíssima do arranjo da gravação de Andy Kim para “Baby I Love You”, escrita por Rossini Pinto e gravada por Luiz Carlos Magno em 1970. Oito anos depois, o grupo Super Bacana, aquele do hit “Meu Fogo Vai Queimar Você”, gravou “Sonho Louco”, versão de Rico para “Da Doo Ron Ron”. Mais chique e mais recente é a gravação de Daniel Boaventura de “You've Lost That Lovin' Feelin'”, ao vivo em 2012.
“ELE ME BATEU E FOI COMO UM BEIJO”
No Brasil Phil Spector, como figura de bastidores, chamou pouca atenção da imprensa durante os anos 1960, e se tornou grande notícia graças à sua associação com o álbum Let It Be dos Beatles e as carreiras-solo de John e George. O florescer da imprensa brasileira sobre rock ajudou muito, principalmente as menções na revista Rock, A História E A Glória e um já mencionado belo artigo (e em duas partes!) por René Ferri (uma das quatro pessoas que imitei ao começar a escrever sobre música, as outras três sendo Ana Maria Bahiana, Ezequiel Neves e Carlinhos Pop Gouveia) no fanzine de sua loja Wop-Bop, em 1977. Spector tem sido lembrado também em livros brasileiros sobre rock, como o Almanaque Do Rock de Kid Vinil (Ediouro, 2008), Do Blues À Jovem Guarda de Albert Pavão (Edicon, 2013) e duas pratas da casa, Breve História Do Rock (Nova Alexandria, 2007) e História Do Rock – Os Primeiros 200 Anos (Nova Sampa, 1994) – em ambos citei Phil Spector como um dos muitos nomes que desmentem o mito de que não existiu rock de qualidade desde a morte de Buddy Holly e o alistamento militar de Elvis Presley ao grande estouro dos Beatles, e neste último até que resumi bem a figura: “Compositor, guitarrista e, principalmente, produtor de um estilo bombástico e eficiente, misturando soul, doo-wop e ‘tuttis’ (não fruttis) da música erudita; criador do ‘wall of sound’, transformando canções geralmente medianas em, como ele resumia, ‘pequenas sinfonias para os garotos’ [hoje eu diria “a garotada”].”
Quanto à literatura brasileira não especializada em rock, há pelo menos uma menção, e divertida. O jornalista e escritor Ruy Castro (nasc. 1948) notabilizou-se por sua dedicação à música brasileira urbana surgida até a bossa nova e ao jazz e o pop-não-rock estadunidenses, sendo um “rock-hater” e um elitista benigno e bem-humorado. Para ele, do rock salvam-se apenas algumas canções dos Beatles conforme interpretadas por artistas de jazz; composições de rock resumem-se a “garranchos” e “saber cantar ficou secundário nos novos tempos de Yoko Ono, Janis Joplin, Nina Hagen e outras beldades impróprias para consumo humano”. Esta sentença condenatória está no livro Saudades Do Século 20 (Companhia das Letras, 1994), que também menciona Phil Spector, e de forma não muito elogiosa, conforme o recorte abaixo.
O livro citado por Ruy Castro, por extenso Jazz Singing – America’s Great Voices From Bessie Smith To Bebop And Beyond e lançado em 1990, é um pouco mais leniente – seu autor, Will Friedwald (nasc. 1961) chega a citar James Brown sem falar bem nem mal e a elogiar uma única gravação do selo Motown, um álbum do cantor Billy Eckstine – , mas sempre citando Phil Spector como exemplo do pior do rock.
Falámos
sobre a revista Rock, A História E A
Glória, realmente uma das melhores publicações sobre música que o Brasil já
teve. Mas ela não estava acima (e quem está?) de um errinho ou outro. Em sua
derradeira (buá!) edição, no fim de 1977, Phil Spector é citado como símbolo
superlativo de produção de discos; vejam o recorte logo acima. Foi nesta matéria
que li pela primeira vez sobre o produtor brasileiro Pelão (nasc. 1942), que
anos depois entrevistei algumas vezes para meu livro sobre Adoniran Barbosa, de
quem ele produziu quase todos os LPs nos anos 1970 e 1980, além de cuidar de
LPs de Raul de Barros, Nelson Cavaquinho e Cartola, nada tendo de “tremendo
enganador”...
Outra curiosidade é esta parada de sucessos publicada na revista Billboard em 29 de agosto de 1970 (e a revista não noticiou que no dia seguinte eu completaria 13 anos de idade e meu primeiro mês como comprador de discos...). Por pouco os três primeiros lugares não têm todos a ver com Phil Spector! Vejamos. O álbum Let It Be foi formatado por Spector a partir de muitas horas de gravações dos Beatles. Le Bateau Ao Vivo inclui, como já dissemos, uma versão envenenada de “Be My Baby”, com a Fragile Rock Valley. E este volume da série As 14 Mais deve ser o de número 24; certamente, o volume anterior inclui uma versão, gravada por Wanderléa, de uma canção de Spector, a já mencionada “You Came, You Saw, You Conquered!” (“Chegou, Sorriu, Gostei”).
“A CADA VEZ QUE RESPIRO”
Para terminar, citarei meu compadre Luiz Octavio,
compositor e guitarrista líder da banda Luiz Octavio E Os Quatro Olho e com
quem toquei na banda Old Kids On The Rocks. Em 2005 ele adotou o nome Lou
Spector e formou a banda The Spectors, ao lado de Rosa Spector (Rosa Freitag)
na guitarra, Luiz Albano Spector ao contrabaixo e Trinkão Spector (sim, o velho
e bom baterista do Magazine). Os Spectors fizeram algumas gravações que podem
ser ouvidas no Youtube, como “Escada Rolante”, versão de “Seven Eleven” dos
Ramones, gravada em 2009. (Já existiam no exterior pelo menos duas bandas
chamadas The Spectors, mas suspeito que a “nossa” seja melhor...)
Também paulistana é a banda Monokini, que em 2002 gravou uma canção intitulada “Complexo De Phil Spector”, “homenagem” às pessoas por demais cheias, até entupidas, de si. Sim, Spector tinha “complexo de Napoleão” e se tornou ele mesmo nome de exagero de personalidade...
“NUNCA IREI PRECISAR DE MAIS DO QUE ISTO”
Agradecimentos a Claudio Finzi Foá pela sugestão de escrever em meu blogue este texto que estás acabando de ler; a Martha Maria Zimbarg pelo incentivo; à Rádio Gazeta, por alguns selos de discos que eu mantinha na memória mas não nos arquivos (outros eu tirei de meu acervo pessoal e de páginas como Immub, Discogs e 45cat.)
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