RESENHAS COM TECLA SAP/REVIEWS WITH THE SAP BUTTON: "JOJO RABBIT"
“Jojo was a kid
who thought he was a Nazi...”
“He’s not a Jewish
boy but he did earn his name with Waititi...”
Primeiro em português, depois em inglês.
Jojo Rabbit é, para mim, a comédia amarga que Parasita poderia e deveria ter
sido, sem a desnecessária carnificina tarantinesca no final. OK, não tão
desnecessária para se ganhar Oscars nestes dias de totalitarismo e
cada-pessoa-por-si-e-Deus-acima-de-todos, mas Jojo Rabbit também ganhou um
Oscar - bem, não importa.
Jojo Rabbit é muito bem
dirigido, até serve como uma aula de direção, alternando muito bem humor, drama
e suspense, e com fotografia e trilha sonora muito boas. O elenco também é dos
melhores. E o enredo tem muitos e bons aspectos (ou, subtextos, para soar mais
intelectual), que comentarei por ordem de lembrança. (Danem-se os “spoilers”,
tão importante quanto a história é quão bem ela é contada.)
Primeiro: “ninguém é
totalmente bom nem ruim”, exemplificado pelo oficial nazista que faz vista
grossa para o erro de Elsa, a judia clandestina, ao se passar pela irmã
falecida do protagonista e memorizar os dados de seu documento de identidade (e
eu, sendo tradutor oficial e pesquisador, adoro documentos de todos os
tipos...).
Segundo, citando Schiller
(não Rilke): “Contra a estupidez até as divindades lutam em vão”... A
credulidade humana não é privilégio da infância; Jojo Rabbit, o personagem principal, convivendo com
seu amigo imaginário, tem a desculpa de ser criança, mas os nazistas, mesmo
adultos, são mostrados como pessoas que acreditam em qualquer bobagem sobre o
povo judeu. O filme critica também o horror inútil e cruel da própria guerra,
especialmente na caricatura da oficial que se orgulha de ter dado 18 filhos ao
exército de Hitler e numa das cenas finais, em que Jojo se vê em meio a um dos
últimos bombardeios. (A citação a Rilke no final também é muito bem-vinda:
“Deixa tudo te acontecer/Beleza e terror/Siga em frente/Nenhum sentimento é
definitivo.”)
Terceiro: “nada é sagrado
para o humor”, e é possível, até necessário, fazer humor com assuntos sérios,
por mais sérios que sejam. Afinal, isso tem ajudado muito ao próprio povo judeu
nestes séculos todos. Lembremos que em Jojo Rabbit quem interpreta o Hitler
amigo de Jojo é um judeu, Taika Waititi (que também é o próprio diretor do filme).
E uma cena que tem sido muito citada é a caótica saudação “Heil Hitler” que
chega a lembrar o “boa noite” da família Walton. Houve quem criticasse este
filme por não ousar sair do humor, mas para mim seu grande mérito é justamente
esse, usar delicadeza suficiente para passar as mensagens antibelicista e
antinazista sem empurrá-las goela da plateia abaixo.
Quarto: “o espetáculo tem
que continuar”, positividade sempre vence, por pior que sejam o cenário e o
momento. Jojo Rabbit, mesmo sem família e sem o oficial nazista que o ajudou,
encontra apoio em Elsa e em seu melhor amigo, o gorducho Yorki. Tal otimismo é
bem resumido no fim do filme, quando Jojo e Elsa dançam ao som de “Heroes” de
David Bowie, “podemos ser heróis e heroínas”.
Quinto: “arte não tem
regras fixas”. E daí que não havia Beatles nem Bowie no período da Segunda
Guerra Mundial? Tais anacronismos foram bem justificados por Marvin Hamlisch,
autor da trilha de Golpe De Mestre: “Se eu achar que jazz fica bem numa cena de uma
bacanal romana, não hesitarei”.
Uma crítica a Jojo Rabbit
disse que seu diretor, Taika Waititi, “não chega aos pés de Tarantino, não em
técnica mas em ousadia”. Nunca vi maior elogio involuntário. Para mim, dizer
que Waititi não se iguala a Tarantino equivale a dizer que Neil Peart não se
iguala a Peter Criss. E, como se diz no Nordeste, “estupidez não é valentia”, e
hoje em dia violência gratuita nada tem de ousadia, muito pelo contrário, é
puro conformismo ao que o mercado pede...
Interessante é a presença
dos Beatles no filme, não só explicitamente com “Komm, Gib Mir Deiner Hand”,
mas também porque a histeria de megashows de rock – descendentes da Beatlemania
e da precedente Elvismania – lembra muito as reuniões nazistas de Nuremberg. E,
para mim, Rosie, a mãe de Jojo, lembra muito Julia, a mãe de John Lennon:
jovial, irreverente, sensual - e destinada a um fim trágico (no caso de Rosie,
foi porque, para citarmos a própria, “ela fez o melhor que pôde” – combateu
ativamente o nazismo distribuindo panfletos de “Alemanha livre”. E houve quem pensasse - pessoas criticas profissionais de cinema! - que ela morreu por ter ocultado uma pessoa judia...). Igualmente
bem-vinda é a presença de David Bowie com seu sucesso “Helden” – isso mesmo,
“Heroes”, que também teve versão em Deutsch.
E Jojo Rabbit é uma espécie
de microcosmo do cinema atual. Tem Beatles, como Yesterday. Tem uma pessoa
moradora clandestina, como Parasita. Tem um grande malfeitor que aparenta
comicidade, como Coringa. Mas Jojo Rabbit é melhor que todos estes. Wir sind dann Helden für einen Tag... Du nimmst mir
den Verstand!
Now pressing the
SAP button:
To me Jojo
Rabbit is the bitter comedy that Parasite
could and should have been, without the unnecessary Tarantino-ish carnage at the
end. OK, not so unnecessary in order to win Oscars in these days of totalitarianism and
every-person-for-themselves-and-God-above-all, but Jojo Rabbit also won an
Oscar - well, so what?
Jojo Rabbit is very
well directed, even serves as a directing lesson, alternating humour,
drama and suspense very well, and with very good photography and soundtrack. The cast is
also one of the best. And the plot has many good aspects (or subtexts, to sound
more intellectual), which I will comment on as I remember them. (Damn the
spoilers, as important as the story is how well it’s told.)
First: “no one is
totally good or bad”, exemplified by the Nazi officer who turns a blind eye to
the error of Elsa, the clandestine Jewish girl who poses as the protagonist's
deceased sister and memorises the data from her identity document (and me,
being an official translator and researcher, I love documents of all kinds
...).
Second, quoting
Schiller (not Rilke): "Against stupidity even the deities fight in
vain"... Human credulity is not a privilege of childhood; Jojo Rabbit, the main character, living with his imaginary friend, has the excuse of being a child, but the
Nazis, even though they’re adults, are shown as people who believe in any old
thing about the Jewish people. The film also criticises the useless and cruel
horror of the war itself, especially in the caricature of the female officer
who is proud to have given Hitler's army 18 children and in one of the final
scenes, in which Jojo finds himself in the middle of one of the last bombings.
(Hilke’s quote at the end is most welcome too: “Let everything happen to you/Beauty
and terror/Just keep going/No feeling is final.”)
Third: “nothing is
sacred to humour”, and it is possible, even necessary, to make fun of serious
matters, however serious they may be. After all, this has helped the Jewish
people a lot in these centuries. Let us remember that in Jojo Rabbit the actor who plays
Hitler is a Jew, Taika Waititi (also the film's director). And a scene
that has been cited a lot is the chaotic “Heil Hitler” greeting which is not unlike The
Waltons’s “good night”. There were those who criticised this film for not
daring to leave the humour, but for me its great merit is precisely that, using
enough delicacy to pass the anti-war and anti-Nazi/intolerance messages without pushing
them down the audience's throats.
Fourth: “the show
must go on”, positivity always wins, however bad the scenario and the moment.
Jojo Rabbit, even left without a family and without the Nazi officer who helped
him, finds support in Elsa and his best friend, the plump Yorki. Such optimism
is well summarised at the end of the film, when Jojo and Elsa dance to the
sound of “Heroes” by David Bowie, “we can be heroes” (and heroines, I beg to
add).
Fifth: “art has no
fixed rules”. So what if there were no Beatles or Bowie in World War II? Such
anachronisms were well justified by Marvin Hamlisch, author of The Sting movie soundtrack (I
quote from memory, not necessarily verbatim, but the message goes like this): "If
I think jazz looks good in a Roman bacchanalia scene, I will not
hesitate".
A review of Jojo
Rabbit said that its director, Taika Waititi, "can’t hope to equal
Tarantino, not in technique but in daringness". I have never seen bigger
involuntary praise. To me, saying that Waititi can’t hope to equal Tarantino is
equivalent to saying that Neil Peart can’t hope to equal Peter Criss. And, as
they say in the Brazilian Northeast, “stupidity is not bravery”, and nowadays
gratuitous violence is nothing daring, quite the reverse, it is pure catering
to what the market asks for...
An interesting
feature is the presence of the Beatles, not only explicitly with “Komm, Gib Mir
Deiner Hand”, but also because the hysteria of rock megaconcerts – heirs to
Beatlemania and the preceding Elvismania - is very reminiscent of the Nuremberg
rallies. And to me Rosie, Jojo's mother, resembles Julia, John Lennon's mum:
very youthful, irreverent, sensual - and fated to a tragic end (in Rosie’s case
it’s because, to quote herself, “she did her best” – that is, she actively
fought Nazism by distributing “Free Germany” pamphlets. But some people - professional movie reviewers! - have thought she died because she hid a Jew in the home...). Equally welcome is the
presence of David Bowie with his hit “Helden” - that's right, “Heroes”, which
also had a German version.
And Jojo Rabbit is some
kind of microcosm of today's cinema. It includes the Beatles, just like
Yesterday. It includes a clandestine resident, just like Parasite. It includes
a huge malefactor who looks comical, just like Joker. But Jojo Rabbit is better
than all of these. Wir sind dann Helden für einen Tag ... Du nimmst mir den Verstand!
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