OS ENCANTOS DESTA SALOMÉ
Você conhece Salomé Parísio? Se não conhece e é fã de MPB dos anos 1950 para trás, precisa conhecer. Além de boa cantora, Salomé é a mais antiga vedete brasileira ainda em atividade, aos 73 anos de carreira ininterrupta e aparentando bem menos que seus 91 anos de idade cronológica. E ela acaba de ganhar uma homenagem à altura: o livro Salomé Parísio, O Rouxinol Do Norte, escrito por Thaïs Matarazzo, Diego Nunes e Fábio Siqueira.
Nascida Dulce de Jesus Parísio de Lira na cidade pernambucana de Bonito em 1921, Salomé teve uma infância materialmente pobre mas artisticamente rica e rodeada de música; seu pai era violonista amador e viveu promovendo saraus caseiros até falecer em 1926 ou 1927, quando nossa amiga tinha apenas cinco anos. Aos nove ela já subia em caixotes vazios de querosene e mandava ver e ouvir em modinhas, valsas, choros e cantigas do folclore; aos treze, morando no Recife, conheceu os blocos de frevo e, como dizem os pernambucanos, “pronto!” Salomé lembra que naquele tempo “lá só tinha frevo, não se sambava, não”, mas foi o suficiente para a guria resolver ser cantora de vez. Inclusive, ela cantava no coro da igreja da Penha, no Recife, mas vivia sendo repreendida pelo padre por seu pecado de brincar no Carnaval. Aos 17 anos ela tornou-se noviça, mas foi expulsa do convento por outro grande pecado, o de subir numa goiabeira e atirar longe goiabas para “uns loucos” que gostavam de andar pela rua vestidos como Adão correrem para apanhá-las.
Aos 17 anos, em 1939, a menina ainda chamada Dulce tornou-se “cantora do rádio”, no caso a PRA-8, Rádio Clube de Pernambuco (que disputa com a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro a primazia de primeira emissora brasílica, bom assunto para outra ocasião). Ela chegou a cantar a valsa “Minha Adoração”, do conterrâneo Nelson Ferreira (e sucesso com Francisco Alves), acompanhada pelo próprio Nelson ao piano. E foi também Nelson Ferreira que sugeriu a ela o nome artístico de Salomé, isso em 1942. Ela poderia ter se inspirado na sedutora personagem bíblica, mas na verdade escolheu o nome de sua mãe, que era Josefa Salomé Parísio de Lira. E sabem por quê ela não adorou de vez o nome Dulce? O Brasil estava em plena segunda guerra mundial e temeu-se que “Dulce” fosse entendido como “Duce”, alusão ao ditador Benito Mussolini. Foi ainda de Nelson, em dupla com o locutor Abílio de Castro, que Salomé ganhou dois eslôgans, “A Garota da Voz Doçura” e “O Rouxinol do Norte”.
Houve até um lance digno de Chiquinha Gonzaga. Salomé tinha um namorado firme que não gostava da ideia de namorar uma artista. Um dia ele impôs: ou ele ou a música. E Salomé não teve dúvida: escolheu a música.
Tudo isso somente nas primeiras 30 das 224 páginas do livro, obrigatório para fãs e estudiosos de MPB e também da História do rádio. Pode-se ler muito mais sobre os poucos discos que Salomé gravou (incluindo um CD ao vivo nos anos 2000), seus shows em conjunto com Dercy Gonçalves e outras vedetes (ganhando elogios não só como cantora mas também beldade, chegando a ser conhecida como “a mulher com as mais belas pernas”), o hino que ela compôs para a Associação Cristã de Moços... Tem ainda sua participação como atriz na telenovela Sangue do Meu Sangue (transmitida pela TV Excelsior em 1969) e como cantora no musical O Comprador de Fazendas, de 1970, baseado num texto de Monteiro Lobato e com música do veterano Hervê Cordovil em parceria com um jovem e talentoso paulistano chamado Walter Franco.
Enfim, Salomé Parísio, O Rouxinol Do Norte está disponível (por apenas R$ 30) graças a Deus, à editora ABR e ao apoio da empresária Lilian Gonçalves (o livro foi inclusive lançado em um de suas casas noturnas, o Bar do Nelson). Belo presente para Salomé, que continua ativa e em boa forma aos 91 anos, e para quem quiser fugir pelo menos um pouco da música que se ouve mais comumente por aí. Mais informações com a editora: 55 11 4603-9660. E, para que Salomé não seja apenas uma cantora bem lida, aqui vai, por cortesia de Thaïs Matarazzo, uma amostra de suas gravações, a saber:
Salome Parisio - Abraça Teu Amor (Hava Nagilah) (A. Idelsohn/adaptação de Maurício Weltan)
Salome Parisio - Amarga Recordação (Gracinha de Souza/Sócrates)
Salome Parisio - Bia Ta Tá (folclore brasileiro)
Salome Parisio - Sob Os Céus De Paris (Sous Le Ciel De Paris) (Hubert Giraud/Jean Drejac/versão de Lamartine Babo)
Salome Parisio - Valsa Do Imperador (Johann Strauss/letra de Lamartine babo)
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