Monday, August 29, 2011
Não bastasse a chamada "volta do vinil" (como se ele tivesse ido embora, nunca deixou de ser produzido), desde o começo do ano ouço falar em uma "volta da fita cassete pré-gravada". Este tipo de suporte parou de ser produzido oficialmente no Brasil devido à pirataria ter sobrepujado as gravadoras em capacidade de produção e no resto do mundo por causa do interesse bem maior por suportes digitais (CD, mp3, I-Pod). Pois bem, esta volta me fez lembrar um artigo que escrevi para a revista Outracoisa, publicado em 2005 e que acho por bem reproduzir abaixo, com o bônus de algumas imagens de itens que consegui após a publicação.
40 ANOS DA FITA CASSETE
por Ayrton Mugnaini Jr.
Grande amiga e companheira de todos, ela já é quarentona, e não só tem muita história e História para contar, como também está em melhor forma do que nunca!
No princípio eram aqueles cartuchões de quatro e oito pistas, o tipo de invenção que muita gente chama de “coisa de americano”: chamativos acima de qualquer suspeita e práticos até certo ponto. Concebidos em 1956 pela Ford para aumentar a venda de automóveis, os cartuchos se revelaram ideais para quem desejava andar de carro e ouvir música sem depender de rádios com sintonia ou programação deficientes nem se aborrecer com discos que pulavam com a mais leve pedra no asfalto. Os cartuchos também eram ótimos para os sem muita paciência com fitas de rolo que viviam escapando dos carretéis. Mas não eram exatamente a perfeição: nem sempre as músicas dos LPs originais cabiam nas pistas, era impossível avançar ou voltar rapidamente a fita, o tamanhão dos toca-fitas exigia corrente alternada, só funcionando em casa ou no carro, e não gravavam com microfone. Que tal um aparelho que tocasse e gravasse de tudo, combinando as vantagens dos cartuchos com a praticidade dos já popularíssimos radinhos de pilha?
Quem atendeu a tal prece foi a firma holandesa Philips, que em 1964 patenteou e no início de 1965 colocou no mercado a fita cassete, um dos inventos mais práticos de todos os tempos, para gravar e ouvir instantaneamente de tudo: entrevistas, audiências, partidas esportivas, as primeiras palavras dos filhos, festas familiares, discos dos amigos ou seleções para ouvir em festas, piqueniques ou viagens... A única reclamação dos mais exigentes quanto à fita cassete era a pouca qualidade sonora, devido à baixa rotação e tamanho pequeno da fita – reclamação esta que sumiu com a introdução do sistema Dolby de redução de ruídos de fundo em 1970.
Mas gravar fitas caseiras é apenas parte da diversão: em 1966 a Philips complementou a façanha lançando o “Musicassette”, ou seja, o cassete pré-gravado [acima está um dos primeiros, fita e capinha]. Além do vasto e variado catálogo da Polydor, Mercury e outros selos associados à própria Philips pelo mundo afora, a companhia não perdeu tempo em licenciar o invento para outras gravadoras. Hoje em dia, cassetes pré-gravados são raridades para colecionadores. Já que preparar matrizes para LPs e cassetes exigia processos diferentes, o que não falta são cassetes com diferenças marcantes dos bolachões correspondentes. Apenas dois exemplos são Magical Mystery Tour dos Beatles, que tem mais faixas em estéreo no cassete que no LP, e Willy And The Poorboys do Creedence, cuja ordem das faixas foi totalmente modificada na edição brasileira em cassete. Sem falar nos chamados “lados-C”, ou seja, gravações lançadas somente em cassete, como Your Cassette Pet da banda inglesa Bowwowwow e edições do programa Top Gear do saudoso DJ inglês John Peel, pelo selo da BBC, nos idos de 1971. E vale a pena garimpar edições em cassete de discos de artistas como Wilson Simonal, Ivan Lins e Dóris Monteiro, a uma fração do preço dos LPs ou mesmo dos ainda poucos CDs.
Até hoje fita cassete é para muitos sinônimo de “gravação caseira”, “demonstração”, “rascunho” ou mesmo “pirataria”. Mas, tratado com cuidado e destreza (falei bonito?), a fita cassete pode também ser a própria arte final. Um bom exemplo é “The Universal”, sucesso da grande banda inglesa Small Faces, quase todo gravado num cassete mono no jardim do guitarrista Steve Marriott, com cachorros latindo e tudo. No mesmo ano, 1968, os Rolling Stones lançaram duas de suas melhores gravações, “Jumpin’ Jack Flash” e “Street Fighting Man”, também gravadas parcialmente em cassete – a melhor maneira que os Stones e o produtor Jimmy Miller encontraram para que os violões soassem tão agressivos quanto possível. Temos ainda muitos LPs e CDs que só existem graças à fita cassete, como Live At Max’s Kansas City do Velvet Underground e O Baú do Raul – Raul Seixas tinha o costume de não deixar sobras de seus LPs nos arquivos das gravadoras, fazendo cópias em cassete para seu, isso mesmo, “baú” pessoal e apagando as matrizes.
Em 1979 a Tascam lançou o Portastudio, gravador cassete com rotação mais rápida que a de um cassete normal e com quatro ou mais canais que podem ser gravados independentemente, ideais para demos ou mesmo gravações informais – não é mera jogada de marketing, e sim pura verdade, o aviso nos manuais destes aparelhos de que “este gravador tem tanta qualidade quanto os gravadores enormes de fita de rolo usados pelos Beatles, Aretha Franklin e outros grandes artistas dos anos 1960 e 1970”. Mas, mesmo desde antes de existir o portastudio, muita gente aproveita a facilidade de fazer cópias em cassete e lança seus próprios “musicassettes” independentes, desde artistas de música folclórica para turistas e forrozeiros a roqueiros alternativos.
O portastudio foi uma das variações do cassete que deram certo, ao lado do microcassete e do DAT (Digital Audio Tape). Com certeza, o cassete é a única espécie de fita magnética para gravação analógica que sobreviveu ao dilúvio digital e ainda é fabricada e facilmente disponível a preços populares no século 21, sendo hoje a grande alternativa aos CDs e mp3s.
Para terminar, podemos lembrar mais um dos dilemas em que a indústria fonográfica brasileira adora se meter. Em 1970, para se livrar de impostos, as gravadoras passaram a incluir nos lançamentos a frase “Disco É Cultura”. Só que esta iniciativa coincidiu com o lançamento dos primeiros “musicassetes” brasílicos. Alguém cismou que não ficaria bem dizer “Fita É Cultura” ou “Cassete É Cultura”. A solução para tamanho problema? Podem ir lá ver: “Música É Cultura”...
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