Friday, September 06, 2019

ETERNAS ONDAS TROPICAIS E MUSICAIS: LEMBRANDO SONIA ABREU (1951/2019)

Mais uma dívida que contraí e não pude pagar. Tenho em duplicata um disco onde participa Sônia Abreu, e há poucos anos eu havia prometido a ela que lhe presentearia com um dos exemplares - mas isso tornou-se impossível em 26 de agosto, quando Sônia sucumbiu a uma fadiga respiratória, consequência final de uma esclerose lateral amiotrófica, a poucos meses dos 69 anos que completaria em 23 de dezembro. Ficam as boas lembranças e a obra de uma pessoa pioneira, eclética, bem-humorada e batalhadora. Não contente em ter sido pioneira feminina num ramo "só para homens", primeira mulher no Brasil a trabalhar - e muito bem - como DJ, Sônia Abreu sempre divulgou a música de que gostava, independente de modas (afinal, DJ que se preza dita modas e não as segue), e também atuou em várias outras formas de comunicação: escreveu em publicações como a revista Pop, foi locutora e programadora de rádio, produziu LPs coletâneas de sucessos e novidades do momento, teve emissora ambulante em perua Kombi e até em barcos e, de quebra, gravou alguns discos como cantora (especialmente um belo CD com sua Banda do Quarto Mundo - por sinal, conheci-a pessoalmente em 1981, num ensaio da banda Verminose, futuro Magazine, e ela me disse que gostaria de formar uma dupla no estilo de Leno & Lilian com Kid Vinil). E nunca sofreu de modismos nem saudosismos: discotecava usando tanto vinil quanto pen-drive, e a doença não a impediu de fazer suas últimas discotecagens em cadeira de rodas.


A trajetória de Sônia Abreu foi bem resumida na biografia Ondas Tropicais, escrita por Claudia Assef e Alexandre de Melo e lançada pela editora Matrix em 2017. Devorei o livro prazerosamente e encontrei apenas dois errinhos de datas: Sônia Abreu entrou para a rádio Excelsior AM em 1974 e não em 1969, e provavelmente foi a primeira pessoa no Brasil a irradiar "Bohemian Rhapsody" do Queen em 1975 e não 1973. O livro reproduz algumas matérias de e sobre Sônia, e uma das poucas faltantes foi esta, publicada no Jornal da Tarde em 1 de dezembro de 1989 (clica na imagem para ler a matéria, inclusive o nome de seu autor).


Lembrei-me de algumas curiosidades discográficas sobre Sônia Abreu. Uma das muitas coletâneas que ela produziu é Som Mágico Padrão 670 (sim, 670 era a sintonia da Excelsior AM na época) para a gravadora Som Livre em 1974. Uma das faixas, o simpático bubblegum "Tout, Tout, Tout" cantado pela cantora Tiffanie (e composto por seu maridão Leo Carrier), tanto agradou a Sônia que ela escreveu (em parceria com a cantora Maria Amélia Costa Manso) uma versão em português, "Vamos Passear", lançada pela cantora Sueli ainda em 1974.


Temos ainda pelo menos mais uma versão de canção estrangeira feita por Sônia em parceria com Maria Amélia Costa Manso: "Triste Ilusão", originalmente "Rosalie", lançada por seu autor, o cantor canadense de origem inglesa Michael Tarry em 1973; a versão foi gravada pelo cantor Roberto Barradas em compacto simples em 1974 e em seu LP (sem titulo) no ano seguinte.





Outra curiosidade é, até onde sei, ter Sônia aparecido em capa de vinil apenas uma vez, e justamente onde ela não participa como cantora: o primeiro volume da série de coletâneas Tá Tudo Aqui, lançada em 1974. Esta foto foi reproduzida na contracapa do livro Ondas Tropicais.


Mas Sônia está no encarte do CD que gravou com a Banda do Quarto Mundo em 1992.






Sônia Abreu foi também uma das pessoas pioneiras do "cover fantasma" brasileiro. Seu primeiro disco, salvo engano meu, foi como integrante da banda The Happiness, que estreou em 1966 com uma regravação de "See You In September", o famoso bolero-rock da banda The Tempos que ficou ainda mais famoso no arranjo motownesco do grupo The Happenings. Sim, qualquer semelhança entre os nomes da banda estadunidense e da paulistana é mais que mera coincidência. A gravadora Mocambo, lançadora no Brasil da gravação dos Happenings, percebeu que muita gente boa ia às lojas de discos procurar um disco e saía com outro, e cutucou gentilmente a RCA, lançadora do disco do Happiness; tudo acabou em paz, com o nome da banda mudado para The Mustangs e o disco relançado de acordo.



Esta novelinha virou notícia na edição da saudosa revista São Paulo Na TV de 17 a 23 de abril de 1967, reproduzida logo abaixo (clica na imagem para ler). Até prova em contrário, esta é a primeira menção da imprensa às pessoas integrantes do Happiness/Mustangs (e quase todas integrantes da futura banda Sunday) : o vocalista Hélio Eduardo Costa Manso, o contrabaixista Paulo Afonso Lello Sampaio, o baterista João Rodrigues da Cunha Neto, os guitarristas Antonio Carlos da Gama e Silva "Gaminha" e Luiz Marcelo Caggiano e nossa amiga cantora (a quem eu sempre chamava de "Sônia Maria" por causa desta matéria). Consegui os nomes completos dos Mustangs no belo livro Hits Brasil: Sucessos "Estrangeiros" Made In Brazil de Fernando Carneiro de Campos (lançado em 2012); curiosamente, neste livro Sônia Abreu não aparece como integrante dos Happiness/Mustangs, nele sendo mencionada apenas mais tarde apenas como amiga de infância de Hélio - sim, depois marido de Vivian Costa Manso e seu companheiro no grupo Sunday (além de irmão da cantora Maria Amélia mencionada mais acima, também integrante do Sunday). E a loja de discos da Rua Augusta citada nesta matéria é a hoje lendária Eletroarte, cujo proprietário, Toninho Paladino, foi também produtor de discos, inclusive o primeiro dos Mustangs, tendo ainda sugerido o nome The Happiness. 


O grupo The Mustangs gravaram ainda três compactos (e uma faixa lançada apenas numa coletânea, "Hello I Love You" dos Doors) para a RCA de 1967 a 1969. Dois destes compactos são interessantes e curiosos também como demonstração de que a RCA talvez tenha sido a mais globalizadora das gravadoras multinacionais, muitas vezes replicando sucessos estrangeiros que lançava num país com pelo menos uma regravação local; seguem abaixo os selos dos originais e das regravações mustanguianas.




Terminarei pelo começo, falando do disco de que tenho dois exemplares, dos quais prometi um a Sônia. Trata-se de um cover fantasma de "Funny Funny", hit da banda inglesa The Sweet e replicado por Sônia acompanhada pelo grupo Os Carbonos (segundo ela própria me informou quando a conheci) e creditada a The Sweet Set; muita gente, inclusive eu, conheceu esta gravação na coletânea USA Click..., lançada pela Beverly/Copacabana (a mesma dona deste selo Kool) em 1971.

E há alguns anos fui encontrado por este outro disco de "cover fantasma" (do ano seguinte, 1972) creditado a The Sweet Set, e numa de nossas últimas conversas Sônia me esclareceu que não participa deste, embora seja regravação de outro sucesso da banda The Sweet. (Notem que este compacto duplo inclui hits das bandas Badfinger, Giorgio/Chicory Tip e Sonny & Cher creditados a Beatfinger, George Tip e Monica & Oscar...) 

Agradecimentos finais à Rádio Gazeta e à Biblioteca da ECA por algumas imagens que eu havia retido na memória mas não nos arquivos. E nossa amiga "Soniaplasta" continua presente!

3 comments:

  1. Gostei muito da sua postagem sobre The Mustangs. Sempre tive curiosidade para saber a origem dessa banda e fiquei 'chocado' de ler seu artigo. Fiz um pequeno resumo da sua historia e postei em https://brazilian-record-labels.blogspot.com/2012/10/r-c-v-i-c-t-o-r.html
    Espero que v. não se zangue... deixei lá a fonte. Obrigado.

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  2. Eba! Adorei a citação e teu blogue. Well written in English too. Um e-abraço.

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  3. Tenho o cd da Banda do Quarto Mundo... Foi um dos discos que mais tive que ralar na vida para conseguir encontrar.
    "Bolero" é uma das músicas da minha vida.
    Quando conheci a história da SONIA ABREU sobre a formação da banda e suas outras empreitadas pessoais e na música, pirei, passei a admira-la ainda mais.
    Aceredito que SONIA ABREU, é uma daquelas pessoas damúsica, que mesmo partindo, ficam inesquecíveis e entre nós através da sua obra.
    Só a música proporciona isso !!!

    Itamar Dias

    itamardias@gmail.com

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