Friday, July 19, 2019

OH, NÃO, DE NOVO! DISCOS RELANÇADOS EM TÍTULOS E GRAVADORAS DIFERENTES

Este artigo foi publicado originalmente na página Senhor F. E por falar em disfarces, o autor Dick Valle O'Sell é novo (há apenas cerca de 20 anos) amigo de Johnny Bigode, Lúcia Nuretto, "Black" Nero Schwarz e do casal Ibrahim B. Sill e Vivien Rolando.

OH, NÃO! DE NOVO!
Discos que trazem as mesmas gravações com títulos e nomes de artistas diferentes

por Dick Valle O’Sell

Lembro até hoje daquela tarde lá em 1970 em que minhas primas Elma Braz Amora e Eike Honda aproveitaram um feriado para ficarem ouvindo discos de iê-iê-iê. Num dado momento Eliel Bonn, marido de Elma, passou pela sala e comentou: “Mas vocês gostaram mesmo desse disco, até puseram para ouvir de novo!” Pois é, o LP já estava na quinta faixa do lado A e elas não tinham percebido que era o mesmo que elas tinham ouvido anteriormente, só que com outra capa e título e nomes de artistas e gravadoras totalmente diferentes! As duas se tocaram e a sala inteira virou uma risada só... e Eliel ainda tripudiou: “Vocês duas andam tomando muita Baré-Cola, hein?”

Sim, os discos que Elma e Eike ouviram naquele dia incluíam dois LPs diferentes, cada um trazido por uma delas, e nenhuma se deu conta de que eram o mesmo. Elas nunca compravam um mesmo disco, os salários eram contados, então elas adquiriam discos diferentes e depois emprestavam uma pra outra – só que desta vez não deu certo. Foi aí que elas descobriram um dos truques mais velhos do mundo: a sutil reciclagem de gravações como exemplo do lado tosco do empreendedorismo fonográfico e do capitalismo aplicado à música – em resumo, a pouco nobre arte de vender a mesma coisa duas vezes. Estes LPs que minhas primas e tantos outros milhares de pessoas jovens compravam na segunda metade dos anos 1960 costumavam ser de gravadoras pequenas e produzidos com o mais baixo orçamento, inclusive sem divulgação em rádio, imprensa ou TV, e vendidos baratinhos – bela oportunidade de se adquirir 10 a 14 sucessos de uma só vez para quem queria ter em casa as canções sem ligar se as gravações eram originais ou não. E tal prática não era privilégio de nossa jovem guarda ou mesmo do Brasil; vou lembrar outros exemplos brasileiros e estrangeiros que minha família foi descobrindo.

O grande DJ Big Boy foi associado a uma destas reedições/armações involuntariamente, como Pilatos no Credo. Explicarei. Por volta de 1965 o futuro conglomerado Codil/CID lançou o LP Goldfinger creditado a Conjunto La Tropicana, com arranjos “easy listening” para clássicos do foxtrote e incluindo um pouquinho de balada-rock em “Il Mondo” e “The House Of The Rising Sun” (a capa diz “The Roses Of The Rising Sun”, talvez por confusão com outra faixa, “Days Of Wine And Roses” de Henry Mancini). Pois bem: em 1970 ou 1971 (o exemplar de Elma Braz Amora traz num dos selos a anotação “agosto de 1971”) o LP voltou às lojas com novas capa e título, Ritmos De Boite – sim, o mesmo nome de um dos programas que Big Boy apresentava na emissora Mundial AM, e muita gente deve ter adquirido esta edição no embalo (com trocadilho e tudo) de outros discos similares da época, como Le Bateau Ao Vivo e Baile Da Pesada da gravadora Top Tape, As Máximas Do Pedrinho (o DJ Pedrinho Nitroglicerina) do selo Joda – nada a ver com a gravadora do reggaemeister Johnny Nash e sim com uma palavra parente de eufemismos no estilo do jornal O Pasquim como “jáco” e “josta” – , Uma Noite No Monza da RCA e Moustache da Fermata, embora musicalmente nada tivesse a ver.

Lembremos um caso quase tragicômico ocorrido com o baterista Paulinho Magalhães, também conhecido como Paulinho Baterista. Na virada dos anos 1950 para 1960 ele gravou alguns LPs de música dançante como Paulinho E Seu Conjunto. O caso a que nos referimos refere-se a um destes LPs, Para Animar Sua Festa, lançado em 1959 pelo selo carioca Prestige (cujo nome foi “tomado emprestado” à famosa gravadora ianque de jazz lançada dez anos antes). É um bom disco, com medleys instrumentais de bossa nova, rumba, samba-canção e até um pouco de rock (e a contracapa credita os outros músicos participantes, inclusive o grande Nelsinho como trombonista e arranjador). Pois bem, este LP foi relançado alguns anos depois pelo selo paulistano Beverly (sim, mais tarde incorporado à gravadora Copacabana) com o título de uma das faixas, Pequena Flor, traduzido para o português (sim, trata-se de “Petit Fleur” do jazzista Sidney Bechet). Até aí, quase tudo bem, apesar da nova capa ser a tosqueira da tosqueira (e o “quase” se refere à omissão total da relação de músicos participantes). A coisa muda de figura (e de nome e capa) quando percebemos que em 1972 uma (in)certa gravadora niteroiense chamada RVM lançou um álbum chamado Músicas De Hoje E De Sempre Volume 1 (completo com uma capa que é belo exemplo de sexismo/machismo, embora suave – a discussão de que “não existe machismo suave” fica para outra vez, ok, amigas?) e creditado a... Orquestra RVM! Nenhuma menção a se tratar de relançamento, muito menos a Paulinho Magalhães... (Só para constar, outra façanha desta primeira fase do selo Beverly foi transformar o LP Música E Festa No. 2 do Sexteto Prestige em Disposto Para Amar creditado a Conjunto Beverly.)

Temos aqui e aqui algumas informações sobre Paulinho e Seu Conjunto e aqui sobre o trombonista Nelsinho.

Quanto a exemplos estrangeiros, lembremos, por ora, apenas um – e dos mais notáveis.

Logo que os Beatles estouraram mundialmente, em 1964, foram lançados na Inglaterra dois LPs creditados a Billy Pepper & The Pepperpots, Merseymania e Beat!!! More Merseymania, com cada um dos quatro lados dos dois LPs começando com uma canção dos Beatles e as outras faixas sendo composições novas ou adaptações no mesmo estilo (e geralmente muito boas para quem ama merseybeat). Os discos trazem créditos de autoria das faixas e textos de contracapas no estilo de nosso “C. Drummond” (quem não entendeu vai entender ao ler mais abaixo), ou seja, falando muito e não dizendo nada. Numa bela demonstração de agilidade da indústria cultural, estes LPs foram lançados nos EUA (sem crédito algum de autoria das composições nem texto de contracapa) como, respectivamente, Beat-A-Mania (sem crédito de intérprete mas anunciado na capa como sendo gravação ao vivo!) e The Merseyside Sound (com a banda creditada ora como The Liverpool Beats, ora como Beats!!!, com pontos de exclamação e tudo – houve quem dissesse que estes pontos de exclamação visavam fazer a palavra “Beats” parecer “Beatles” de longe para quem adora comprar discos por impulso); este último voltou às lojas ianques pouco tempo mais tarde como um álbum sem título de The Mersey Beats (não confundir com a banda The Merseybeats/The Merseys de hits como “Sorrow” e “Don’t Turn Around”). Enfim, o que importava era que adolescentes e pais & mães com muita pressa e pouca atenção comprassem discos deste tipo pensando que fossem dos Beatles ou uma imitação barata que quebrasse o galho (embora estes discos de Pepperpots estejam acima da média dos discos de Beatles genéricos). Todas essas versões dos mesmos dois álbuns foram lançados por gravadoras pequenas da Inglaterra, EUA e Canadá – Allegro, Hurrah, Rondo, Design, Spectrum, International Award – , todas pertencentes à Pickwick, empresa especializada em discos econômicos, inclusive covers fantasmas e reedições (geralmente esculhambadas com capas alteradas e faixas a menos) de álbuns fora de catálogo de selos como Motown, RCA e Capitol (Elvis, Sinatra, Beach Boys, Kinks); sua vocação para Pac-Man das gravadoras-tranqueira foi brevemente interrompida quando foi comprada pela PolyGram, mas em alguns anos voltou a ser independente – a gravadora econômica que nossas Codil, CID, NCV e quetais sempre quiseram ser...

Voltando a estes dois álbuns de Billy Pepper & The Pepperpots, um deles, Merseymania, chegou a ser lançado na França por uma grande gravadora, a Barclay, e desta edição francesa quatro faixas foram transformadas num compacto-duplo brasílico pela RGE, que representava a Barclay no Brasil. E toda essa novela terminou em 1997, quando estes dois LPs clássicos da discografia faux-Beatles foram reunidos (embora sem crédito de intérprete) num único CD, Merseymania!, pelo selo inglês Hallmark – que também, como se vocês não soubessem, pertence à Píckwick.

Mas há ainda muito mais coisas a dizer – e coisas boas – sobre estes dois discos de Billy Pepper. Apenas três anos depois, em 1967, o “Bill Shepherd” creditado com a autoria de boa parte das faixas tornou-se muito mais famoso – e com muito mais bons motivos – como arranjador e regente de orquestra nos discos dos Bee Gees até o começo dos anos 1970. Só recentemente fãs dos Beatles e de covers-fantasmas ligaram os nomes à pessoa e descobriram quem era Billy Pepper. Mas houve quem pensasse que a futura celebridade envolvida nestes discos dos Pepperpots fosse Lou Reed – que, afinal, também gravou para o selo Pickwick no mesmo ano de 1964, com sua banda The Primitives. E há também quem diga que o nome de fantasia “Billy Pepper And The Pepperpots” tenha sido parte da inspiração de nada menos que o disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos Beatles e o próprio mito Paul-Is-Dead, sendo Bill Shepherd ninguém menos que Billy Shears! (Vejam só a lógica: “Shepherd”, rebanho, é formado por “sheeps”, carneiros, que costumam passar por “shears”, tosas... E “Billy Shears” já escreveu vários livros sobre sua vida e obra como substituto do “falecido” Macca; quem quiser pode se esbaldar na página de Billy ShearsRealmente, imaginação é tudo...)

E segue abaixo uma pequena tabela de equivalências, ou seja, de discos lançados com novas capas, títulos e até selos.

The Hairy’s – Help! (Coledisc)
é o mesmo que
1)       Os Aaaaalucinantes – Festa Do Bolinha (Itamaraty/Destaque)
2)       The Crazy Boys – Alucinante (Coledisc)

Os Tremendões – Super Jovem (Paladium)
é o mesmo que
1)       The Rock Fingers – Hotline (Bemol, relançado pela Beverly
Notas: Estas edições trazem um texto do tipo fala-muito-e-não-diz-nada assinado por “C. Drummond” – seria o próprio grande poeta Carlos Drummond, já que era conterrâneo das gravadoras mineiras Bemol e Paladium? – , e a edição da Bemol inclui na contracapa fotos supostamente de integrantes da banda.
2)       The King’s – As Preferidas Volume 2 (segundo volume de um álbum de três discos; Bugre, 1972)

The Modern Boys – Esperando Você (Êxitos)
Nota: incluído na caixa de cinco LPs Juventude e Brasa
é o mesmo que
The Terribles – Brasa Três (NCV/Codil)

The Fire Boys [na verdade The Fevers] – Música Para A Jovem Guarda (SBA/Musipop)
é o mesmo que
The Invisibles – Na Onda... (Danças Modernas) (Festival)
Notas: A versão dos Invisibles inclui ficha técnica:
Produção: Ismael Corrêa; gravação: Estúdio Musidisc; Engenheiro de som: José Medeiros; Operador de som: Ary Perdigão


The Terribles – Brasa (Itamaraty/CID; produção de Nilton Valle)
é o mesmo que
1)       The Bip’s [The Fevers] – Trepidante (Coledisc)
2)       Os Enecevês – As 14 Bárbaras Volume 2 (NCV/Codil)

The Thunders – Sunny (Êxitos)
Nota: incluído na caixa de cinco LPs Juventude e Brasa
é o mesmo que
The Marginals – Tremenda Onda (NCV/Codil)
Nota: a capa reúne imagens de mulheres de capas dos discos dos Terribles

The Wish’s – Dólar Furado (Êxitos)
Nota: incluído na caixa de cinco LPs Juventude e Brasa
é o mesmo que
The Baby Players – Barra Limpa (Op-Disc/Codil)
Notas: A edição dos Baby Players inclui ficha técnica:
Produção: Expedito Alves/direção musical: Miguel Cidrás

The Terribles – Genial! (NCV/Codil)
É o mesmo que
1)       The Modern Boys – Maria, Carnaval e Cinzas (Exitos
Nota: incluindo na caixa de cinco LPs Legal
2)       Psicodélicos – Psicodélicos (Tema/Codil - Produções NR)

The Italian Romantic Players – Uma Lacrima Sul Viso (Destaque/Discorama, c. 1966)
é o mesmo que
The Veneto Quartet – Io Che Amo Solo Te (Coledisc)

The Flower Friends – The International Hit Group Volume 1 (Dabliuesse, c. 1972)
é quase o mesmo que
The Bamby’s – Explosão Universal 1 (primeiro volume de um álbum de três discos; Bugre, 1972)
Algumas faixas do primeiro foram trocadas de lugar com outras do disco Explosão Universal 3 (ver abaixo)

The Jack’s – Explosão Universal 3 (terceiro volume de um álbum de três discos; Bugre, 1972)
é quase o mesmo que
The Lowell Zoo – The International Hit Group Volume 2 (Dabliuesse, c. 1972)
A versão The Jack’s reúne quase todas as faixas da versão The Lowell Zoo junto a duas do álbum de The Flower Friends (ver acima) e mais“Double Dealing Woman”, cover da banda inglesa Mayfield’s Mule pela banda mineira Gárgulas creditada como “Myfield’s Mule” [sic] (e este cover dos Gárgulas havia saído creditada a eles em compacto pelo selo MAD com título traduzido, "Mulher De Duas Faces", e autoria atribuída a "My Field's Mule"; um primo meu teve esse compacto e a princípio pensou que fosse brincadeira com "Moda Da Mula Preta" ou outra piada similar no estilo do disco Nhô Look de Rogério Duprat).

John Chris Band – Explosão Total (New Sound, 1973)
é quase o mesmo que
The Brothers – The Brothers Sing Hits (New Sound, 1972)
A diferença entre ambos é de uma faixa: o LP de John Chris tem “Wild Safari”, cover do grupo espanhol Barrabas, e o dos Brothers traz “Promessa De Pescador” de Dorival Caymmi (baseada no folclore, mas isso é outra história) no arranjo de Carlos Santana. “Wild Safari” – por sinal, sempre grafada com “y” por esta gravadora – saiu também num compacto duplo do selo New Sound creditado a The Brothers e incluindo outras três faixas comuns aos dois LPs.

The Terribles – Genial! Universal Sound (NCV)
Reúne faixas gravadas por Los Inocentes (grupo paraguaio de passagem pelo Brasil, com participação do contrabaixista e tecladista uruguaio Hector Capobianco, irmão de Juan Roberto “Pelin” Capobianco, da grande banda uruguaia Los Shakers) junto a faixas dos seguintes LPs (todos reunidos na caixa Juventude E Brasa da gravadora Êxitos):
The Modern Boys – Maria, Carnaval E Cinzas
Os Bárbaros – Eu Sou Terrível
The Fishers – Alegria, Alegria
The Wish’s – Pata Pata
E o produtor destas gravações (ou pelo menos as da banda Los Inocentes) foi de outro ilustre uruguaio radicado no Brasil, Miguel Cidrás.

Obviamente, os títulos Explosão Total e Explosão Universal devem ter sido criados para concorrer – e ganhar – da série Super Explosão Mundial da gravadora CID...

Num caso inverso, temos dois álbuns com o mesmo título (também bastante explosivo), a mesma capa e creditados ao mesmo artista, mas totalmente diferentes: Explosive Young Impact com The Hot Gang nos selos Bemol e Palladium. O da Bemol saiu por volta de 1968 e é mais iê-iê-iê, ao passo que o da Palladium é de 1971 ou 1972 e traz covers de sucessos dessa época (inclusive “Oh Oh La La La” do Lee Jackson brasileiro).



E já que falei em Sgt. Pepper’s, agradecerei a uma pequena ajuda das pessoas amigas: Felipe Zangrandi, Craifer Cleiton, Rai Ferreira, Ray Diamond, Marco Antonio Mallagoli, Fernando Rosa, Menachen Grosz, Claudio Foà, Valdir Angeli, pessoas inimitáveis mas que merecem ser mais imitadas.

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