Este artigo foi publicado originalmente na página Senhor F. E por falar em disfarces, o autor Dick Valle O'Sell é novo (há apenas cerca de 20 anos) amigo de Johnny Bigode, Lúcia Nuretto, "Black" Nero Schwarz e do casal Ibrahim B. Sill e Vivien Rolando.
OH,
NÃO! DE NOVO!
Discos
que trazem as mesmas gravações com títulos e nomes de artistas diferentes
por
Dick Valle O’Sell
Lembro até hoje daquela tarde lá em 1970 em que minhas
primas Elma Braz Amora e Eike Honda aproveitaram um feriado para ficarem
ouvindo discos de iê-iê-iê. Num dado momento Eliel Bonn, marido de Elma, passou
pela sala e comentou: “Mas vocês gostaram mesmo desse disco, até puseram para
ouvir de novo!” Pois é, o LP já estava na quinta faixa do lado A e elas não
tinham percebido que era o mesmo que elas tinham ouvido anteriormente, só que
com outra capa e título e nomes de artistas e gravadoras totalmente diferentes!
As duas se tocaram e a sala inteira virou uma risada só... e Eliel ainda tripudiou:
“Vocês duas andam tomando muita Baré-Cola, hein?”
Sim, os discos que Elma e Eike ouviram naquele dia incluíam
dois LPs diferentes, cada um trazido por uma delas, e nenhuma se deu conta de que
eram o mesmo. Elas nunca compravam um mesmo disco, os salários eram contados,
então elas adquiriam discos diferentes e depois emprestavam uma pra outra – só
que desta vez não deu certo. Foi aí que elas descobriram um dos truques mais velhos
do mundo: a sutil reciclagem de gravações como exemplo do lado tosco do
empreendedorismo fonográfico e do capitalismo aplicado à música – em resumo, a
pouco nobre arte de vender a mesma coisa duas vezes. Estes LPs que minhas
primas e tantos outros milhares de pessoas jovens compravam na segunda metade
dos anos 1960 costumavam ser de gravadoras pequenas e produzidos com o mais
baixo orçamento, inclusive sem divulgação em rádio, imprensa ou TV, e vendidos
baratinhos – bela oportunidade de se adquirir 10 a 14 sucessos de uma só vez
para quem queria ter em casa as canções sem ligar se as gravações eram
originais ou não. E tal prática não era privilégio de nossa jovem guarda ou
mesmo do Brasil; vou lembrar outros exemplos brasileiros e estrangeiros que minha
família foi descobrindo.
O grande DJ Big Boy foi associado a uma destas
reedições/armações involuntariamente, como Pilatos no Credo. Explicarei. Por
volta de 1965 o futuro conglomerado Codil/CID lançou o LP Goldfinger creditado a Conjunto La Tropicana, com arranjos “easy
listening” para clássicos do foxtrote e incluindo um pouquinho de balada-rock
em “Il Mondo” e “The House Of The Rising Sun” (a capa diz “The Roses Of The
Rising Sun”, talvez por confusão com outra faixa, “Days Of Wine And Roses” de
Henry Mancini). Pois bem: em 1970 ou 1971 (o exemplar de Elma Braz Amora traz
num dos selos a anotação “agosto de 1971”) o LP voltou às lojas com novas capa
e título, Ritmos De Boite – sim, o
mesmo nome de um dos programas que Big Boy apresentava na emissora Mundial AM,
e muita gente deve ter adquirido esta edição no embalo (com trocadilho e tudo)
de outros discos similares da época, como Le
Bateau Ao Vivo e Baile Da Pesada
da gravadora Top Tape, As Máximas Do
Pedrinho (o DJ Pedrinho Nitroglicerina) do selo Joda – nada a ver com a
gravadora do reggaemeister Johnny Nash e sim com uma palavra parente de
eufemismos no estilo do jornal O Pasquim
como “jáco” e “josta” – , Uma Noite
No Monza da RCA e Moustache da
Fermata, embora musicalmente nada tivesse a ver.
Lembremos um caso quase tragicômico ocorrido com o
baterista Paulinho Magalhães, também conhecido como Paulinho Baterista. Na
virada dos anos 1950 para 1960 ele gravou alguns LPs de música dançante como
Paulinho E Seu Conjunto. O caso a que nos referimos refere-se a um destes LPs, Para Animar Sua Festa, lançado em 1959
pelo selo carioca Prestige (cujo nome foi “tomado emprestado” à famosa
gravadora ianque de jazz lançada dez anos antes). É um bom disco, com medleys
instrumentais de bossa nova, rumba, samba-canção e até um pouco de rock (e a
contracapa credita os outros músicos participantes, inclusive o grande Nelsinho
como trombonista e arranjador). Pois bem, este LP foi relançado alguns anos
depois pelo selo paulistano Beverly (sim, mais tarde incorporado à gravadora
Copacabana) com o título de uma das faixas, Pequena Flor, traduzido para o português (sim, trata-se de “Petit
Fleur” do jazzista Sidney Bechet). Até aí, quase tudo bem, apesar da nova capa
ser a tosqueira da tosqueira (e o “quase” se refere à omissão total da relação
de músicos participantes). A coisa muda de figura (e de nome e capa) quando
percebemos que em 1972 uma (in)certa gravadora niteroiense chamada RVM lançou
um álbum chamado Músicas De Hoje E De
Sempre Volume 1 (completo com uma capa que é belo exemplo de
sexismo/machismo, embora suave – a discussão de que “não existe machismo suave”
fica para outra vez, ok, amigas?) e creditado a... Orquestra RVM! Nenhuma
menção a se tratar de relançamento, muito menos a Paulinho Magalhães... (Só
para constar, outra façanha desta primeira fase do selo Beverly foi transformar
o LP Música E Festa No. 2 do Sexteto
Prestige em Disposto Para Amar
creditado a Conjunto Beverly.)
Temos aqui e aqui algumas informações sobre Paulinho e Seu
Conjunto e aqui sobre o trombonista Nelsinho.
Quanto a exemplos estrangeiros, lembremos, por ora, apenas
um – e dos mais notáveis.
Logo que os Beatles estouraram mundialmente, em 1964, foram
lançados na Inglaterra dois LPs creditados a Billy Pepper & The Pepperpots,
Merseymania e Beat!!! More Merseymania, com cada um dos quatro lados dos dois LPs
começando com uma canção dos Beatles e as outras faixas sendo composições novas
ou adaptações no mesmo estilo (e geralmente muito boas para quem ama
merseybeat). Os discos trazem créditos de autoria das faixas e textos de
contracapas no estilo de nosso “C. Drummond” (quem não entendeu vai entender ao
ler mais abaixo), ou seja, falando muito e não dizendo nada. Numa bela
demonstração de agilidade da indústria cultural, estes LPs foram lançados nos
EUA (sem crédito algum de autoria das composições nem texto de contracapa)
como, respectivamente, Beat-A-Mania
(sem crédito de intérprete mas anunciado na capa como sendo gravação ao vivo!)
e The Merseyside Sound (com a banda
creditada ora como The Liverpool Beats, ora como Beats!!!, com pontos de
exclamação e tudo – houve quem dissesse que estes pontos de exclamação visavam
fazer a palavra “Beats” parecer “Beatles” de longe para quem adora comprar
discos por impulso); este último voltou às lojas ianques pouco tempo mais tarde
como um álbum sem título de The Mersey Beats (não confundir com a banda The
Merseybeats/The Merseys de hits como “Sorrow” e “Don’t Turn Around”). Enfim, o
que importava era que adolescentes e pais & mães com muita pressa e pouca
atenção comprassem discos deste tipo pensando que fossem dos Beatles ou uma
imitação barata que quebrasse o galho (embora estes discos de Pepperpots
estejam acima da média dos discos de Beatles genéricos). Todas essas versões dos
mesmos dois álbuns foram lançados por gravadoras pequenas da Inglaterra, EUA e
Canadá – Allegro, Hurrah, Rondo, Design, Spectrum, International Award – ,
todas pertencentes à Pickwick, empresa especializada em discos econômicos,
inclusive covers fantasmas e reedições (geralmente esculhambadas com capas
alteradas e faixas a menos) de álbuns fora de catálogo de selos como Motown,
RCA e Capitol (Elvis, Sinatra, Beach Boys, Kinks); sua vocação para Pac-Man das
gravadoras-tranqueira foi brevemente interrompida quando foi comprada pela
PolyGram, mas em alguns anos voltou a ser independente – a gravadora econômica
que nossas Codil, CID, NCV e quetais sempre quiseram ser...
Voltando a estes dois álbuns de Billy Pepper & The
Pepperpots, um deles, Merseymania,
chegou a ser lançado na França por uma grande gravadora, a Barclay, e desta
edição francesa quatro faixas foram transformadas num compacto-duplo brasílico
pela RGE, que representava a Barclay no Brasil. E toda essa novela terminou em
1997, quando estes dois LPs clássicos da discografia faux-Beatles foram
reunidos (embora sem crédito de intérprete) num único CD, Merseymania!, pelo selo inglês Hallmark – que também, como se vocês
não soubessem, pertence à Píckwick.
Mas há ainda muito mais coisas a dizer – e coisas boas –
sobre estes dois discos de Billy Pepper. Apenas três anos depois, em 1967, o
“Bill Shepherd” creditado com a autoria de boa parte das faixas tornou-se muito
mais famoso – e com muito mais bons motivos – como arranjador e regente de
orquestra nos discos dos Bee Gees até o começo dos anos 1970. Só recentemente
fãs dos Beatles e de covers-fantasmas ligaram os nomes à pessoa e descobriram
quem era Billy Pepper. Mas houve quem pensasse que a futura celebridade
envolvida nestes discos dos Pepperpots fosse Lou Reed – que, afinal, também
gravou para o selo Pickwick no mesmo ano de 1964, com sua banda The Primitives.
E há também quem diga que o nome de fantasia “Billy Pepper And The Pepperpots”
tenha sido parte da inspiração de nada menos que o disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos Beatles e o próprio mito
Paul-Is-Dead, sendo Bill Shepherd ninguém menos que Billy Shears! (Vejam só a
lógica: “Shepherd”, rebanho, é formado por “sheeps”, carneiros, que costumam
passar por “shears”, tosas... E “Billy Shears” já escreveu vários livros sobre
sua vida e obra como substituto do “falecido” Macca; quem quiser pode se
esbaldar na página de Billy Shears. Realmente, imaginação é tudo...)
E segue abaixo uma pequena tabela de equivalências, ou
seja, de discos lançados com novas capas, títulos e até selos.
The
Hairy’s – Help! (Coledisc)
é
o mesmo que
1) Os Aaaaalucinantes – Festa Do Bolinha (Itamaraty/Destaque)
2) The Crazy Boys – Alucinante (Coledisc)
Os
Tremendões – Super Jovem (Paladium)
é
o mesmo que
1) The Rock Fingers – Hotline (Bemol, relançado pela Beverly
Notas: Estas edições trazem um texto do
tipo fala-muito-e-não-diz-nada assinado por “C. Drummond” – seria o próprio
grande poeta Carlos Drummond, já que era conterrâneo das gravadoras mineiras
Bemol e Paladium? – , e a edição da Bemol inclui na contracapa fotos
supostamente de integrantes da banda.
2) The King’s – As Preferidas Volume 2 (segundo volume de um álbum de três discos;
Bugre, 1972)
The
Modern Boys – Esperando Você (Êxitos)
Nota:
incluído na caixa de cinco LPs Juventude
e Brasa
é
o mesmo que
The
Terribles – Brasa Três (NCV/Codil)
The
Fire Boys [na verdade The Fevers] – Música
Para A Jovem Guarda (SBA/Musipop)
é
o mesmo que
The
Invisibles – Na Onda... (Danças
Modernas) (Festival)
Notas:
A versão dos Invisibles inclui ficha técnica:
Produção:
Ismael Corrêa; gravação: Estúdio Musidisc; Engenheiro de som: José Medeiros; Operador
de som: Ary Perdigão
The
Terribles – Brasa (Itamaraty/CID; produção
de Nilton Valle)
é
o mesmo que
1)
The
Bip’s [The Fevers] – Trepidante (Coledisc)
2)
Os
Enecevês – As 14 Bárbaras Volume 2 (NCV/Codil)
The
Thunders – Sunny (Êxitos)
Nota:
incluído na caixa de cinco LPs Juventude
e Brasa
é
o mesmo que
The
Marginals – Tremenda Onda (NCV/Codil)
Nota:
a capa reúne imagens de mulheres de capas dos discos dos Terribles
The
Wish’s – Dólar Furado (Êxitos)
Nota:
incluído na caixa de cinco LPs Juventude
e Brasa
é
o mesmo que
The
Baby Players – Barra Limpa (Op-Disc/Codil)
Notas:
A edição dos Baby Players inclui ficha técnica:
Produção:
Expedito Alves/direção musical: Miguel Cidrás
The
Terribles – Genial! (NCV/Codil)
É
o mesmo que
1) The Modern Boys – Maria, Carnaval e Cinzas (Exitos
Nota:
incluindo na caixa de cinco LPs Legal
2) Psicodélicos – Psicodélicos (Tema/Codil - Produções NR)
The
Italian Romantic Players – Uma Lacrima
Sul Viso (Destaque/Discorama, c. 1966)
é
o mesmo que
The
Veneto Quartet – Io Che Amo Solo Te (Coledisc)
The Flower Friends –
The International Hit Group Volume 1
(Dabliuesse, c. 1972)
é quase o mesmo que
The Bamby’s – Explosão Universal 1 (primeiro volume
de um álbum de três discos; Bugre, 1972)
Algumas faixas do
primeiro foram trocadas de lugar com outras do disco Explosão Universal 3 (ver abaixo)
The Jack’s – Explosão Universal 3 (terceiro volume
de um álbum de três discos; Bugre, 1972)
é
quase o mesmo que
The Lowell Zoo – The International Hit Group Volume 2 (Dabliuesse,
c. 1972)
A versão The Jack’s
reúne quase todas as faixas da versão The Lowell Zoo junto a duas do álbum
de The Flower Friends (ver acima) e mais“Double Dealing Woman”, cover da banda
inglesa Mayfield’s Mule pela banda mineira Gárgulas creditada como “Myfield’s
Mule” [sic] (e este cover dos Gárgulas havia saído creditada a eles em compacto
pelo selo MAD com título traduzido, "Mulher De Duas
Faces", e autoria atribuída a "My Field's Mule"; um primo meu teve
esse compacto e a princípio pensou que fosse brincadeira com "Moda Da Mula
Preta" ou outra piada similar no estilo do disco Nhô Look de Rogério Duprat).
John
Chris Band – Explosão Total (New
Sound, 1973)
é
quase o mesmo que
The
Brothers – The Brothers Sing Hits
(New Sound, 1972)
A
diferença entre ambos é de uma faixa: o LP de John Chris tem “Wild Safari”,
cover do grupo espanhol Barrabas, e o dos Brothers traz “Promessa De Pescador”
de Dorival Caymmi (baseada no folclore, mas isso é outra história) no arranjo
de Carlos Santana. “Wild Safari” – por sinal, sempre grafada com “y” por esta
gravadora – saiu também num compacto duplo do selo New Sound creditado a The
Brothers e incluindo outras três faixas comuns aos dois LPs.
The Terribles – Genial! Universal Sound (NCV)
Reúne faixas gravadas
por Los Inocentes (grupo paraguaio de passagem pelo Brasil, com participação do
contrabaixista e tecladista uruguaio Hector Capobianco, irmão de Juan Roberto
“Pelin” Capobianco, da grande banda uruguaia Los Shakers) junto a faixas dos
seguintes LPs (todos reunidos na caixa Juventude
E Brasa da gravadora Êxitos):
The Modern Boys – Maria,
Carnaval E Cinzas
Os Bárbaros – Eu
Sou Terrível
The Fishers – Alegria,
Alegria
The Wish’s – Pata
Pata
E
o produtor destas gravações (ou pelo menos as da banda Los Inocentes) foi de
outro ilustre uruguaio radicado no Brasil, Miguel Cidrás.
Obviamente,
os títulos Explosão Total e Explosão Universal devem ter sido
criados para concorrer – e ganhar – da série Super Explosão Mundial da gravadora CID...
Num caso inverso, temos dois álbuns com o mesmo título
(também bastante explosivo), a mesma capa e creditados ao mesmo artista, mas
totalmente diferentes: Explosive Young
Impact com The Hot Gang nos selos Bemol e Palladium. O da Bemol saiu por
volta de 1968 e é mais iê-iê-iê, ao passo que o da Palladium é de 1971 ou 1972
e traz covers de sucessos dessa época (inclusive “Oh Oh La La La” do Lee
Jackson brasileiro).
E já que falei em Sgt.
Pepper’s, agradecerei a uma pequena ajuda das pessoas amigas: Felipe
Zangrandi, Craifer Cleiton, Rai Ferreira, Ray
Diamond, Marco Antonio Mallagoli, Fernando Rosa, Menachen
Grosz, Claudio Foà, Valdir Angeli, pessoas inimitáveis mas que merecem ser mais
imitadas.
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