Ah, apelidos, prática de socialização lúdica (gostaram?)
que nem todo mundo acha divertida... Apelidos, sejam modificações de nomes ou
inspirados em características da vítima, são inevitáveis, e normalmente só
pegam quando não se gosta deles – mas muita gente gosta do apelido a ponto de
adotá-lo até como nome profissional ou artístico e relegar o verdadeiro nome a
assunto para pesquisa. Basta perguntarmos a Pelé, Zico, Aleijadinho (um dos
mais antigos apelidos punks brasileiros de que tenho notícia), Canarinho, Regina
Boni, Lênin, Lula, Fatty Arbuckle (ou Chico Boia – um dos primeiros apelidos
com tecla SAP) e, na música, Chuck Berry, Ringo Starr, Cat Stevens, Fats
Domino, Duke Ellington, Ozzy Osbourne, Lady Gaga, Lemmy, Míriam Batucada, Pitty,
Lobão (presença obrigatória em minha pesquisa sobre a Disney e a música
brasileira), Peninha (idem), Sonekka (não, ele não ganhou este apelido por
causa do anão disneyano), Toquinho, Pepeu, Cazuza, Chorão, o guitarrista gaúcho
Alemão, Supla, Fiuk... (Não confundir apelido dado espontaneamente por família,
turma ou público com nome de guerra cuidadosamente escolhido pelo(a) artista ou
pessoal chefe, empresário ou publicitário, como sejam Elton John, David Bowie,
Reg Presley, Tonico & Tinoco, Chitãozinho & Xororó, Anitta e até mesmo o
pesquisador Tinhorão.)
Este que vos escreve tem atendido também por
Ayrtinho/Tinho/Teco na família, Abacaxi no cursinho e faculdade quando morou no
interior e, ao se enturmar na futura Galeria do Rock em 1978, tornou-se bem mais
conhecido como Richards – sim, por causa do guitarrista dos Rolling Stones,
minha banda inglesa preferida lá em 1978, logo antes de eu descobrir os Kinks, os
Zombies e os Yardbirds – e Tião, por eu ter me criado no “interiorrr” paulista.
(E, ao começar a tocar com Kid Vinil – sim, outro belo nome de guerra – em
1981, fui também chamado de Costello por ser nerd de óculos e levar minha
guitarra não num estojo e sim num saco e portanto inspirar analogia com o
segundo Elvis, que por sinal nasceu com o nome Declan mas adotou o nome do
primeiro Elvis.) Nas mesmas Grandes Galerias, elas mesmas apelidadas “Galeria
do Rock” por abrigarem muitas lojas de discos, camisetas e instrumentos
musicais desde os anos 1970, proliferaram também os apelidos a pessoas frequentadoras
conforme os artistas ou gêneros de que mais gostassem: além deste Richards que
vos tecla tivemos Claudio Zappa (“al secolo” Claudio Finzi Foá), Valdir Moon
(“né” Angeli), Zé Progressivo, Pedro Aoxomoxoa, Allman Brothers, Moody Blue,
Adolfo Budokan (nipodescendente que adorava discos ao vivo) e até Zappa Usado
(que só pedia discos de segunda mão, e portanto mais baratos,do cavanhaquista
de Cucamonga). E boa parte de minha
turma musicista dos anos 1980 para 1990 parecia time de futebol: Bonitão, Banha,
Praia, Peste, Imbecil, Pazzo, Horrível... Não poderiam faltar apelidos
inspirados em canções específicas, como um rapaz frequentador do Espaço Persona
que eu chamava de “Smoke” porque nas jams sessions ele sempre cantava “Smoke On
The Water” e um colega da Cásper que nas rodinhas de violão sempre pedia “Tempo
Perdido” do Legião Urbana e acabou ganhando este título como alcunha.
Chegamos então ao tema deste artigo: artistas
brasileiros que emplacaram uma canção de sucesso enorme a ponto de se tornarem
conhecidos por ela e incorporarem seu título ao nome artístico.
Começaremos pelo ilustre cidadão macauense
Gilson Vieira da Silva, nascido em 1952. Conheces? Sim, ele atende, inclusive
no Facebook, por Gilson Casinha Branca, dado o êxito e a popularidade da canção
“Casinha Branca”, composta em parceria com Joran e Marcelo, lançada por Gilson
em 1979 e que estourou na trilha da telenovela Marrom Glacê, chegando a ser
regravada por Fábio Jr., Maria Bethânia e até o inglês Jim Capaldi, ex-Traffic
(numa versão em inglês, “Old Photographs”), e a cantora espanhola (mais exactamente, inglesa de origem hispano-catalã; vale, vale, vale) Jeanette, aquela de "Soy Rebelde" e "Porque Te Vás" ("Casita Blanca"). E sim, este Marcelo é o mesmo dos
sucessos “De Fogo, Luz E Paixão”, “Com Você Eu Vou” e “Abre, Coração” (estas
duas em parceria com Jim Capaldi). Gilson tem outras canções de grande sucesso,
como “Verdade Chinesa” e “Não Diga Nada”, mas “Casinha Branca” é sua “Be-Bop-A-Lula”.
(Muita gente boa até faz confusão urbana, suburbana e rural ao citar “Casinha
Branca” misturada com “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda (Casinha De Sapé)” – mais
um empreendimento da Imobiliária Casa No Campo – de Hyldon (que, por sinal,
também é Silva mas não tem parentesco com Gilson).
Outro grande “cantautore” que adotou o nome de
uma sua balada de grande sucesso é o paraguaio radicado no Brasil Juan Senon
Rolon, que no fim dos anos 1960 passou a usar o cognome Fábio e um de seus
primeiros hits foi justamente o maior: “Stella”, de 1969 (“com Heraldo do Monte
na guitarra”, lembrou Fábio a este que vos escreve na ocasião de seu programa
especial para a Rádio Matraca). É sempre bom lembrar que Fábio é autor ou
co-autor de outros grandes sucessos, como “Socorro, Nosso Amor Está Morrendo”
(gravada por Wanderley Cardoso), “Risos” (Tim Maia), “Velho Camarada” e “Até
Parece Que Foi Sonho”. Nos anos 2000 ele averbou o nome artístico para Fábio Stella, gravando discos como o CD abaixo, Meu Jovem Amigo, de 2007. Lembremos também que o eco usado em “Stella” motivou a
Rádio Globo a convidar Fábio para gravar várias vinhetas com esse efeito para a
emissora (“Rádio Globo-bo-bo-bo!”).
Depois de procurar estrela, espantemos a
tristeza na pessoa do sambista carioca Nilton de Souza (1936/2018), também
conhecido por Niltinho – e por Niltinho Tristeza desde o grande estouro de seu
samba “Tristeza” (“tristeza, por favor, vá embora”), composto em 1963 em parceria
com o grande carnavalesco Haroldo Lobo e lançado dois anos depois pelo cantor
Ary Cordovil; não demorou para Elis Regina (em dupla com Jair Rodrigues) e
Elizeth Cardoso regravarem este samba e consagrá-lo de vez como clássico da MPB
– sem falar na versão em italiano, “Tristezza, Per Favore Va Via”, sucesso
imediato com a Gal Costa italiana, Ornella Vannoni, em 1967. E na década seguinte
Niltinho acrescentou ao nome artístico a palavra “Tristeza”, a princípio com e
depois sem aspas.
Outro ilustre sambista carioca que ganhou nome de uma sua propria composição foi João de Souza Barros (1933/1986), bem mais conhecido como Joãozinho da Pecadora devido ao sucesso de seu samba "Pecadora", gravado por grandes artistas Elizeth Cardoso e Nara Leão. Temos também um artista que ganhou nome de obra alheia: o gaucho Mateus Nunes (1920/1971), famoso por sua composição "Mãe Preta (Barco Negro)", porém ele mesmo bem mais conhecido como Caco Velho, de tanto interpretar o samba deste nome composto por Ary Barroso, lançado por Elisa Coelho em 1934.
Há pelo menos dois apelidos-canções cuja maternidade foi o estúdio. Um é o de outro “hermano”, o grande multiinstrumentista Sergio Jorge Dizner, nascido na Argentina, hoje residente na Alemanha e que se revelou no Brasil em shows e gravações com artistas como Caetano Veloso, Elis Regina, Raul Seixas, Ronnie Von, Tim Maia, Rosa Maria (e ainda integrante de bandas como The Beat Boys e Raíces de América), além de ser autor de sucessos como “Cavaleiro De Aruanda” e “Pra Ser Só Minha Mulher” e compositor de trilhas de filmes como Bonga, O Vagabundo, talvez o melhor filme, certamente o mais chapliniano, estrelado por Renato Aragão. Até 1971 este músico atendia por Sergio Dizner ou pelo apelido Tony, conforme a contracapa de seu único LP como integrante da banda The Beat Boys (sim, a mesma que acompanhou Caetano e Gil em shows, gravações e festivais nos anos 1960). Mas nesse ano Elis Regina resolveu gravar uma composição sua, “Osanah”, e gostou tanto que ali mesmo, em pleno estúdio carioca da Philips na Avenida Rio Branco, ela sugeriu a Tony que complementasse seu nome artístico adotando o título desta canção como sobrenome. E assim nasceu Tony Osanah, outro dos muitos grandes artistas (ao lado de Tim Maia, Gil, Milton, João Bosco e Belchior) a merecer e ganhar forte impulso de Elis, a ponto de conseguir contrato na mesma gravadora (o conglomerado PolyGram), onde gravou solo e como integrante da banda Music Machine (ao lado de Willy Verdaguer, outro grande músico argentino e parceiro musical de Osanah desde os Beat Boys até hoje).
O segundo apelido-canção nascido em estúdio de
que falaremos, além de também ter “nascido” no Rio de Janeiro, veio de um
detalhe agregado a um samba de grande sucesso. Na gravação de “Foi Um Rio Que
Passou Em Minha Vida” de Paulinho da Viola, em 1970, o vocalista Jorge Moraes, integrante
da escola de samba da Portela e participante do coro, teve uma bela ideia: improvisou
e mandou aquele entusiasmado contracanto “aaaaaaah, poréééém!” Paulinho,
surpreendido e maravilhado, aprovou, e esta contribuição ajudou ainda mais a
aumentar o sucesso do samba. E basta dizer que Jorge Moraes foi crismado “Jorge
Porém” até em verbete de enciclopédia, justamente onde fiquei sabendo dele: O
Bê-A-Bá Das Escolas De Samba de C. Bernard, publicada em 2001 e um dos melhores
achados de minha até agora única ida a Florianópolis poucos anos depois...
E um exemplo bem bossa nova é o do compositor e
músico carioca Chico Feitosa (1935/2004), cuja “Fim De Noite” (parceria com Ronaldo
Bôscoli) fez tanto sucesso (desde seu lançamento pela grande Alaíde Costa, em
1960) que o primeiro de seus dois álbuns como intérprete evidente, lançado em
1966, tem o título objetivo de Chico Fim De Noite Apresenta Chico Feitosa, e o supracitado
Tinhorão, ao falar sobre Feitosa, teve de explicar que ele adotou o cognome
Chico Fim De Noite devido ao grande êxito da composição e “não por dormir
tarde”. (Falei sobre discos de Chico Feitosa onde ele é “intérprete evidente”;
pois bem, ele tem pelo menos um álbum como intérprete não evidente, Jovem Brasa
Apresenta Samba Jovem, de 1966, onde aparece discretamente como guitarrista do
Conjunto Jovem Brasa e produtor do disco, por sinal interessante pioneiro do
samba-rock moderno.)
No extremo oposto da sofisticação musical temos
a dupla Ponto & Vírgula, cujo primeiro e maior sucesso, lançado em 1974,
foi ”Chacrilongo”, levando a gravadora a complementar o nome do duo com “Os
Chacrilongos” na capa de um dos hits seguintes, “Laika Nóis Laika”. (Sim, neste
disco a dupla é formada pelo "cantautore" Tukley e pelo em´perito contrabaixista Lu Stopa, mas não contem a ninguém. E, por
sinal, Tukley, além de grande seguidor de Raul Seixas, é também mestre de
canções sobre pessoas inconvenientes; além de “Chacrilongo”, ele ajudou a
popularizar a gíria “mala” em seu hit intitulado justamente “O Mala”, como
integrante da banda Spray.)
Lembremos também artistas que adotaram
nomes/apelidos de canções de sucessos alheios. Um bom exemplo é o primeiro
roqueiro de sucesso vindo da cidade de Santos: José Rodrigues da Silva.
Reconheceste? Sim, ele mesmo: o Deny, da dupla vocal Deny & Dino. Ele
gostava tanto da canção “Danny”, cantada por Elvis Presley no filme King Creole
(para nós Balada Sangrenta - bom mote para meu estudo sobre violência na música), que adotou o título como nome artístico, abrasileirando
a grafia para “Deny”. (A gravação de Elvis desta canção não foi incluída no LP
da trilha sonora do filme e só saiu em disco décadas mais tarde – mais uma de
tantas “façanhas” do empresário e da gravadora de Elvis – , mas fãs da canção
em si não precisaram esperar tanto: ela foi regravada pelo “Elvis inglês”,
Cliff Richard, no LP Cliff, de 1959, lançado aqui no mesmo ano mas com título
dublado para Rock Turbulento – mais um pouco de tecla SAP para vocês), e por
Conway Twitty, com título “Lonely Blue Boy”, também em 1959.) Mais exatamente,
Deny lançou-se com o nome completo de Deny Rod (sim, Rod é abreviação de
Rodrigues, seu sobrenome). Não, ele não resolveu seguir à risca o primeiro
verso da canção, “my name should be Trouble...” Temos ainda outro sucesso do
rock and roll que serviu de apelido não para um, mas dois artistas brasílicos ligados
ao rock. Sim, trata-se de “Bop-A-Lena”, composição de Mel Tillis e grande hit
com o cantor Ronnie Self. Muitos e muitas de vocês já sabem o que vou dizer: o
jovem Jorge Ben Jor gostava tanto deste rock que ganhou o apelido de Babulina.
Enquanto isso, outro jovem carioca, Sebastião Maia, também chegou a ser chamado
de Babulina pelo mesmo motivo, mas por pouco tempo, e logo o apelido/nome artístico
Tim Maia prevaleceu. E Jorge assinou-se Babulina profissionalmente pelo menos
uma vez, numa parceria bem gaiata (e bem obscura) com Tom Zé: “C. C. D. T. F.”(queres
saber o quê significa esta sigla? Ouve a canção aqui , gravada por Marcos Samm em 1969.
(Sendo este meu espaço, aqui posso contar o que
se segue. Conheci pessoalmente Jorge Ben Jor quando ele lançou “W/Brasil”, e
ele, que já nos anos 1970 lamentava ter perdido seu exemplar do disco “Bop-A-Lena”,
me disse que, mesmo passadas duas décadas, não conseguia encontrar a gravação
nem em lojas europeias; eu tinha o disco e fiz então a boa ação de lhe gravar
uma fita cassete com a canção, incluindo como bônus “C. C. D. T. F.”. Sou também
amigo de Tom Zé desde que pesquisei sua primeira grande discografia nos anos
1980, e ele me contou que s encontrou com Ben Jor no Rio, este lhe disse: “Um
cara de São Paulo me fez uma fita com nossa parceria e Tom Zé lhe respondeu: “Um
cara de São Paulo? Acho que sei quem é...”)
Podemos mencionar ainda o nunca demais
mencionado grupo Rumo, que surgiu sem nome mas com show intitulado Rumo da
Música Popular, e logo, como admitiu ao jornal O Matraca, “roubou o nome às
próprias apresentações. Temos ainda Dave Davies, guitarrista dos Kinks, que em
1967 iniciou carreira-solo paralela ao grupo e teve como primeiro e maior sucesso
a canção folk-rock “Death Of A Clown” (sim, está em minha pesquisa sobre música
e circo); Dave vive às turras com seu irmão Ray Davies, líder dos Kinks, que em
alguns shows dos anos 1970 chegou a apresentar o mano como “Dave ‘Death of A Clown’
Davies”. E acabo de me lembrar que, além de Richards, cheguei a ser chamado
também de Ponta, apelido criado pelo formidável pianista Marco Antonio Bernardo,
graças a meu arranjo em rock irreverente para “Ponta De Areia” de Milton Nascimento...
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