É DA BANDA DA BANDA DE LÁ: "EM GUARDA, JOVENS!"
Tudo tem seu lado bom, até o Exército. Sou contra ditaduras,
militares ou não, e contra guerras & batalhas armadas, mas lamento que o
exército brasílico tenha tido sua reputação abalada por seus representantes que
fizeram-o-mal-pensando-fazer-o-bem – sim, 1964 foi o ano da “longa noite de um
dia duro”. Mas tais cabeças-de-papel e seus associados civis não conseguiram
anular de todo as boas conquistas do país sob governos anteriores; tivemos
muitas boas realizações em áreas como urbanismo, economia e arte que levam
muito gente boa a pensar que “no tempo dos milicos é que era bom”. E é consenso
que o exército contribuiu muito para a música, na pessoa das bandas militares,
desde o século
18, inclusive no Brasil (uma amostra: o exército comandado pelo Marquês de Caxias – sim, nosso
futuro único Duque – na Guerra do Paraguai incluiu “corneta-mor, mestre de
música e doze músicos” entre seus 679 homens).
Um
dia trago para cá resultados mais detalhados de estudo meu sobre música de banda
(outra amostra: como seria a música brasileira do começo do século 20 sem essa
valorosa trupe de “session men” que foi a Banda da Casa Edison?), mas por ora
balancemos o coreto (entenderam?) lembrando da famosa banda inglesa liderada
por um sargento que fez sucesso mundial após vinte anos de prática, entrando e
saindo de moda mas sempre fazendo sorrir, sucesso este que ora completa 50 anos.
E reuni algumas curiosidades sobre este famoso disco dos Beatles que, até onde
sei, nunca ou quase nunca foram comentadas em papel ou na internet. Pois bem,
acomode-se na cadeira e deixe a noite passar.
Não podemos, nem queremos, tapar os quatro mil buracos por
onde entra a presença morena dos Beatles, mas tentaremos demolir dois mitos
sobre Sgt. Pepper. Ele não foi o primeiro “álbum conceitual do rock”, com todas
ou quase todas as faixas seguindo um mesmo tema geral; precedentes incluem
Little Deuce Coupe dos Beach Boys, onde todas as faixas falam de automóveis.
Quando muito, Sgt. Pepper foi o primeiro álbum de rock não ao vivo onde todas
(ou quase todas) as faixas são coladas, “forçando” o(a) ouvinte a ouvi-las
juntas e/ou numa determinada sequência. (Primeiro? Acabo de me lembrar de Absolutely Free de Frank Zappa & The Mothers Of Invention, que saiu no mesmo dia, 26 de maio de 1967. Mas os Beatles merecem primazia pelo parâmetro de serem muito mais famosos a ponto de Sgt. Pepper ser conhecido e esperado já desde antes de sair.) E Pepper também não foi o primeiro
disco de música popular, não infantil nem folclórica, a trazer as letras das canções na contracapa: a Odeon, filial
brasileira da mesma gravadora, havia tido tal iniciativa com quase todos seus
LPs em 1960-63, incluindo álbuns discoteca-básica como O Amor, O Sorriso E A
Flor de João Gilberto, Eu Não Tenho Onde Morar de Dorival Caymmi e Os Anjos
Cantam de Nilo Amaro e Seus Cantores de Ébano. (Sim, um fator determinante no
sucesso e influência de Sgt. Pepper foi a gravadora, na época “the greatest
recording organisation in the world” e a única realmente multinacional, tendo
em quase todos os países filiais e não apenas contratos de licenciamento, ao
contrário da grande rival RCA, que até meados dos anos 1960 era apenas
representada e distribuída em países como Inglaterra e Alemanha por grandes
gravadoras locais.)
PIMENTA NO OUVIDO DA GENTE É REFRESCO: UM POUCO DE SGT.
PEPPER E O BRASIL
O Brasil pode ser normalmente chamado de
“atrasado” em relação aos lançamentos originais da Inglaterra e dos EUA, mas
pelo menos num item saímos vencedores em relação aos poderosos ianques: Pepper
foi lançado lá sem a famosa gravação interminável no fim do lado 2 (sim, o
“Sgt. Pepper’s Inner Groove”), que só ganhou edição estadunidense na versão
local do álbum Rarities, mas no Brasil ela está presente desde a primeira
edição (embora ausente apenas numa tiragem dos anos 1970 com o selo marrom; eu
tive um exemplar destes no fim dos anos 1970). (Isso sem falar que os EUA só
começaram a respeitar o repertório original inglês dos álbuns dos Beatles a
partir de Sgt. Pepper, ao passo que quatro dos LPs anteriores do grupo –
incluindo a coletânea Oldies But Goldies – haviam tido seu repertório mantido
intacto nas edições brasílicas, apesar de mudanças em títulos, traduções toscas
de textos e som quase sempre em mono estridente – não que as vitrolinhas de
bailinhos e piqueniques pedissem ou precisassem de mais que isso – , e o
público brasileiro até que era respeitado, com um mínimo de 12 faixas por LP,
contra as 11 de um LP estadunidense normal, muitas vezes cheio de eco e
reverberação, pois lá “alta fidelidade” também era coisa para inglês ver e
ouvir.)
Não esqueceremos de que nosso
grande DJ Big Boy foi uma das primeiras pessoas de rádio em todo o mundo a
terem o privilégio de tocar Sgt. Pepper antes de ele ser lançado. E, por falar
em rádio, lembremos também a presença de Sgt. Pepper na série de LPs Música E
Alegria Kolynos, resultado da tríplice parceria da gravadora Odeon com a
agência de publicidade McCann-Erickson e o laboratório farmacêutico Anakol, na
forma de programas de rádio visando promover lançamentos da Odeon e produtos da
Anakol como o analgésico Superhist, o desodorante Van Ess e o creme dental
Kolynos (recentemente mudou o nome para Sorriso); o projeto durou onze anos,
de 1964 a 1974. No início os LPs traziam um
programa em cada lado; em 1966 os programas dobraram de duração e cada um
passou a ocupar um disco inteiro. Muitos destes programas incluíram gravações dos
Beatles, e pode-se notar que a carreira do grupo até 1967 é das mais coesas, o
grupo trabalhava em cada faixa de LPs e compactos com o máximo cuidado
possível, de modo que todas ou quase todas tinham potencial para serem lançadas
em compactos e fazerem sucesso. Além disso, como resumiu o dono-da-verdade Roy
Carr, absolutamente todos os LPs dos Beatles têm um “compacto que nunca foi”,
com apelo comercial para ser lançada em “single” na Inglaterra de 1962 a 1970 mas
que só o foi, quando foi, em outros países. Daí algumas faixas dos Beatles
presentes na série Música E Alegria Kolynos serem agradáveis surpresas; além
dos hits esperados como “I Want To Hold Your Hand” e “All You Need Is Love”,
temos escolhas como “Don’t Bother Me”, “Everybody’s Trying To Be My Baby”, “Blue
Jay Way”, “All Together Now” e pelo menos duas faixas de Sgt. Pepper: “Good
Morning, Good Morning” (no programa de número 1091) e “When
I’m Sixty-Four” (no programa 1101); estes LPs eram apresentados pelo grande radialista Estevam Sangirardi e estão se tornando raridades.
Os Beatles são, muito provavelmente, a
banda de rock mais regravada do planeta, inclusive no Brasil.
Compreensivelmente, as composições mais regravadas dos Beatles são ou as mais
simples ou as mais românticas, e romantismo e simplicidade não caracterizam a
maioria das letras, melodias e arranjos de Sgt. Pepper. Mesmo assim, muita
gente encarou o desafio de reler canções deste álbum, com resultados variáveis.
Para quem vinha da bossa nova, jazz, big bands ou outros gêneros musicais
complexos, não houve tanta dificuldade. Já algumas bandas soam mais ou menos como
os Beatles de 1961 em Hamburgo tentando tocar os Beatles de 1967 em Abbey
Road...
Bem curioso é o álbum Genial! Universal
Sound creditado à banda The Terribles. Na verdade, este era apenas um nome com
que o saudoso produtor Nilton Couto do Valle lançava gravações de grupos
desconhecidos por selos pequenos, com baixos orçamentos e preços. No caso deste
LP, estes The Terribles são na verdade um
grupo paraguaio de passagem pelo Brasil, chamado Los Inocentes, com
participação do contrabaixista e tecladista uruguaio Hector Capobianco, irmão
de Juan Roberto “Pelin” Capobianco, da lendária banda uruguaia Los Shakers (uma
das duas grandes respostas latino-americanas aos Beatles, a outra sendo os
Mutantes). Isso explica este LP incluir duas composições dos Shakers e uma
“quase dos Shakers” (“I Will Not Cry”, de Hector Capobianco e com participação
do mano Pelin na gravação) ao lado de quatro canções de Sgt. Pepper (talvez uma
quantidade recorde de regravações de Pepper num disco só nos anos 1960), outras
quatro dos Beatles pré-Pepper e, para variar, uma dos Monkees. E este LP
foi produzido por outro ilustre uruguaio bem acolhido no Brasil, o maestro
Miguel Cidrás. Mas a novela apenas havia começado: estas gravações destes
Terribles foram espalhadas por outros LPs de jovem guarda com as chamadas
sérias restrições orçamentárias e creditadas a diversas outras bandas (The
Modern Boys, Os Bárbaros, The Fishers, The Wish’s), conforme a lista mais abaixo! Leias mais sobre esta banda e este disco aqui e aqui também.
(Este tipo de disco “fantasma” reeditado
com diversos créditos de intérprete é outro tema de estudo meu que vou trazer
para cá uma hora destas. E vale lembrar também que os próprios Shakers regravaram
uma canção de Sgt. Pepper, “Cuando Tenga Sesenta Y Cuatro”.)
Consta que Marcio Greyck recusou-se a
gravar certas versos dos Beatles que considerou toscas demais. Já o primeiro LP
de Raul Seixas, ainda o Raulzito dos Panteras, incluiu uma versão de “Lucy In
The Sky” tão doida quanto a original, mas com sabor de tropicalismo: “Pense num
dia com gosto de jaca.” “Não me deixaram gravar, disseram que eu havia
avacalhado com a música”, contou mais tarde Raul, que mudou o verso para “gosto
de infância”; esta versão foi regravada pelo Ira! anos depois.
Comentei sobre todo álbum dos Beatles
incluir um “compacto-que-nunca-foi”. No caso de Sgt. Pepper, poderia bem ser um
com dois lados-A, “Lucy In The Sky” e “With A Little Help”, a julgar pelas
tantas vezes que essas canções foram e têm sido regravadas no Brasil desde 1967
inclusive por um(a) mesmo artista e num mesmo disco, seja em inglês, em outros
idiomas ou versões instrumentais – até
pensei numa analogia a “Disparada” e “A Banda”, que venceram juntas um mesmo
grande festival e foram regravadas juntas muitas vezes, como lembrei nesteoutro artigo aqui em meu blogue.
Sim, falei em uma lista, e aqui vai ela. Não uma lista
daquelas de melhores isto e piores aquilo, mas sim uma lista do tipo que
prefiro, das objetivas: regravações brasílicas de canções de Sgt. Pepper feitas
de 1967 a 1969. Obviamente, esta lista, feita por apenas uma pessoa, baseada
70% em acervo e lembranças pessoais e 30% no Google, nas horas livres de duas
semanas, nem pode pensar em ser completa. Mas mesmo assim ela dá uma boa idéia
da repercussão de Pepper no meio musical brasileiro.
REGRAVAÇÕES BRASILEIRAS DE CANÇÕES DO ÁLBUM SGT. PEPPER,
1967-69
“Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”
Corisco E Os Brasaloucos (versão instrumental; LP Corisco E
os Brasaloucos, Continental, 1967 – esta faixa saiu também em compacto duplo no
mesmo ano)
“With A Little Help From My Friends”
Embalo R (versão: “Meus Amigos”; LP Embalo R, Som Maior/RGE,
1967)
Sergio Mendes & Brasil 66 (LP Look Around, A&M, 1968)
The Pop’s (LPs O Baile, Equipe, 1969, e a coletânea 5º Aniversário, Equipe, 1969) – esta versão
foi incluída anos depois no LP The Pop’s Ao Vivo, um “fake live album” à brasileira
The Terribles (LP Genial! Universal Sound, NCV)
The Modern Boys (LP Maria, Carnaval E Cinzas, Êxitos, c.
1967) – é a mesma gravação do álbum de The Terribles listado acima
The Ghosts (versão instrumental; LP With A Girl Like You,
Som Maior/RGE, 1967 – esta faixa saiu também em compacto simples em 1968)
Disco sem crédito de intérprete(s) (LP Bem Bolado, Paladium,
c. 1968)
“Lucy In The Sky With Diamonds”
Marcio Greyck (versão: “Ela Me Deixou Chorando”; LP Marcio
Greyck, Polydor, 1967)
Ed Wilson (versão: “Ela Me Deixou Chorando”; compacto
simples, CBS, 1967)
Beagá Band’s [sic] (na capa consta “Ela Me Deixou Chorando”
e no selo “Lucy In The Sky With Diamonds”, mas é uma versão instrumental;
LP Legal!, Paladium, c.1967)
Raulzito e os Panteras (versão: “Você Ainda Pode Sonhar”; LP
Raulzito e os Panteras, Odeon, 1967)
The Terribles (LP Genial! Universal Sound, NCV)
Os Bárbaros (LP Eu Sou Terrível, Êxitos, c. 1967) – é a
mesma gravação do álbum de The Terribles listado acima
The Sergeants (LP Mania De Beatles. AMC, 1968) – duas curiosidades: The Sergeants é a banda paulista Mac Rybell gravando sob pseudônimo, e este é o primeiro LP de uma banda brasileira a trazer somente canções dos Beatles ou a estes associadas)
The Sergeants (LP Mania De Beatles. AMC, 1968) – duas curiosidades: The Sergeants é a banda paulista Mac Rybell gravando sob pseudônimo, e este é o primeiro LP de uma banda brasileira a trazer somente canções dos Beatles ou a estes associadas)
“Getting Better”
The Terribles (LP Genial! Universal Sound, NCV)
The Fishers (LP Alegria, Alegria, Êxitos, c. 1967) – é a
mesma gravação do álbum de The Terribles listado acima
“Fixing A Hole”
The Terribles (LP Genial! Universal Sound, NCV)
The Wish’s (LP Pata Pata, Êxitos, c. 1967) – é a mesma
gravação do álbum de The Terribles listado acima
“When I’m Sixty-Four”
Marcus Pitter (versão: ”Sempre Vou Te Amar”; LP Marcio
Greyck, Polydor, 1967)
Os Berimbóis (versão instrumental; LP Violentíssimo,
Clarim/Cartaz, c. 1968)
The Ghosts (versão instrumental; LP With A Girl Like You,
Som Maior/RGE, 1967)
Algumas dessas gravações podem ser ouvidas aqui.
E canções de Sgt. Peppers (principalmente a dupla “With A Little
Help” e “Lucy In The Sky”) continuam sendo regravadas no Brasil por artistas
diversos como as bandas fantasmas Flowers e The Brothers’s And Sister’s Band, o
grupo Isaías E Seus Chorões, o grupo MPB-4, a violonista Rosinha de Valença e
artistas mais novos como o Ira!. Lembrarei também “Amélia In The Sky,”a
parceria Lennon-Ataulfo Alves que imaginei para a Rádio Matraca, e que pode ser
ouvida aqui. (E já que o blogue é meu, posso citar minha quarta fita cassete,
Gal. Médici’s Lonely Hearts Club Brega, paródia de Sgt. Pepper a meu jeito, na
linha de We’re Only In It For The Money de Zappa & The Mothers, Their Satanic
Majesties Request dos Rolling Stones – que logo voltará a esta conversa – e a
bela releitura da banda Big Daddy.)
SALGEANT PEPPELU: SGT. PEPPER NA ÁSIA
Sgt. Pepper teve pelo menos três edições
coreanas em vinil, todas nos anos 1970. Duas delas, pelo selo Taedo, são
piratas. Uma delas é mais comum; um dos selos está aí abaixo. A
segunda não encontrei na internet mas conheci pessoalmente no começo dos anos
1980, e aqui vão os selos (por cortesia do colecionador João Paulo Pimenta –
realmente, não há pessoas mais apropriadas que ele e seu mano Pedro Paulo
Pimenta com quem conversar sobre Sgt. Pepper).
Interessante é como a desde o século 19 o
mundo ocidental e o oriental vão conhecendo um ao outro mas levaram quase um
século para começarem a se conhecer melhor; por exemplo, para o ocidente
pessoas do Japão, China, Coreia, Filipinas etc. eram todas “chinesas” ou
“japonesas”, e características chinesas como “tlocar” o R pelo L e a frase
musical dó-dó-lá-lá-sol-sol-mi são tidas até hoje como japonesas, e só poucos
anos atrás se descobriu (ou se decidiu) que os nomes do líder comunista Mao
Tse-Tung e da cidade de Bombaim seriam mais bem fieis aos idiomas originais se
os grafássemos Mao Zedong e Mumbay. Do mesmo modo, esta rara edição coreana de
Sgt. Pepper a que me refiro, além de omitir as letras na capa e os créditos de
autorias nos selos, conseguiu transformar alguns títulos. Por exemplo, a famosa
ode a uma “moça zona azul” inglesa virou profecia da vinda de Paul à nossa
ex-capital: “Lovely Rio”. E a canção que garantiu a Pepper lugar de honra em
minha pesquisa sobre música e circo virou jingle de campanha de saúde ao ser
inadvertidamente renomeada “Being For The Benet [sic] Of My Knee”.
Pior ainda foi a censura consciente
que Sgt. Pepper sofreu em algumas edições. A terceira edição sul-coreana –
oficial, da gravadora Parlophone local! - com apenas 11 faixas, omitindo “Lucy
In The Sky” e “A Day In The Life”, por “induzirem ao uso de drogas”. Na Rússia,
numa edição ilegal em forma de álbum duplo com Revolver no começo dos anos
1990, Karl Marx foi destituído da capa do disco, e as “muito loucas” “With A
Little Help From My Friends”, “Lucy In The Sky With Diamonds” e “A Day In The
Life” foram substituídas na Malásia e em Hong Kong por “The Fool On The Hill”,
“Baby, You’re A Rich Man” e “I Am The Walrus”. Lamentável como censura mas nem
tanto em termos musicais – afinal, Revolver, Pepper e Magical Mystery Tour são
três álbuns irmãos, representando o período mais aventuroso e sofisticado dos
Beatles, e uma manhã, tarde ou noite ouvindo todos (junto a faixas do mesmo
período como “Rain” e “Only A Northern Song”), como se fosse um “álbum triplo”, vai muito bem. (E serei a única
pessoa a pensar que o refrão de “Good Morning, Good Morning” foi reciclado para
o coro final “love is all you need” de “All You Need Is Love”, por sinal que
uma canção bem superior?)
Por sinal, Sgt. Pepper tem ainda outra
canção alusiva às drogas mas que escapou à sanha censória: sim, essa mesma, “Fixing
A Hole”, como bem percebeu o humorista e cantor George Burns durante seu
trabalho no filme Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Ele explicou à revista
Rolling Stone que “consertar um buraco por onde entra a chuva e que impede
minha mente de sair vagando” significa não deixar escapar a fumaça do jererê
para maximizar o efeito. Óbvio quando se sabe...
SATANIC SARGEANT
“Welcome The Rolling Stones”, diz a
camiseta de um boneco na capa de Sgt. Pepper. Sim, a rivalidade entre os
Beatles e os Stones nunca passou de folclore, e as abordagens musicais de
ambos, melhor que opostas, eram complementares. Ambos chegaram a gravar juntos:
John e Paul cantam em “We Love You”, Jagger canta em “Baby You’re A Rich Man”,
Brian Jones canta e batuca em copos em “Yellow Submarine” e toca saxofone em
“You Know My Name” (mas, ao contrário do que se diz, não toca em “Baby, You’re
A Rich Man”; quem toca aquele instrumento que soa como oboé eletrificado é
John), os Beatles aparecem na capa do álbum Their Satanic Majesties Request e
John se juntou a eles no espetáculo The Rolling Stones Rock And Roll Circus.
Mais que amigos dos Beatles, os Stones
raramente deixaram passar alguma obra de sucesso deles sem fazer uma imitação
ou paródia, geralmente tosca e descarada. Uma das mais óbvias é justamente
Satanic Majesties com relação a Sgt. Pepper.
Mas há um detalhe. Os Stones, por mais
toscos e caras-de-pau que fossem, nunca deixaram de creditar pelo menos uma
pessoa participante especial em seus álbuns, ao passo que os Beatles
abandonaram tal costume de Sgt. Pepper em diante, sendo Billy Preston notável
exceção. E numa ocasião, justamente no disco Sgt. Pepper, foram os Beatles que
seguiram os Stones, embora sem a mínima intenção; explicarei. Os Stones
imitaram “Yesterday” dos Beatles em sua gravação de “As Tears Go By”, cujo
arranjo para quarteto de cordas é do maestro Mike Leander. Pois bem, foi Leander
o arranjador (não creditado) da orquestra em “She’s Leaving Home”; George
Martin, embora indiscutivelmente o Quinto Beatle, ganhava a vida como
funcionário da EMI, e na ocasião estava em outra tarefa; mas ele produziu a
gravação e regeu a orquestra. (E acabo de ler na Wikipedia que “She’s Leaving
Home” marcou o início da presença feminina em discos dos Beatles, na pessoa da
harpista Sheila Bromberg.) Mas Leander foi "vingado" ao ser crditado como o arranjador de "She's Leaving Home" logo no início do texto de contracapa de seu LP A Time For Young Love, de 1969 (cliques em cima da imagem e da lentezinha para conferir o texto).
Para mim, a única falha de Sgt. Pepper,
pelo menos a edição original em vinil, é a falta de créditos (talvez em nome da mística beatle ou falta de atenção a este detalhe) a Mike Leander, Mal Evans (no despertador e parceria em composições como "Getting Better", embora recebendo os devidos direitos autorais) e outros(as) musicistas
participantes e convidados, além do ligeiro incômodo de a capa incluir Stuart
Sutcliffe, que havia saído amigavelmente dos Beatles em 1961, mas ignorar Pete
Best, covardemente expulso no ano seguinte (embora, musicalmente, sua
substituição por Ringo Starr tenha sido uma das melhores decisões da história
do rock). Enfim, eles que são britânicos que se entendam... (E pensar que não incluíram Pete Best mas trouxeram Aleister Crowley e quase incluíram Hitler...) Mas pelo menos Pete
Best foi lembrado na série Anthology quase trinta anos depois.
TÁ CHEGANO BEM PERTIM DO FINARZIM
E para terminar por ora, vejam se vocês
concordam que a primeira frase musical, de dez notas, cantada por Ringo em Sgt.
Pepper coincide com estas outras duas gravações, uma anterior e outraposterior, respectivamente aos 28” e aos 1’14”, em frases instrumentais com
arranjos e andamentos bem diferentes. Eu adoraria te ligar... e espero ter
conseguido ao menos um pouco.
Parabéns texto elucidativo que trás com certeza assunto de desconhecimento de grande parte de fãs dos 4 de Liverpool.
ReplyDeleteSensacional!!!
ReplyDeleteSaudade da Casa Lomuto... aliás eu vi lá mesmo esse estranho Sgt. Pepper coreano com "Being for the benet of my knee".
ReplyDeleteParabéns pelo texto. Como beatlemaniaco que sou e colecionador fico feliz de ler um texto tão bem escrito e repleto de informações e pesquisa. E pensar que tenho alguns exemplares do Música e Alegria Kolynos aqui comigo.....
ReplyDeleteRelendo o selo sul-coreano, acho que é "Being FAR The Benet Of My Knee".
ReplyDeleteMuito legal o artigo, Ayrton (encontrei o Claudio na rua e ele me disse que tinha sido publicado). Uma história para você. Segundo meu irmão, o Pepper coreano que você usou na matéria, com o carimbo da Casa Lomuto no selo, tem também um adesivo da Wop Bop na parte interna da capa. Eu não me lembro de ter comprado o disco em nenhum desses lugares. Mas imagino o seguinte: alguém comprou-o na Lomuto, viu que tinha feito mau negócio, e despejou na Wop Bop; aí, com nossa mesada, eu o João compramos; ou então compramos de alguém que comprou lá (você?). Um abraço
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