Saturday, August 22, 2009

LEMBRAM-SE DE EDUARDO MOREIRA?

O saudoso cantor e guitarrista Eddy Teddy foi um dos pioneiros das feiras de discos de rock no Brasil e também da retomada do rockabilly nos anos 1980, tocando em grupos como Rockterapia e Coke-Luze. E seu filho Luiz Teddy, também emérito rockabileiro à brasileira (foi integrante dos Krents), está produzindo um documentário sobre o rockabilly caboclo, além de comandar um blog em homenagem ao pai: http://eddyteddy.wordpress.com/

E um de meus orgulhos é ter sido integrante, lá em 1980, de um dos grupos de Eddy Teddy, o British Beat - dedicado, como o nome faz supor, ao rock inglês dos anos 1960, antes de Eduardo Moreira mudar o nome artístico e aderir de vez ao rockabilly. Os integrantes eram Eddy na guitarra-base, Vicente Scopacasa na bateria e eu e Reinaldo alternando na guitarra-solo e no contrabaixo. (Por sinal, Vicentão é emérito especialista em rock inglês, tendo sido inclusive ele quem sugeriu o nome da banda; e tive o prazer de tocar novamente com ele quase 20 anos depois na banda Peppermint, ao lado de Bogô, Suely Chagas, Suzy Sallum e Raphael Villardi. Que supergrupo, hein? Pena que restaram apenas algumas fotos e gravações em vídeo e cassete. Espero que esta formação se reúna algum dia!)

Eddy Teddy tinha o hábito salutar de gravar tudo que era ensaio e show. Aqui estão duas gravações do British Beat produzidas por ele. De um dos ensaios, "With A Girl Like You" dos Troggs; Vicentão canta as estrofes, Eddy canta a parte do meio e eu estou no vocal de fundo (e contrabaixo). E do único show do grupo, na casa de Eddy Teddy em 13 de dezembro de 1980 (show por sinal dedicado a John Lennon, falecido naquela semana), "These Boots Are Made For Walkin'" no arranjo instrumental dos Ventures (com Reinaldo na guitarra-solo).

British Beat - With A Girl Like You

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British Beat - These Boots Are Made For Walkin'

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SAMBA PRA CARAMBA - PARTE 1

Já que sempre reclamei de que o Brasil é o país onde menos se ouve música brasileira, vou fazer minha parte para corrigir isso. Aqui estão alguns sambas que fizeram muito sucesso nos anos 1970 e que, até onde sei, nunca foram reeditados desde então (estas transcrições foram feitas a partir de discos mono!).

Para começar, o grande Jair Rodrigues com "Leão De Coleira", composição do sambista de morro Velha, gravação de 1970.

Jair Rodrigues - Leão de Coleira

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A gravação que marcou a passagem de Luiz Ayrão da jovem guarda para o samba foi este dueto com Picolino da Portela: "Puxa, Que Luxo", composição de ambos, lançada em 1971.

Picolino da Portela e Luiz Ayrão - Puxa, Que Luxo

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Na transição do singelo samba de morro para o simples e direto sambão-jóia temos "Vai Pro Lado De Lá", de Candeia e Euclenes, lançdo por Candeia em 1971 e sucesso com Nerino Silva no ano seguinte.

Nerino Silva - Vai Pro Lado De Lá

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E alguém se lembra - ou ouviu falar - de Maria Luiza Imperial? Filha de Carlos Imperial, ela se lançou como cantora e compositora no começo dos anos 1970, e deve ter seguido conselhos do pai ao fazer declarações escandalosas como "ninguém me convence de que Noel Rosa é bom, 'Conversa De Botequim' é uma droga sem tamanho". Bem, ela conseguiu ser plagiada por João Bosco: compare o trecho "na figura de um bravo feiticeiro" de "O Mestre-Sala Dos Mares" com o trecho "hoje nos teus braços quero esquecer" de "Amor, Amor", parceria de Maria Luiza com Paulo Menezes e o bloco carnavalesco Bafo da Onça, gravada pelo grande Jorge Goulart em 1972.

Jorge Goulart - Amor, Amor

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Thursday, August 20, 2009

ESTA LULU TAMBÉM TEM MUITOS LUVVERS

Nem faz tanto tempo que a moda no mundo dos quadrinhos era voltar à mais tenra infância: Pernalonga, os Flintstones, a Turma da Mônica e outros tiveram suas versões "kids". Agora temos a onda "teen", com mais uma metamorfose dos personagens de Mauricio de Souza, a Geração Z das Meninas Superpoderosas (um desenho criativo reduzido a mais um animê histérico; desta vez o dia não foi salvo) e a veneranda Luluzinha transformada em Luluzinha Teen. Notei também alguns debates quanto à qualidade desta Luluzinha Teen em relação à anterior, alguns elogiando, outros dizendo ser uma imitação forçada da Turma da Mônica Jovem. De qualquer modo, duas coisas são certas. As histórias da Luluzinha dos anos 1940 a 1960 são tão engraçadas quanto inteligentes e parecem até ter melhorado com o tempo, gosto ainda mais agora que na minha infância lá em 1964. E não estou sozinho: o fã-clube de Lulu tem sócios pelo mundo afora. Aqui estão algumas demonstrações musicais disso, de gêneros, épocas e países diversos.

A mais famosa e óbvia é "Be-Bop-A-Lula", lançada em 1956 pelo roqueiro Gene Vincent, que pronunciava "Lulu" como "Lula" devido ao sotaque de sua região de origem, o Sul dos EUA. Como gsto de fugir do óbvio, trarei uma versão em japonês, escrita por Seuti Yida e cantada por Yoko Abe em 1959 no Brasil - a cantora Abe-san foi o primeiro artista nipo-brasileiro a gravar rock na terra do coqueiro nascente. Kiite kudasai:

Yoko Abe - Be-Bop-A-Lula

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Outra óbvia é "A Festa Do Bolinha", composição de Roberto e Erasmo Carlos, lançada pelo Trio Esperança em 1965, com tamanho sucesso que o texto de contracapa de um LP coletânea de música brasileira patrocinado pela Varig e lançado na Alemanha (Papagaio - Bossa do Brasil) traduz o título para o inglês como "Bolinha's Party" e nem se lembra de que o personagem foi criado nos EUA pela cartunista Marjorie Buell! E, novamente longe do óbvio, apresento uma versão chilena, "La Fiesta De Tobi", com o grupo vocal Los 4 Hits acompanhado pelo conjunto instrumental Los Masters.

Los 4 Hits - La Fiesta De Tobi (A Festa Do Bolinha)

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Muitos acham que a bossa nova foi tão "cabeça" quanto a jovem guarda foi alienada. Para mim, ambas são irmãs quase gêmeas. Ambas eram fusões de música brasileira com estilos ianques, respectivamente o jazz e o pop-rock; ambas eram feitas por jovens que queriam aproveitar a vida; e ambas tinham seu lado moleque e infanto-juvenil. A jovem guarda cantava músicas sobre outros alguéns, Brucutu, Chapeuzinho Vermelho ("não ligue pra nenhum conselho") e Luluzinha? Pois a bossa nova cantava músicas sobre barquinhos e beijinhos, o pato que vinha cantando alegremente, Chapeuzinho Vermelho (às voltas com o "Lobo Bobo", lembra-se?) e... Luluzinha. Sim, a "Luluzinha Bossa Nova", composição da dupla Bôscoli & Menescal, lançada por Sônia Delfino em 1961.

Sônia Delfino - Luluzinha Bossa Nova

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Dos próprios EUA temos o tema da primeira versão do desenho animado, "Little Lulu Theme", composto por Buddy Kaye, Fred Wise (sim, autor de várias cançonetas gravadas por Elvis Presley) e Sidney Lippman, e que vamos ouvir em dois arranjos: o original de 1943 e uma versão jazz com o pianista Bill Evans, primeira faixa de seu primeiro LP para o selo Verve, acompanhado por Gary Peacock (contrabaixo) e Paul Motian (bateria) em 1964.

Original Theme - Little Lulu

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Bill Evans - Little Lulu

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Não esquecerei dos irmãos Meire e Albert Pavão e da dupla vocal da jovem guarda Os Vikings (mais uma conexão com a Turma da Mônica: Diógenes, um dos Vikings, faz a voz do elefante Jotalhão em desenhos e comerciais desta turma), que, ao lado de outros vocalistas e com a coordenação de Theotonio Pavão, pai de Albert e Meire, gravaram vários LPs infanto-juvenis com o nome Quarteto Peralta. Um deles (A Festa Do Bolinha, de 1977) é totalmente dedicado a Bolinha e sua turma, com faixas especiais para personagens como Vovô Fracolino, a Turma da Zona Norte e até aquela peste do Alvinho - sem falar no próprio Bolinha que conegue ser ainda mais peste quando toca violino (curioso é que no gibi antigo Bolinha toca violino por pressão dos pais, mas na versão "teen" ele é guitarrista por opção; só não sei se a qualidade melhorou). Aqui vai o LP inteiro, tomado de empréstimo a um excelente blog, Cantos e Encantos.

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Sunday, August 16, 2009

ORIGINALIDADE É ISSO AÍ - ELVIS PRESLEY

Hoje é aniversário do falecimento de Elvis Presley, o verdadeiro Rei do Pop, continuador da tradição de Al Jolson, Frank Sinatra e outros eméritos "crooners". Aproveitarei para mencionar meu novo livro que acaba de sair, O Jovem Elvis Presley (editora Nova Alexandria/Claridade), por sinal que meu segundo livro sobre um mesmo artista; o outro é Elvis Presley: Vamos Dar Uma Festa, lançado pela Nova Sampa em 1994 (sim, eu me dou bem com editoras que têm "Nova" no nome, ou que pelo menos, como dizia Raul Seixas, "enxergam o novo porque têm olho novo") e já esgotado. (Tudo bem, aproveitarei para lembrar também o aniversário de Madonna.)

Aqui vão algumas gravações originais de canções que se tornaram propriedade de Elvis quando ele as gravou.

Foi dito, com justa razão, que música popular, além de feita de fórmulas, é 90% letra; uma nova letra já basta para caracterizar uma nova canção. Um bom exemplo é este mesmo: "Aura Lee", composta em 1861 com melodia de George R. Poulton e versos de William Whiteman Fosdick. Quase cem anos depois, com Elvis já devidamente incorporado à indústria cultural, ele apareceu como compositor de "Love Me Tender", nada mais que "Aura Lee" com nova letra, em parceria com Vera Matson. Na verdade, esta nova letra é do maestro Ken Darby; Elvis foi creditado como compositor segundo o acordo feito pelo (desculpem o baixo calão) Colonel Parker segundo o qual Elvis se tornaria "parceiro" ao gravar obras de determinadas editoras, começando por "Heartbreak Hotel". E Vera Matson também entrou somente com o nome, por ser esposa de Ken Darby e ele ser filiado a uma sociedade arrecadadora de direitos autorais que não a de Elvis. (Continue a ler quando sua cabeça parar de rodar, pois continuarei a escrever quando a minha parar também.) A gravação mais antiga que conheço de "Aura Lee" é com a atriz e cantora Frances Farmer (1913/1970, nascida em Seattle; talvez tenha sido por isso que seus conterrâneos do Nirvana tenham gravado "Frances Farmer Will Have Her Revenge in Seattle"), no filme Come And Get It em 1936 (exibido no Brasil com título Meu Filho é Meu Rival); esta gravação foi extraída do filme.

Frances Farmer - Aura Lee

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Nos anos 1970 Elvis costumava abrir seus shows com "C. C. Rider". Originalmente um blues intitulado "See See Rider", a canção foi lançada por sua autora, a blueswoman Ma Rainey, em 1924. Outras versões em rock ou r&b anteriores à de Elvis incluem a de Wee Bea Booze, Eric Burdon e esta aqui, de Phil Flowers, que só conheço de um compacto mais ou menos oficial; uma transcrição melhor será bem-vinda.

Ma Rainey - See See Rider

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Phil Flowers - C. C. Rider

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Outra composição da qual Elvis fez um "cover de cover" é "Hound Dog", da dupla Jerry Leiber & Mike Stoller, lançada em 1953 pela cantora Willie Mae "Big Mama" Thornton, com direção musical de Johnny Otis. Atenção para o solo de guitarra deliciosamente primitivo de Pete Lewis; para mim ouvi-lo é quase como ser testemunha da invenção da roda. E consta que Elvis, embora bastante antenado com música negra nos anos 1950, baseou sua interpretação de "Hound Dog" na gravação de Freddie Bell & The Bellboys, de 1955.

Big Mama Thornton - Hound Dog

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Freddie Bell & The Bellboys - Hound Dog

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Friday, August 14, 2009

LES PAUL (1915/2009)

A exemplo de Dorival Caymmi, o guitarrista estadunidense Les Paul (falecido ontem aos 94 anos) teve vida e carreira longas, amplamente influentes e produtivas, e ainda estava gravando discos e tocando em barzinhos.

Como quase todo grande artista, Les Paul era a simplicidade em pessoa. Tenho uma entrevista dele de 1987 para a revista inglesa Guitarist (edição de janeiro de 1988) em que ele lembra, por exemplo, como descobriu a técnica de "hammer-on" lá em 1928. "Pensei que ninguém no mundo fazia isso - eu havia inventado a roda. E de repente ouvi Segovia e ela já fazia tudo isso!" Isso, continua Les Paul, acontece também com outros. "Nem sei quantos garotos me chegam com uma nova invenção. Um foi Al DiMeola. Ele disse 'eu coloco meu pulso nas cordas e as abafo', e então eu disse 'deixe-me tocar uma coisa pra você, Al.' Toquei algo lá de 1953, quando ele ainda estava na você-sabe-o-quê esquerda do pai dele. Daí que quando alguém pergunta 'Você inventou isso?' ou me diz 'Você sabia que alguém já fazia isso dez anos antes de você?', só posso dizer que eu fiz. Não estou dizendo que fui o primeiro."

(Já que este é meu blog, vou recordar que também "reinventei a roda" do meu jeito - saiu uma roda meio oval, mas rodava. Quase todas minhas gravações de 1973 a 1994 foram feitas num sistema de "pingue-pongue" que inventei/descobri sozinho, usando dois ou mais gravadores de rolo e/ou cassete. Recentemente eu soube que Les Paul fez a mesma coisa quando gravação em fita ainda era novidade: ele fazia "pingue-pongue" usando discos de acetato. E é divertido reler a contracapa de seu LP The New Sound!, de 1950: "O que é bom com uma guitarra é oito vezes melhor com oito guitarras - e para provar isso ele toca todas ele mesmo! Como se faz isso é segredo de Les, e ele se recusa tenazmente a divulgá-lo.")

Mais famoso pelo pioneirismo na gravação multicanal e maestria na guitarra de música pop, Les Paul merece ser homenageado também como jazzista. Confiram esta gravação da série de shows Jazz At The Philharmonic, feita ao vivo no Philharmonic Auditorium de Los Angeles em 2 de julho de 1944, produzida por Norman Granz e lançada no LP de dez polegadas Jazz At The Philharmonic Volume 4 (selo Mercury, 1950). A faixa é "apenas" um "Blues" de 12 compassos, com Illinois Jacquet (sax-tenor), Jac McVea (sax-tenor), J. J. Johnson (trombone), “Shorty” Nadine (piano - na verdade Nat "King" Cole sob pseudônimo), Les Paul (guitarra), Johnny Miller (contrabaixo, do Nat King Cole Trio) e Lee Young (bateria). Les sola no final; atenção para seu "duelo" com Nat - que, sempre convém notar, antecipou a síndrome de George Benson: mais lembrado como excelente cantor, porém instrumentista melhor ainda.

Jazz At The Philharmonic - Blues

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Wednesday, August 05, 2009

UM ASSUNTO BEM CABELUDO

Há 40 anos, no meado de 1969, a nave Apollo 11 pousava na Lua. Logo em seguida, os tripulantes da Apollo 12 puderam cantar “My body is walking in space” com propriedade, e na bagagem não poderia faltar uma cópia de Hair em fita. Sim, estamos falando de Hair, não somente a obra que finalmente introduziu a Broadway na era do rock (após brincadeiras citando o rock, como Bye Bye Birdie), mas também um dos raros musicais (Porgy And Bess, Anything Goes, My Fair Lady, The Sound Of Music, West Side Story) campeões em render canções de sucesso. E, de alguns anos para cá, tenho a opinião de que rock e teatro-ópera-musical nunca se reuniram com tanta qualidade e criatividade quanto em Hair.

Já ouço alguém teclar: como é que é? Você, grande fã dos Kinks, considera Hair melhor que Arthur ou Preservation? Sim, considero. Sou fã dos Kinks, mas não fanático. E eu, pelo menos, descobri trechos – ou, se preferirem, fios melódicos, rererê – de Hair em obras kinkianas, como “Ain’t Got No” (confira: “Ain’t got no scarf/ain’t got no gloves”) sobre outra canção-lista, “Where Did My Spring Go” (“Where did my youth go?/Where did my life go?”). Por sua vez, a harmonia de “Black Boys” (A-G-C-E-A-G-C-E-D-C-F-D-D-C-F-D) é uma variação bem mais inteligente de “All Day And All Of The Night” (A-G-C-A-A-G-C-A) que, por exemplo, “Hello I Love You”.

Não vou falar muito sobre uma obra que tem pelo menos duas comunidades no Orkut e várias páginas enormes e detalhadas na Internet (duas são http://www.geocities.com/hairpages/ e http://www.hairthemusical.com). Nem comentarei muito sobre Hair ser fruto do engenho de um judeu de família polonesa (James Radomski “Rado”), um “oriundi” (Gerome Ragni) que participou de uma montagem de Hamlet de Shakespeare (agora você se lembrou de onde ele tomou a frase “What A Piece Of Work Is Man” – e Claude, personagem central de Hair, indeciso entre aderir ou não ao sistema, chegou a ser chamado de “irmão hippie de Hamlet”) e um canadense (Galt MacDermot) que seguia o padrão George Martin de qualidade: cabelos curtos, camisa social, já trintão, veterano (sua composição “African Waltz” havia até ganho um Grammy na interpretação do saxofonista Cannonball Adderley em 1962) e que nem sabia o que era um hippie até conhecer Ragni & Rado. Ciente de que reciclagem exige inteligência, MacDermot misturou Grieg (aquela alternância de tônica menor com relativa maior de “No Hall do Rei da Montanha”, do tipo Em-G, muito bem usada em “I’m Black”, "The Flesh Failures", “Hair” e outros temas do musical - e uma canção que desde antes faz bom uso dessa sequência é (Ghost) Riders In The Sky de Stan Jones, megaclássico da country music muito bem cooptado pelo rock), “Louie Louie” (Manchester, England”), o mantra “Hare Krishna” e muito mais, criando um “estilo Hair” (“Hair-style”, mais um trocadilho) de composição.

Apenas mencionarei os fatos de canções de Hair terem sido regravadas por artistas os mais diversos como Phil Spector (“The Hair Anthology Suite” ocupando um lado do LP Love Is All We Have to Give dos Checkmates, produzido por ele), o Three Dog Night, Nina Simone, Tony Campello e os Cowsills; o musical ter sido inspiração direta (embora nem sempre confessa) para canções como “Jesus Cristo” de Roberto e Erasmo Carlos (reparem na sequência harmônica Em-G) e musicais inteiros como Jesus Christ Superstar e Godspell; e de seus elencos pelo mundo terem saído astros como Donna Summer, Meat Loaf, Julien Clerc e Aracy Balabanian. Comentarei de leve que Hair, estreada fora da Broadway em 29 de outubro de 1967, começou a ser gestada há 45 anos, em 1964, quando Rado & Ragni começaram a escrever as letras (que seriam musicadas em apenas três meses por MacDermot no ano de 1966).

E vou lembrar de leve as críticas negativas a Hair. Para o jornalista Dave Marsh, do Rolling Stone, o musical não passou de um aproveitamento do rock pelo sistema: “A idéia que os quadrados tinham dos anos 1960.” Em 1995 Kurt Ganzl afirmou em seu (bom) livro Musicals: “Se houve um espetáculo que certamente iria morrer com os anos 1960, foi Hair. Mas na verdade ele ainda está por aí, em espetáculos de uma noite só pela Europa central para deleite nostálgico dos filhos da era que agora estão na meia-idade e daqueles que acabaram de descobrir os anos 1960. Com o pouquinho de nudez e tudo. E, claro, em inglês. Bom, quem é que prestava atenção nas letras?” Por falar em letras, o musical Runaways de Elizabeth Swados (1978) esculhamba o hippismo e a contracultura em versos como “Cadê aquelas pessoas que fizeram Hair?/Como é que elas ficaram tão gordas e feias?”

Até o encarte da primeira edição em CD de Hair, de 1988, hesita em reconhecer a perenidade da obra: “Quando Hair terminou sua temporada na Broadway em 1 de julho de 1972, após 1742 representações, ele havia se tornado outra baixa devida a mudanças nas tendências, um espetáculo tão identificado com sua própria época que um revival, em outubro de 1977, não conseguiu chamar a atenção numa Broadway bem ocupada, saindo de cena após apenas 43 representações. Mesmo assim, para aqueles que assistiram ao show quando ele estreou na Broadway, e que o viveram e respiraram, Hair sempre será um momento mágico no teatro da Broadway.”

Mas até quem fala mal de Hair encontra algo bom para dizer. Dave Marsh recomendou “Aquarius/Let The Sunshine In” com o grupo vocal The 5th Dimension (aliás, já pensaram no grupo regravando “Walking In Space”, que diz “num foguete para a quarta dimensão”?). E o press-release da segunda montagem brasileira (que estreou em 21 de agosto de 1978) diz: “O mundo mudou muito depois de Hair. Mas também por causa de Hair. Essa mensagem muito clara de liberação, esse conteúdo essencial, ao contrário da forma, que foi rápida e facilmente consumida, foi salientado com o passar dos anos. Hoje há uma nova leitura de Hair, um outro entendimento, exatamente por causa de Hair.” (Curiosidade: pesquisando sobre a segunda montagem brasileira do musical, gostei de descobrir na equipe ao menos duas pessoas conhecidas: a cantora Dadá Cyrino, com quem, nos anos 1990, trabalhei no (infelizmente efêmero) projeto Good Partners, e “Biafra” em uma das guitarras – ele mesmo, o mesmo Mário Manga do Premê e pai de Mariana Aydar.)

E Hair continua crescendo (tá bom, vou parar) décadas adentro, seja com ocasionais regravações ou citações (como no filme O Virgem de 40 Anos), uma versão filmada, muitas reedições ou montagens atualizadas. E, longe de ser apenas apenas um fóssil dos anos 1960, Hair continua atual; uma das poucas diferenças é que saiu a Guerra do Vietnã e entrou a do Iraque.

O LP da versão da Broadway, com arranjos restritos a guitarras, teclado, baixo, bateria e um pouco de metais, talvez seja o melhor disco de iê-iê-iê de todos os tempos. (E para mim o álbum da primeira versão, de 1967, é um belo LP de pop de garagem.) Lembrarei também que Hair inclui muito mais canções (cerca de 30) que a média dos musicais (no máximo umas 20) – e o LP, com sua grande quantidade de faixas em ritmos variados e com letras falando de sexo, personagens à margem da sociedade, céu, amor, luz do Sol e detalhes sobre a Inglaterra, faz uma bela dupla com o já também quarentão (e posterior) Abbey Road dos Beatles.

O musical Hair é tão dinâmico que muitas canções sumiam e voltavam a cada montagem, nos EUA ou em outros países. Uma das que ficaram de fora do LP original da Broadway e de que mais gosto é “Dead End”, presente na gravação de 1967.

Jill O’Hara e elenco – Dead End

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Outra que ficou de fora do álbum de 1968 (embora tenha sido incluída como bônus na versão em CD) é “The Bed”. Aqui está ela num arranjo diferente, mais lento (e, penso eu, melhor), tirado do LP Disin-HAIR-Ited, de 1970. (Num exemplo seguido pelo The Who com Tommy, MacDermot, Rado & Ragni gravaram várias versões diferentes de Hair.)

Ragni, Rado, MacDermot – The Bed

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Se MacDermot nada tinha de hippie ou bicho-grilo, Rado e Ragni nada tinham de bobos. Cientes de que uma das novidades trazidas pela Era de Aquário era a globalização, cuidaram desde logo de transformar Hair numa “franquia” multinacional, e das mais rendosas, licenciando as canções para todos os países e idiomas possíveis. Um bom exemplo é o da primeira montagem francesa, com versões de Jacques Lanzmann. A contracapa da edição estadunidense já vai avisando: “A interpretação é um pouco mais sexy, mas, afinal de contas, os franceses são assim. Viva [sic] la difference!” E por falar em “difference”, atenção para a citação do Hino Nacional.

Julien Clerc, Herve Vattine e a Tribo – Hair

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Haare, a primeira versão encenada na Alemanha (com versões de Walter Brandin), é lembrada não só pela qualidade, mas também por seu elenco ter incluído a cantora Donna Gaines, mais tarde famosa como Donna Summer.

Donna (Donna Summer), Tommy (Shirley Thompson) und Ann (Ann Hellstone) – White Boys

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Curioso é que, assim como os autores da letras originais (Rado & Ragni) estrelaram o elenco ianque original, a versão japonesa foi feita pelos astros da montagem local, Katsumi Kahashi e Terada Minoru, em parceria com o produtor Shotaro Kawazoe. Ainda mais curioso foi que a estreia de Hair na chamada Terra do Transistor Nascente aconteceu cedo, em 1969, mas brigas com a censura local (canções como “Sodomy”, “Hashish”, “Colored Spade”, “White Boys” e “Black Boys” ficaram de fora) atrasaram o LP correspondente até 1971 (e foi lançado até em “Burajiro”, no!).

Claude Serizawa e a Tribo – Manchesutaa Ingurando (Manchester, England)

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Hair foi montado na Argentina, com versões de Agustín Cuzzani e Roberto Villanueva, e o LP correspondente saiu em 1971. Curiosidade: a contracapa traz uma foto dos autores originais do musical - aquela famosa foto preto-e-branco da contracapa do LP da Broadway - , só que na legenda trocaram Galt MacDermot pelo produtor do musical, Michael Butler!

Banda original de la Obra em Castellano - Argentina – Aquario (Aquarius)

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Assim como só é segredo para as torcidas do Corinthians, do Flamengo, do Arsenal e do Milan que Donna Summer trabalhou no Hair, o mesmo se pode dizer do fato de a participação de Sônia Braga na primeira montagem brasílica ter até virado letra de Caetano Veloso. Esta primeira versão cabocla (com letra de Renata Pallotini) foi dirigida por Claudio Petraglia e o elenco incluiu Ricardo Petraglia (futuro Joelho de Porco), Aracy Balabanian, Edyr de Castro (a mesma Edyr Duqui das Frenéticas) e José Luiz Penna (futuro integrante do grupo Papa Poluição e político do Partido Verde). Detalhe: a estreia no Brasil deu-se há exatos 40 anos, em 8 de outubro de 1969, no teatro paulistano Aquarius; não sei dizer no momento se o teatro (o mesmo que anos depois viraria Záccaro, Ópera, fábrica de fé, casa de forró e hoje descansa em paz de tantas mudanças) ganhou este nome devido a uma das canções de Hair.

Maria Regina, Sônia Braga e Marilene Silva – Crioulos (Black Boys)

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Muito curioso é o cantor estadunidense Julius La Rosa, de longa e ilustre carreira em seu país, ser conhecido no Brasil somente por meio compacto, uma gravação que nem foi sucesso nos EUA: seu belo arranjo “pilantragem” de “Where Do I Go” (“meio compacto” porque o lado-B era outra regravação: “Come Softly To Me”, o sucesso dos Fleetwoods, na voz de Billy’n’Sue, na verdade pseudônimo para a cantora Lesley Gore e o cantor Oliver – que, por sinal, fez sucesso mundial com outro tema de Hair, “Good Morning Starshine”).

Julius La Rosa – Where Do I Go

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Tony Campello, primeiro cantor brasileiro de sucesso a ser lançado como roqueiro, gravou “Good Morning Starshine” na mesma versão de Hamilton Di Giorgio (também autor da versão de "The Wanderer"/“Lobo Mau”) que foi grande êxito com o grupo vocal Os Caçulas, “Estrela Que Cai”.

Tony Campello – Estrela Que Cai (Good Morning Starshine)

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A indústria cultural é muito ágil e esperta quando quer, inclusive no Brasil. Logo se percebeu que as quase quarenta canções de Hair eram excelente matéria-prima para o sucesso. Além das regravações de canções individuais por Oliver, Three Dog Night etc., não faltaram covers no atacado (ou seja, LPs inteiros ou, no caso dos Checkmates e do tecladista Peter Nero, metades de LPs) em estilos os mais diversos por artistas e produtores idem (Don Kirshner, Mort Garson), além de releituras por artistas que topavam tudo (Johnny Mathis, Percy Faith). Pelo que percebi a gravadora RCA era quase "dona" de Hair, tendo lançado os LPs com o elenco original, e a Philips veio em segundo lugar com muitas versões estrangeiras (França, Inglaterra, Alemanha). A CBS se virou com um meio LP de Peter Nero, Hits From "Hair" To Hollywood (sim, também prefiro os meus trocadilhos), e a filial brasileira teve a ideia de montar um compacto duplo com quatro gravações: "Easy To Be Hard" com a banda Stony Brook People, "Aquarius" com o maestro Jack Gold (mais e melhor lembrado como co-autor de "It Hurts To Say Goodbye", que você conhece pelo menos na versão francesa, "Comment Te Dire Adieu"), "Good Morning Starshine" com o maestro Percy Faith e "Be-In" com o citado Peter Nero. Vamos ouvir esta última (tirada de um LP importado estéreo, não do disco mono nacional), que inclusive foge do normal usando acompanhamento de samba, num dos primeiros e belos exemplos de "world-lounge". (Acho que este arranjo em samba ficaria bem na versão brasileira).

Peter Nero - Be-In (Hare Krishna)

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O que é a sincronicidade: mal citei a influência do grande compositor norueguês Edvard Grieg, caiu-me no colo um mp3 de Hår, ou seja, a primeira montagem norueguesa de Hair, de dezembro de 1970. (Este eu descobri neste blog, http://gelo-mismusicales.blogspot.com/2009/07/hair-1971-norwegian-cast.html). Aqui vai uma amostra:

Hår (Hair) - Norwegian cast - Hardt Saret (Three Five Zero Zero)

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Em 1992 a banda estadunidense The Lemonheads resgatou “Frank Mills”, paródia de balada folk, em It’s A Shame About Ray, talvez um dos melhores álbuns de rock dos anos 1990.

The Lemonheads - Frank Mills

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Foi dito, com toda razão, que Hair foi um equivalente ambulante do primeiro Festival de Woodstock, que também está completando 40 anos. Nada mais adequado que lembrar ambos juntos, não só por serem grandes símbolos do hippismo, mas também por serem eventos irmãos: o grupo Grateful Dead tocou no festival e é citado na canção “Hair”, e durante a chuvarada do domingo, 17 de agosto, a platéia cantou, além de “No Rain”, a mais que adequada “Let the Sunshine In”.

Audience During Sunday Rainstorm – Let The Sunshine In

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